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Voz dos Papas


Mas os seus não O receberam…
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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De nada valem pomposas teorias, ruidosas assembleias, o debate de questões candentes. Basta olharmos para a gruta de Belém para restaurar todas as coisas em Cristo. Caminhando por esta via, a sociedade seria feliz.

O mistério de Belém, que logo vamos comemorar, oferece-nos as mais indiscutíveis provas a respeito do verdadeiro Salvador: Salvador hoje como há dezenove séculos; Salvador aqui como em Belém; Salvador único, eterno, universal, que renovou a face da terra e restabeleceu, com Deus e entre os homens, todo relacionamento individual e social.

   A Gruta de Belém nos apresenta de fato o Homem perfeito que, unindo a natureza divina e a humana numa só Pessoa, restituiu a esta a melhor parte dos seus privilégios perdidos pelo pecado e devolveu- -lhe a plenitude das suas prerrogativas. Em consequência, não temos outro meio para sermos homens, tanto na ordem espiritual como na temporal, que o de irmos ao encontro do Homem perfeito, visando alcançar a plena medida da vida de Cristo “até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo” (Ef 4, 13).

Caminhando por esta via, a sociedade seria feliz

   Toda a vida cristã e social não deve ser, portanto, senão uma contínua procura da beleza de Cristo que nos leve a recuperar nossa dignidade e a trazer novamente ao mundo, com os dons originais, a harmonia, a concórdia e a paz do Éden.

   A Gruta de Belém torna-se assim uma escola na qual o Divino Redentor começa seu magistério ensinando, não por palavras, mas por obras, que a única via possível para a reabilitação passa pelo sacrifício na pobreza e na dor.

   De nada valem pomposas teorias, ruidosas assembleias, o debate de questões candentes. Basta esta lição para restaurar todas as coisas em Cristo, sem que a ciência disso se ocupe, a riqueza colabore ou a política intervenha. Caminhando por esta via, a sociedade seria feliz, em universal tranquilidade e alegria.

Natividade – Igreja de
São João Batista, Halifax
(Canadá)

Muitos e gravíssimos males afligem a Igreja

   A Gruta de Belém é uma escola na qual vemos um César pagão se tornar instrumento inconsciente da Divina Providência e concorrer admiravelmente para a fundação da Igreja. É nos mostrado assim que ninguém pode duvidar da ajuda de Deus para defendê-la e preservá-la.

   São muitos e gravíssimos, decerto, os males que de momento a afligem. Seus inimigos, declarados ou disfarçados, são muitos e poderosos. Eles dispõem de recursos formidáveis para prejudicá-la. Mas não devemos desanimar, porque as divinas promessas nos trazem a certeza de que Deus sempre alcançará o fim por Ele estabelecido, valendo- -Se para fazer triunfar o bem, como diz Santo Agostinho, até do próprio mal produzido pela nossa livre vontade.

A espera tranquila e confiante de Maria e José

   A Gruta de Belém é uma escola na qual se ensina que, para restaurar tudo em Cristo, não devemos querer impor à Divina Sabedoria nem o tempo nem o modo em que Ele deve vir em nosso socorro.

   Quarenta séculos fazia que Israel aguardava o cumprimento da promessa feita no Paraíso. A nós cabe imitar não só a fé dos antigos patriarcas, mas sobretudo a de Maria e de José, os quais, sabendo que o Filho de Deus estava prestes a nascer e encontrando-Se tão distantes de Belém, esperaram tranquilos, sem ansiedades nem temores, o cumprimento do disposto pelo Céu.

   Entristece-nos, sem dúvida, ver a Igreja de Jesus Cristo ferozmente perseguida e combatida em sua autoridade, em suas doutrinas, em sua missão providencial no mundo. Entristece-nos também ver a sociedade civil conturbada, em consequência, por dissensões internas. Mas a consideração de que estamos num vale de lágrimas, num tempo de provas, de que a Igreja aqui é militante e de que as tribulações são enviadas ou permitidas pelo próprio Deus, torna fácil imitar Maria e José, os quais, após tranquila espera, abandonam a casa em que moravam para, certos de estarem cumprindo a vontade divina, empreenderem uma viagem longa e cheia de incômodos e suportarem com resignação o repúdio dos belenenses, que recusaram dar-lhes uma acolhida hospitaleira.

Jesus nasceu para todos, mas os seus não O receberam

   A Gruta de Belém é uma escola. Quão afortunada teria sido a família que naquela noite tivesse abrigado os humildes esposos! Quantas bênçãos teria recebido! Mas “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7).

   Jesus “veio para o que era seu, e os seus não O receberam” (Jo 1, 11). Pobres povos e pobres nações, que não só negam a acolhida a Jesus e sua Igreja, mas, agindo muito pior que os belenenses, criam obstáculos à sua ação, movem contra ela perseguições e calúnias, com imperdoável cegueira. A eles está também reservado o destino da mísera Belém!

   Por fim, a Gruta de Belém é uma escola na qual aprendemos que se o cumprimento das promessas divinas não foi revelado aos sábios e prudentes da época, mas apenas aos pequeninos, isto é, a simples pastores, não foi porque Jesus preferisse uma condição à outra. A sociedade humana é obra de Deus e Ele próprio quis a diversidade das condições. Jesus não veio mudar esta ordem chamando apenas os pobres, mas nasceu para todos.

   Tanto isto é verdade que, para demonstrar esse caráter de universalidade, quis nascer num local público, de livre acesso a todos; quis descender de sangue real, para que os príncipes não O desdenhassem; quis nascer pobre para que todos pudessem procurá-Lo sem receio; e, a fim de fazer-Se tudo para todos e ninguém sentisse medo de aproximar-se d’Ele, apresentou-Se como menino.

Homens soberbos de mente e corruptos de coração

   A jubilosa notícia do nascimento não foi comunicada pelo Anjo aos habitantes de Belém. Tinham- -se tornado indignos de recebê-la pela recusa a hospedarem Maria e José, e mesmo que ela lhes fosse anunciada, não teriam lhe dado importância, como mais tarde fizeram os habitantes de Jerusalém ao verem a chegada dos Magos.

   O mesmo se dá nos nossos dias quando os Anjos da Igreja falam e não poucos batizados, por causa de uma corrupção do coração que obnubila a mente, não se contentam com deles zombar e escarnecer, mas negam os fatos mais evidentes, as verdades mais patentes, os direitos mais sagrados, jactando-se de em nada acreditar.

   Tal como acontece hoje, havia naquela época homens soberbos de mente e corruptos de coração que, mesmo sendo depositários das promessas divinas, vivendo junto ao Templo e se vangloriando de fazer parte do povo eleito, não quiseram crer no anúncio do Anjo.

   Tanto foi assim que recusaram render-se à verdade ao verem Jesus restituir a vista aos cegos, a fala aos mudos, a vida aos mortos. Pelo contrário, depois de terem sido alvo de mil benefícios, eles O crucificaram. Dolorosa história que tantas vezes se renova…

   São muitos, veneráveis irmãos, os que, embora celebrando com extraordinária alegria essa festa e trocando entre si votos de felicidade, como fazem os mundanos, desprezam as lições que o mistério de Belém nos proporciona para restaurar tudo em Cristo. Em consequência, depositemos juntos nossas preces no berço do celestial Menino, para que Ele intervenha com sua graça e delas todos se valham para sua salvação.

   Quanto a nós, confiando em Deus, certos da cooperação efetiva e afetiva do Sacro Colégio, revigorados pelas orações de todo o mundo, não pedimos senão a graça de em tudo adorar serenamente as disposições da Divina Providência.

São Pio X. Discurso à Cúria Romana, 23/12/1903: ASS 36 (1903-1904), 321-324 – Tradução: Arautos do Evangelho

 
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