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Palavra dos Pastores


O carisma de São Bento junto ao túmulo de São Paulo
 
AUTOR: EDUARDO CABALLERO
 
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Brilhante escritor, excelente cantor e fervoroso monge, Dom Johannes Paul Abrahamovicz é Prior da abadia beneditina de São Paulo fora dos Muros, além de Procurador Geral da Congregação Beneditina Austríaca. A ele cabem diversas responsabilidades do intenso trabalho evangelizador levado a cabo pelos filhos de São Bento junto ao túmulo do Apóstolo São Paulo

Entrevista com Dom Johannes Paul Abrahamovicz

ENTREVISTA - RAE 57 - SET2006.JPGEduardo Caballero

Qual a origem da Basílica de São Paulo fora dos Muros?

A razão de ser desta Basílica é o túmulo de São Paulo. No ano 69 da Era Cristã – existem controvérsias a respeito da data – ele foi martirizado no local onde hoje está a Abadia das Três Fontes, acerca de 2 km daqui. Os seus discípulos trouxeram o seu corpo para cá, pois neste lugar se encontrava a necrópole mais próxima Ainda hoje se podem ver, sob o mármore que pavimenta a Basílica, os túmulos desse antigo cemitério

E como se soube, ao certo, qual era o túmulo do Apóstolo?

Em todo cemitério existem túmulos bem cuidados e outros menos; isso corresponde a quanto permanece viva a memória das pessoas ali sepultadas E justamente por esse motivo o túmulo de São Paulo foi sempre muito, muito bem cuidado. Por isso, quando Constantino veio aqui, para venerar os restos mortais do grande Santo, não foi difícil identificar qual era o túmulo Mais ainda, já naquela época havia sido edificado um pequeno recinto

E alguma vez se abriu a sepultura para verificações?

Nunca foi aberta, porque não era necessário fazer qualquer verificação, pois jamais houve dúvida de que realmente se encontrava aqui o túmulo de São Paulo

E esse recinto foi sempre respeitado, mesmo em períodos de perseguições?

Naquela época o Direito Romano considerava que quando havia um túmulo em torno do qual se construía um recinto, criava-se uma cella memoriae, um pequeno espaço em memória do defunto. E essa cella memoriae gozava de imunidade, exatamente como uma embaixada em nossos dias, pois a lei prescrevia que aquele túmulo não podia ser tocado

Os cristãos, contudo, podiam se aproximar.

E não só isso. Eles traziam lamparinas e flores, conforme o costume romano. Com efeito, mesmo nas catacumbas, em

CHAMA.JPG
Uma chama
permanentemente
acesa lembra o culto a
S. Paulo e o voto de
estabilidade dos
beneditinos

torno dos túmulos dos mártires mais ilustres, sempre se encontravam essas lamparinas, alimentadas pelo mais puro dos azeites Por esse motivo ainda hoje ardem as lamparinas em torno do túmulo de São Paulo, uma das quais consome azeite de oliva. E é interessante notar que justamente essa é a responsabilidade única de um dos monges da Abadia beneditina contígua à Basílica: ele se encarrega do fornecimento do melhor dos azeites, de fabricar os pavios e de manter viva a chama.

É uma pequena celebração quotidiana, renovar o azeite, trocar o pavio E com isso o monge recorda a estabilidade do culto em torno de São Paulo, pois há quase dois mil anos essa lâmpada arde diante de seu túmulo Lembra ainda a estabilidade dos peregrinos, os quais nunca deixam de vir, um só dia no ano. E, por fim, simboliza o voto de estabilidade que faz cada monge beneditino

Deve causar certo efeito o fato de peregrinos serem recebidos por monges…

É um fenômeno peculiar. Sobretudo quando a sua visita coincide com o momento da celebração da Liturgia das Horas. Nós, é claro, as cantamos com as melodias gregorianas. São muito antigas, têm sua origem no séc IV, e foram escritas em torno do séc. IX E elas têm em si uma densidade transcendental muito grande, talvez pelo fato de serem antigas. Portanto, aqueles que as escutam sentem-se transportados a um mundo de todo em todo diferente, pois o texto – as palavras do Senhor – se torna música e convida-os a acompanhar os passos de Jesus.

Evidentemente isso se dá quando é bem cantado, pois o gregoriano é dificílimo. São Bento, na Regra, diz que a alma e o coração devem ser uma só coisa. Hoje, o problema é talvez o contrário, ou pelo menos diferente, pois o coração se fez de tal modo um só com a alma que muitas vezes o canto é guiado por ele, coração, e temos então um canto cansado, ou romântico, ou até mesmo agitado.

Uma palavra sobre a Regra de São Bento

A Regra de São Bento é uma compilação de normas de conduta muito ampla, larga e generosa, de modo que ao longo dos séculos os mosteiros puderam adaptar-se às exigências particulares dos lugares e dos tempos.

Na Áustria, por exemplo, os beneditinos se instalaram há mil anos, e desde o início tiveram a seu cargo várias paróquias, uma coisa que na Itália seria impensável. A abadia da qual provenho, Göttweig, foi fundada há 920 anos, com as cinco paróquias dela dependentes. Hoje, são trinta as paróquias a ela confiadas.

ENTREVISTA - RAE 57 - SET2006_2.JPG
A Regra de São Bento é muito ampla,
larga e generosa, de modo que ao longo
dos séculos os mosteiros puderam
adaptar-se às exigências particulares dos
lugares e  dos tempos

De outra parte, nos Estados Unidos, praticamente todas as abadias têm anexas uma grande escola ou uma universidade. Ali existem também os seminários interdiocesanos, cuidados pelos beneditinos; desse modo, os bispos podem enviar seus futuros sacerdotes para serem formados por nós Isso seria impossível na Europa.

Na Alemanha existe a Abadia de Sankt Ottilien, que nasceu para as missões. Na própria abadia há poucos monges, mas eles são um número muito elevado em suas missões na África, América Latina, Coréia, China..

E uma mesma regra possibilita essa diversidade..

Essa é a sabedoria de São Bento, que se concentrou nas coisas essenciais. Ele mesmo teve a experiência de fazer a passagem de uma vida restrita a uma vida de missão Ele vivia como monge num lugar de penitência, como era Subiaco, e passou para uma vida de evangelização, em Montecassino Da sombra para o alto do monte de uma gruta para um mosteiro, de uma vida de aventura para uma vida regrada.

E por isso São Bento é muito equilibrado em sua regra. Por exemplo, ele indica com todos os detalhes como se devem recitar os salmos, numa abadia. Mas deixa ao abade a liberdade de fazer adaptação, desde que não se recitem poucos salmos ao longo da semana.

E a Regra, sem nenhuma, absolutamente nenhuma mudança, guiou os monges beneditinos por 1500 anos Eu creio isso se deu porque a própria Regra não permite aquela espécie de moralismo que se prende à letra, mas remete para o espírito de São Bento

A Regra é feita para pessoas comuns ou…

A Regra de São Bento não é feita para pessoas extraordinárias. Ela é concebida exatamente para aqueles que dizem:

BASILICA SAO PAULO FORA DOS MUROS.JPG
A Basílica de São Paulo fora dos Muros,
encontra-se distante do centro da Urbe, nas
proximidades da estrada de Óstia, por essa
razão é chamada também de Basílica Ostiense
Foto: Ricardo Castelo Branco

“Quero, mas sozinho não consigo; preciso de uma regra, de um superior, preciso do sino… preciso de uma comunidade, para rezar, para viver nela e com ela”.

De modo que quem reconhece essas debilidades, ou por outra, essa normalidade humana, esse é bemvindo na Ordem Beneditina. Por isso, não fazemos questão de buscar vocações, de procurar pessoas e convidálas a serem monges

O senhor quereria ressaltar algum outro aspecto da presença dos beneditinos nesta Basílica?

São Paulo era o apóstolo dos gentios, foi ele quem procurou aqueles que não eram judeus para que se convertessem e acreditassem na Palavra de Cristo. Por essa razão, faz já certo tempo, pareceu-nos conveniente tomar na Basílica algumas iniciativas de caráter ecumênico.

Naturalmente, foi-nos sugerido proceder com atenção e cuidado, mas, como o Espírito Santo não erra, as coisas se desenvolveram de um modo bastante satisfatório. A tal ponto que Bento XVI – no Motu Proprio “A Antiga e Venerável Basílica”, de 31 de maio de 2005, no qual ele estabelece as novas normas referentes à Basílica de São Paulo fora dos Muros – determina que os beneditinos devem promover, desenvolver e organizar esses programas ecumênicos.

E o que se vê com essa experiência é uma coisa impressionante. Aqui vêm ortodoxos, anglicanos, protestantes, caldeus, calvinistas; todos esses querem venerar o túmulo do Apóstolo. Então nós os acolhemos, os acompanhamos e transmitimos a imagem real da Igreja Católica Apostólica Romana. E eles ficam muito sensibilizados.

Mas alguém poderia perguntar como fazemos para atraí-los, ou por que temos interesse em atraí-los Não sabemos dizer, e na verdade eles próprios não sabem explicar com clareza o motivo pelo qual vêm aqui Quem os chama não é o Papa, nem somos nós, é o Apóstolo dos Gentios, é o próprio São Paulo que, do alto do Céu, continua sua missão.

(Revista Arautos do Evangelho, Set/2006, n. 57, p. 35 à 37)

 
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