Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Voz dos Papas


Retornai à casa da vossa Mãe
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
O Deus onipotente nos apresenta por toda parte exemplos de sua misericórdia. Ele esquece de bom grado nossos pecados. Se maculamos nossa alma após o Batismo, renasçamos pelas lágrimas da contrição.

“Beberá da torrente no caminho; por isso, erguerá a sua fronte” (Sl 109, 7). Desde o início do mundo difundira-se no gênero humano uma torrente de morte; dessa torrente, entretanto, o Senhor bebeu “no caminho”, porque provou a morte apenas de passagem. Ergueu igualmente sua fronte, pois, ressuscitando, elevou acima dos Anjos aquilo que pela morte havia depositado no túmulo. E no mesmo lugar onde permitiu a seus perseguidores exercerem contra Si seu furor, golpeou por toda a eternidade o antigo inimigo.

A divindade ocultou-se no tempo da Paixão

Assim o indicam claramente as palavras de Deus ao Bem-aventurado Jó: “Poderás fisgar Leviatã com um anzol?” (Jó 40, 25). Leviatã, cujo nome significa acréscimo, designa o monstro marinho que devora o gênero humano: aquele que, prometendo ao homem “acrescentar-lhe” a divindade, despojou-o de sua imortalidade. É ele também que levou ao pecado o primeiro homem e, engajando seus seguidores por meio de uma detestável persuasão, amontoa em cima deles penas sobre penas.

Pela morte do Imortal, o antigo
inimigo perdeu o
fruto de sua vitória
Ressurreição de Cristo
Catedral de São Julião,
Le Mans (França)

Num anzol, o pescador mostra a isca, mas esconde a fisga. Assim o Pai Eterno enganou Leviatã, enviando à morte seu Filho encarnado, no qual se juntavam a carne sujeita ao sofrimento, que se podia ver, e a divindade inacessível ao sofrimento, que não se podia ver. E quando, por intermédio dos perseguidores de Jesus, a serpente mordeu a isca do corpo no Cristo, a fisga da divindade a transpassou.

Inicialmente, o monstro reconheceu, por seus milagres, que Jesus era Deus, mas o fato de ver esse Deus de tal maneira passível fê-lo duvidar daquilo que antes havia reconhecido. Como um anzol que atrai um animal voraz por meio da isca, depois se engancha em sua goela, a divindade ocultou-se no tempo da Paixão, para desferir o golpe mortal.

O monstro se deixou fisgar pelo anzol da Encarnação: iscado pelo corpo, foi perfurado pelo anzol da divindade. Lá estava a humanidade para atrair o animal voraz, lá se encontrava a divindade para fisgá-lo. Lá se via a fraqueza para atraí-lo, lá se escondia a força que ferraria sua garganta. Ele foi assim agarrado pelo anzol, pereceu quando mordeu a isca.

Por ter exigido a morte do Imortal, sobre o qual não tinha direito algum, perdeu os mortais que de direito lhe pertenciam.

O antigo inimigo perdeu o fruto de sua vitória

Se esta Maria da qual falamos está viva, é porque o Senhor, que nada devia à morte, aceitou morrer pelo gênero humano. E a nós, quem nos dá a graça de recuperar a vida cada dia, depois de nossos pecados, senão o Criador impecável, descido do Céu para sofrer o castigo a nós devido?

Sim, o antigo inimigo perdeu os despojos que havia tomado do gênero humano, perdeu o fruto de sua vitória, astutamente obtido. Todo dia pecadores recuperam a vida; todo dia eles são arrancados de suas fauces pelas mãos do Redentor. A justo título, pois, a voz do Senhor interpela o Bem-aventurado Jó: “Furarás sua queixada com uma argola?” (Jó 40, 26). A argola comprime aquilo que ela cinge.

Que significa, pois, essa argola, senão a divina misericórdia que nos envolve? Esta perfura a mandíbula de Leviatã quando continua a nos indicar o remédio da penitência, depois de nos ter visto cometer o que ela proíbe. O Senhor perfura com uma argola a queixada de Leviatã: na inefável potência de sua misericórdia, Ele Se opõe à perversidade do antigo inimigo e o obriga por vezes a libertar até mesmo aqueles que já lhe pertenciam.

Quando os pecadores retornam ao estado de graça, é como se eles caíssem da fauce do monstro. E se essa fauce não fosse transpassada, quem, entre aqueles que ele havia engolido, poderia daí escapar?

Não mantinha ele Pedro ali, quando este renegou seu Mestre? Não aprisionava ali Davi, quando este se afundou no abismo da luxúria? Quando, porém, pela penitência, retornaram ambos à vida, é um pouco como se tivessem saído por um furo da queixada de Leviatã. Pedro e Davi escaparam pelo buraco de sua queixada quando, depois de terem agido tão mal, retornaram ao bem fazendo penitência.

Quem consegue escapar da goela de Leviatã, não cometendo falta alguma? Bem reconhecemos aí tudo quanto devemos a nosso Redentor! Ele não só nos proibiu de nos jogarmos na goela de Leviatã, mas também nos permitiu dela sair. Ele não tirou do pecador a esperança, pois furou a queixada do monstro, para abrir uma rota de evasão. Assim, o imprudente que não quis se precaver para não ser mordido pode ao menos safar-se depois da mordida.

A medicina celeste nos socorre de todos os modos. Ela preceitua ao homem não pecar; se, porém, assim mesmo ele peca, fornece-lhe remédios para ele não se desesperar. Temamos, pois, sobretudo, cair nas fauces de Leviatã, pela atração do pecado; entretanto, se aí nos jogarmos, não nos desesperemos: se nos arrependermos de todos os nossos pecados, encontraremos nessa prisão uma abertura por onde fugir.

Exemplos de esperança e de penitência

Maria Madalena, da qual estamos tratando nesta homilia, pode comparecer aqui como testemunha da misericórdia divina. A respeito dela disse o fariseu, visando impedir o jorro da Bondade: “Se este Homem fosse profeta, bem saberia quem é a mulher que o toca, pois é uma pecadora” (Lc 7, 39). Ela, porém, lavou com suas lágrimas as imundices de seu coração e de seu corpo, e, abandonando as vias do pecado, tocou os pés de seu Redentor. 

Sentada aos pés de Jesus, ela escutava as palavras saídas de seus lá- bios. Vinculara-se a Jesus vivo, agora O procura morto: encontrou vivo Aquele que ela procurava morto. E a graça lhe concedeu um tal lugar junto a Ele, que foi ela quem levou sua mensagem aos Apóstolos, seus mensageiros titulares. Que devemos ver nisso, meus irmãos, senão a imensa misericórdia de nosso Criador, que nos oferece como exemplo de penitência aqueles que Ele fez reviver por meio da contrição, após a queda?

Fixo o olhar em Pedro, considero o ladrão, examino Zaqueu, fito Maria, e não vejo por toda parte senão exemplos de esperança e de penitência expostos a nossos olhos.

Observa Pedro, tu cuja fé talvez tenha desfalecido: ele chorou amargamente pela covardia de suas negações. Observa o ladrão, tu que ardeste de maldade e crueldade contra teu pró- ximo: na hora da morte, ele se arrependeu e obteve a vida eterna. Observa Zaqueu, tu que, devorado pela avareza, despojaste os outros: ele restituiu o quá- druplo àqueles que conseguira roubar. Observa Maria, tu que, abrasado de maus desejos, perdeste a pureza da carne: pelo fogo do amor divino, ela extinguiu em si o amor carnal.

Deus esquece de bom grado nossos pecados

Deste modo, o Deus onipotente põe por toda parte ante nossos olhos modelos a imitar, por toda parte nos apresenta exemplos de sua misericórdia. Enchamo-nos de horror às más ações, inclusive às que cometemos.

O Deus todo-poderoso esquece de bom grado nossos pecados. Ele está disposto a dar à nossa penitência o valor da inocência. Se maculamos nossa alma após o Batismo, renasçamos pelas lágrimas da contrição. E, conforme a palavra do primeiro Pastor, “como crianças recém-nascidas desejai com ardor o leite espiritual” (I Pd 2, 2).

Retornai, filhinhos, à casa de vossa Mãe, a Sabedoria Eterna; sugai os generosos seios da ternura de Deus; chorai vossos pecados passados, evitai aqueles que vos ameaçam. Vossas lágrimas de um dia, nosso Redentor as consolará por uma alegria eterna. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2018, n. 196, p. 6-7)

São Gregório Magno. Excerto da Homilia XXV sobre os Evangelhos

 
Comentários