...O Filho do Homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morte. E o entregarão aos pagãos para ser exposto às suas zombarias, açoitado e crucificado;... (Mt 20, 18-19)

LEVARAM JESUS DIANTE DE PILATOS

Ligaram-no e o levaram ao governador Pilatos. (Mt 27, 2) Da casa de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de manhã cedo. Mas os judeus não entraram no pretório, para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa. (Jo 18, 28)

JESUS, O REI DOS JUDEUS

Eis o oráculo do Senhor que se dirige a meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu faça de teus inimigos o escabelo de teus pés. (Sal 109,1) ... És o rei dos judeus? Sim, respondeu-lhe Jesus. (Mt 27, 11) Pilatos entrou no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: És tu o rei dos judeus? Jesus respondeu: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? Disse Pilatos: Acaso sou eu judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo. Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade?... (Jo 18, 33-38)

ACUSAÇÕES FALSAS DA PARTE DOS JUDEUS

ELE, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ELE, maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se Àquele que julga com justiça... (1 Ped 2, 23) ... Nada respondes? Vê de quantos delitos te acusam! Mas Jesus nada mais respondeu,... (Mc 15, 4-5) Saiu, por isso, Pilatos para ter com eles, e perguntou: Que acusação trazeis contra este homem? Responderam-lhe: Se este não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti. Disse, então, Pilatos: Tomai-o e julgai-o vós mesmos segundo a vossa lei. Responderam-lhe os judeus: Não nos é permitido matar ninguém. Assim se cumpria a palavra com a qual Jesus indicou de que gênero de morte havia de morrer (Mt 20,19). (Jo, 18,19-32)

PILATOS DECLARA JESUS INOCENTE

... Cristo, o Cordeiro imaculado e sem defeito algum, aquele que foi predestinado antes da criação do mundo (1 Ped 1, 18-19) Não acho nELE crime algum (Jo 18, 38) Declarou Pilatos aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: Eu não acho neste homem culpa alguma. (Lc 23, 4)

ELES CONTINUAM ACUSANDO JESUS

Vede meus inimigos, são muitos, e com ódio implacável me perseguem. (Sal 24, 19) ELE revoluciona o povo (Lc 23, 5) Mas eles insistiam fortemente: Ele revoluciona o povo ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui. A estas palavras, Pilatos perguntou se ele era galileu. (Lc 23, 5-6)

Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.


Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich: Jesus é conduzido a Pilatos

Conduziram Jesus, entre muitas crueldades, da casa de Caifás à de Pilatos, através do trecho mais populoso da cidade, que nessa ocasião formigava de peregrinos de toda a parte do país, além de uma multidão de estrangeiros. O cortejo dirigiu-se para o norte, descendo do Monte Sião, atravessando uma rua estreita, no fundo do Templo, até o palácio e o tribunal de Pilatos, que estava situado na esquina noroeste do Templo, defronte do grande Fórum ou mercado.

Caifás e Anás e grande número de membros do Supremo Conselho iam em vestes e festivais, à frente do cortejo; atrás dele, alguns servos traziam rolos de escritura. Seguiam-se-lhes muitos outros escribas e judeus, entre eles as falsas testemunhas e os assanhados fariseus, que foram os que mais se empenharam em acusar ao Senhor. A uma pequena distância, seguia nosso bom Senhor Jesus, conduzido pelos soldados com as cordas, cercado de soldados e dos seis agentes que estavam presentes no ato da prisão. De todos os lados afluiu o populacho, unindo-se com gritos e zombarias ao cortejo; ao longo de todo o caminho esperavam numerosos grupos de gente de povo.

Jesus estava vestido apenas de sua túnica, toda suja de escarro e imundície. Do pescoço pendia-Lhe até os joelhos a longa corrente, de largos anéis, que, ao andar, Lhe batia dolorosamente de encontro aos joelhos. Tinha as mãos amarradas como na véspera e quatro soldados conduziam-no pelas cordas, que lhe saiam do cinturão. Estava todo desfigurado pelas crueldades, com que o haviam torturado durante a noite; andava cambaleando, cabelo e barba em desalinho, o rosto pálido, inchado e cheio de manchas escuras, causadas pelos socos. Impeliam-no com pancadas e injúrias.

Tinham instigado a muitos do populacho para escarnecê-lo, imitando-lhe a entrada triunfal no Domingo de Ramos. Aclamavam-no com todos os títulos de rei, em tom de mofa (gozação), jogavam-lhe diante dos pés pedras, pedaços de madeira, paus, trapos sujos e zombavam, em versos e motejos, de sua entrada festiva. Os soldados conduziam-no aos arrancos, sobre os obstáculos jogados no caminho; era uma crueldade sem fim.

Não muito longe da casa de Caifás estava a dolorosa e santa Mãe de Jesus, com Madalena e João, encostados ao canto de um edifício, esperando a aproximação do cortejo. A alma de Maria estava sempre com Jesus, mas quando podia ficar também corporalmente perto dELe, não lhe dava descanso o amor, impelindo-a a seguir-Lhe o caminho e as pegadas. Depois da visita noturna ao tribunal de Caifás, ficara só pouco tempo no Cenáculo, entregue à muda dor; pois, quando Jesus foi tirado do cárcere, de madrugada, para ser apresentado ao tribunal, a Virgem SS. se levantou, cobriu-se com o manto e véu e saindo, disse a João e Madalena: “Sigamos meu Filho à casa de Pilatos, quero vê-lo com meus olhos”. Dando uma volta, chegaram assim em frente do cortejo; a SS. Virgem parara neste lugar e os outros com ela.

A santa Mãe de Jesus sabia bem o que era feito do divino Filho, que Lhe estava sempre ante os olhos da alma; mas com o olhar interior não O podia ver tão desfigurado e maltratado como na realidade estava, pela maldade e crueldade dos homens. De fato via-Lhe sempre os horríveis sofrimentos, mais inteiramente penetrados pela luz da santidade, do amor e da paciência, da vontade que se oferecia vítima pelos homens. Mas nesse momento se lhe apresentou à vista a realidade terrível e ignominiosa. Passaram diante dela os orgulhosos e assanhados inimigos de Jesus, os sumos sacerdotes do verdadeiro Deus, nas vestes santas de gala; passaram com a intenção deicida, representantes da malícia, mentira e maldição.

Os sacerdotes de Deus haviam-se tornado sacerdotes de Satanás. Que aspecto horrível! Depois o tumulto e a alegria dos judeus, todos os perjuros inimigos e acusadores e afinal Jesus, Filho de Deus e do Homem, seu filho, horrivelmente desfigurado e maltratado, amarrado, batido, empurrado, cambaleando mais do que andando, arrastado pelas cordas por cruéis carrascos, no meio de uma nuvem de injúrias e maldições. Aí, se ele não fosse o mais pobrezinho, o mais desamparado, o único que se conservava calmo, a rezar no íntimo do coração, cheio de amor, no meio dessa tempestade do inferno desencadeado, a angustiada Mãe não O teria reconhecido, naquele estado, horrivelmente desfigurado.

Quando se aproximou, vestido da túnica tão suja, a Virgem Santíssima exclamou, soluçando: “Ai de mim! É esse meu filho? Ai! É mesmo meu filho, oh! Jesus, meu Jesus!” O cortejo passou-lhe em frente; o Senhor volveu a cabeça para aquele lado, lançando um olhar comovente à sua Mãe e ela perdeu os sentidos. João e Madalena levaram-na dali, mas logo que voltou a si, fez-se conduzir por João ao palácio de Pilatos.

Jesus tinha de suportar, também nesse caminho, que os amigos nos abandonam na desgraça; pois os habitantes de Ofel estavam todos reunidos num certo lugar do caminho e quando viram Jesus tão humilhado e desfigurado, entre os soldados, levado com injúrias e maus tratos, ficaram também abalados na fé; não podiam imaginar o rei, o profeta, o Messias, o Filho de Deus em tão miserável estado. Os fariseus, ao passar, ainda zombaram deles, por causa da afeição que dedicavam a Jesus: “Eis o vosso rei, saudai-O; agora deixais pender a cabeça, agora que Ele vai para a coroação e dentro em pouco subirá ao trono! Acabaram-se-Lhe os milagres, o sumo sacerdote deu-Lhe cabo do feitiço, etc”.

Aquela boa gente, que vira tantas curas milagrosas e recebera tantas graças de Jesus, ficou abalada na fé, pelo horrível espetáculo que lhe apresentavam as pessoas mais santas do país, o sumo sacerdote e o Sinédrio. Os melhores elementos retiraram-se duvidosos, os piores juntaram-se ao cortejo como podiam; pois a passagem em várias ruas estava impedida por guardas dos fariseus, para evitar qualquer tumulto.

2. O palácio de Pilatos e os arredores

Ao pé do ângulo noroeste do monte do Templo está situado o palácio do governador romano, Pilatos, em lugar bastante alto; sobe-se uma escada de mármore de muitos degraus, de onde a vista domina uma vasta praça de mercado, cercada de colunas, sob as quais há acomodações para vendedores. Um posto de guarda de quatro entradas, ao oeste, norte, leste e sul, (onde está o palácio de Pilatos,) interrompem essas arcadas do mercado, o qual também é chamado “fórum” e se estende para oeste, além do ângulo noroeste do monte do Templo; desse ponto do fórum pode-se avistar o Monte Sião.

O fórum é um pouco mais elevado de que as ruas circunvizinhas, que sobem um pouco, até chegar às portas de entrada do edifício; em várias partes se encostam as casas das ruas vizinhas ao extremo da coluna que cerca o fórum. O palácio de Pilatos não está contíguo ao fórum, mas é separado desse por um espaçoso pátio. Esse pátio tem como porta, a leste, uma alta arcada, que abre diretamente para a rua que conduz à porta das Ovelhas, pela qual passa quem vai ao monte das Oliveiras; a oeste, tem como porta outra arcada, que abre para oriental da cidade e conduz a Sião, através do bairro de Acra.

Da escada do palácio de Pilatos se avista, no norte, através do pátio, o fórum, em cuja entrada há um pórtico e alguns assentos de pedra, virados para o palácio. Os sacerdotes judeus, dirigindo-se ao tribunal de Pilatos, não iam além desses assentos, para não se contaminarem; o limite que não deviam ultrapassar, estava marcado por uma linha traçada sobre o pavimento do pátio. Perto da arcada da porta oriental do palácio, já dentro do recinto do fórum, havia um grande posto de guarda, que, confinando ao norte com o fórum e ao sul com a arcada da porta do pretório de Pilatos, formava uma espécie de vestíbulo ou adro entre o foro e o pretório.

Chamava-se pretório a parte do palácio de Pilatos onde ele pronunciava os julgamentos. O posto de guarda era rodeado de colunatas e tinha no centro um pátio sem teto, sob este se achavam os cárceres, nos quais também os dois ladrões estavam presos. Em toda parte se viam lá soldados romanos. Não longe do posto da guarda, perto das arcadas que o cercavam, estava no fórum a coluna de flagelação; havia ainda outras colunas no recinto do mercado: as que estavam mais perto, serviam para infligir castigos corporais, as que estavam mais longe, para amarrar o gado à venda.

Em frente ao posto de guarda, mesmo no fórum, se subia por uma escadaria a um estrado, construído de pedras e bem ladrilhado, em que havia assentos de pedra; parecia-se com um tribunal público; desse lugar, que era chamado Gabata, pronunciava Pilatos as sentenças. A escada de mármore do palácio de Pilatos conduzia a um terraço aberto, do qual ele falava aos acusadores, sentados nos bancos de pedra defronte, próximo à entrada do fórum. Falando alto, podia-se fazer entender com facilidade.

Atrás do palácio há ainda outro terraço mais elevado, com jardins e um caramanchão. Esses jardins formam a comunicação entre o palácio de Pilatos e a casa da esposa, Cláudia Prócula. Por trás desses edifícios há ainda um fosso, que os separa do monte do Templo; além deste há ainda casas de empregados do Templo.

Contígua à parte oriental do palácio de Pilatos, está a casa do conselho do tribunal do velho Herodes, em cujo pátio interno foram mortas muitas crianças inocentes. Fizeram depois algumas mudanças; a entrada é agora pelo lado oriental; há também uma entrada para Pilatos, no vestíbulo do palácio.

Desse lado da cidade partem quatro ruas em direção ao oeste: três conduzem ao palácio de Pilatos e ao Fórum; a quarta, porém, passa ao lado norte do fórum, em direção à porta que conduz a Betsur. Nesta rua, perto da porta, se acha o belo edifício que Lázaro possui em Jerusalém e no qual também Marta tem uma habitação própria.

Das quatro ruas, a que fica mais perto do Templo, vem da porta das Ovelhas, perto qual, quando se entra, à direita, se acha a piscina das ovelhas; essa fica tão perto do muro da cidade, que nesse se encostam arcadas, que formam uma abóbada sobre as águas. Ela tem um escoadouro, fora do muro, para o vale do Josafá, o que faz com que o solo, por fora da porta, fique encharcado.

Em redor dessa piscina há ainda outros edifícios; é nessa piscina que se lavam os cordeiros pela primeira vez, antes de serem levados ao sacrifício no Templo; mais tarde são lavados outra vez e solenemente, na piscina de Betsaida, ao sul do Templo. Na segunda rua há uma casa com pátio, que pertencia a Sant’ Ana, Mãe de Maria, onde ela e a família moravam e guardavam os animais para os sacrifícios, quando vinham a Jerusalém. Se me lembro bem, foi também nessa casa que foram celebradas as núpcias de José e Maria.

O Fórum, como já dissemos, fica mais alto do que as ruas circunvizinhas e a água corre pelos regos das ruas, para a piscina das Ovelhas. Na encosta do monte Sião há também um fórum semelhante, diante do antigo castelo de Davi; ali perto, ao sudeste, se acha o Cenáculo e ao norte, o tribunal de Anás e Caifás. O Castelo de Davi é agora um forte abandonado e deserto, com pátios, estábulos e salas vazias, que se alugam como albergaria e caravanas e aos estrangeiros e seus animais de carga. Esse edifício já há muito que está abandonado; já o vi nesse estado na época do nascimento de Cristo; nessa ocasião o séqüito dos Reis Magos, com numerosos animais de carga, foi conduzido para lá, logo ao entrar na cidade.

3. Jesus perante Pilatos

Eram talvez seis horas da manhã, segundo o nosso modo de contar, quando a comitiva dos sumos sacerdotes e dos fariseus, com o nosso Salvador, horrivelmente maltratado, chegou ao palácio de Pilatos.

Entre o mercado e a entrada do tribunal havia assentos em ambos os lados do caminho, onde se divertiam Anás e Caifás, e os conselheiros que os acompanhavam. Jesus foi conduzido alguns passos adiante, até a escada de Pilatos, pelos soldados, que o seguravam pelas cordas. Quando lá chegaram, estava Pilatos deitado sobre uma espécie de leito, na sacada do terraço; tinha ao lado uma mezinha de três pés, em que se viam algumas insígnias de sua dignidade e outros objetos, dos quais não me lembro mais. Cercavam-no oficiais e soldados, que também tinham colocado lá insígnias do poder romano. Os sumos sacerdotes e judeus ficaram afastados do tribunal, porque, aproximando-se mais, se teriam contaminado; segundo a lei havia um certo limite, que não transgrediam.

Quando Pilatos os viu chegar tão apressados, com tanto tumulto e gritaria, conduzindo Jesus maltratado, levantou-se e falou em tom tão cheio de desprezo, como talvez algum orgulhoso marechal francês falaria aos deputados de uma cidadezinha: “O que vindes fazer tão cedo? Como pusestes este homem em tão mísero estado? Começais cedo a esfolar e matar”. Eles porém, gritaram ao soldados: “Adiante! Levai-O ao tribunal”. Depois se dirigiram a Pilatos: “Escutai as nossas acusações contra este criminoso; não podemos entrar no tribunal, para não nos tornarmos impuros”.

Depois de exclamarem essas palavras, gritou um homem da estatura alta e forte e figura venerável, no meio do povo apinhado atrás deles no fórum: “É verdade, não podeis entrar neste tribunal, pois está santificado por sangue inocente; só Ele pode entrar, só Ele entre os judeus é puro como os inocentes.”

Assim dizendo, profundamente comovido, desapareceu na multidão. Chamava-se Sadoc; era homem abastado, primo de Obed, que era o marido de Seráfia, também chamada Verônica; dois dos seus filhinhos tinham sido assassinados, com as crianças inocentes, no pátio do tribunal, por ordem de Herodes. Desde então se tinha retirado do mundo e vivia como um Esseno, em continência com a mulher.

Tinha visto Jesus uma vez, em casa de Lázaro e ouvira-o explicar a doutrina; quando viu Jesus tão cruelmente arrastado para a escada de Pilatos, reviveu-lhe no coração a dolorosa lembrança dos filhinhos assassinados naquele lugar e assim deu em alta voz o testemunho da inocência do Senhor. Os acusadores de Jesus estavam com muita pressa e irritados demais pelo modo desdenhoso de Pilatos e a posição humilhante em que se achavam diante dele, para dar atenção à exclamação de Sadoc.

Os soldados puxaram Jesus pelas cordas, escada acima, até o fundo do terraço, de onde Pilatos estava falando aos acusadores. O procurador romano já ouvira falar muito de Jesus. Quando O viu tão horrivelmente maltratado e desfigurado e contudo conservando uma dignidade inabalável, sentiu cada vez mais nojo e desprezo dos sacerdotes e conselheiros judaicos, que lhe tinham já antes prevenido que trariam Jesus de Nazaré, réu de morte, perante o tribunal, fazendo-lhes sentir que não estava disposto a condená-Lo sem culpa provada.

Disse-lhes, pois, em tom brusco e desdenhoso: “De que crime acusais esse homem?” A que responderam irritados: “Se não O conhecêssemos como malfeitor, não vo-Lo teríamos entregado”. Disse-lhes Pilatos: “Pois tomai e julgai-O segundo a vossa lei”. – “Sabeis, responderam os judeus, que não nos compete o direito absoluto de executar uma sentença de morte”.

Os inimigos de Jesus estavam cheios de escárnio e raiva; fizeram tudo com precipitação e violência, para acabar com Jesus antes de começar o tempo legal da festa, afim de poderem sacrificar o cordeiro pascal. Mas não sabiam que Ele era o verdadeiro Cordeiro pascal, que eles mesmos conduziam ao tribunal do juiz pagão, servidor de falsos deuses, em cujo limiar não queriam contaminar-se, para poder nesse dia comer o cordeiro pascal.

Como o governador os intimasse a proferir as acusações, apresentaram três acusações principais contra Jesus e por cada acusação depuseram 10 testemunhas. Formularam as acusações de modo que apresentavam Jesus como réu de crime de lesa-majestade e assim Pilatos devia condená-lo; pois em causas que diziam respeito às leis da religião e do Templo, poderiam eles mesmos decidir.

Primeiro acusaram Jesus de ser sedutor do povo, perturbador do sossego público e agitador; e apresentaram algumas provas, confirmadas por testemunhas. Disseram mais que andava de um lugar para outro, causando grandes ajuntamentos do povo; que violava o Sábado, curando nesse dia. Nisso Pilatos interrompeu-os, num tom sarcástico: “Naturalmente não estais doentes, senão estas curas não vos causariam tanta indignação”. Eles, porém, continuaram a acusar Jesus, dizendo que seduzia o povo com horríveis doutrinas, pois afirmava que teriam a vida eterna os que Lhe comessem a carne e bebessem o sangue.

– Pilatos zangou-se, ao ver a fúria precipitada com que proferiam essa acusação; olhou sorrindo para os seus oficiais e dirigiu aos judeus palavras sarcásticas, como, por exemplo: “Parece mesmo que quereis seguir-Lhe a doutrina e possuir a vida eterna; tenho a impressão de que quereis comer-Lhe a carne e beber-Lhe o sangue”.

A segunda acusação era que Jesus instigava o povo a não pagar imposto ao imperador. Pilatos interrompeu-os indignado, como homem cujo cargo era velar por essas coisas e disse, em tom convicto de suas próprias informações: “Isto é mentira grossa; devo sabê-lo melhor do que vós”.

– Os judeus, porém, gritaram, apresentando a terceira acusação: Que era mesmo verdade, esse homem, de nascimento baixo, duvidoso e suspeito, tinha formado um partido forte e proferido ameaças contra Jerusalém. Também propagava entre o povo parábolas equivocas, sobre um rei que preparava as núpcias do filho. Certa vez já uma grande multidão de povo, reunido em uma montanha, tinha tentado proclamá-Lo Rei; mas Ele, achando que era ainda cedo, tinha-se escondido. Nos últimos dias tinha ousado mais: preparou uma entrada tumultuosa em Jerusalém e fez o povo gritar: “Hosana ao filho de Davi! Bendito seja o reino que vemos chegar, do nosso pai Davi. Também se fazia prestar honras régias, pois que ensinava que era Cristo, o Unigênito do Senhor, o Messias, o rei prometido dos judeus e assim se fazia chamar”. Também essa acusação foi confirmada pelos depoimentos de dez testemunhas.

Quando Pilatos ouviu que Jesus se fazia chamar o Cristo, rei dos judeus, tornou-se pensativo. Saindo da sacada, entrou na sala contígua ao tribunal, lançando, ao passar um olhar atento a Jesus e deu ordem à guarda de trazê-Lo à sala do tribunal.

Pilatos era pagão supersticioso de espírito confuso e inconstante. Conhecia as lendas obscuras de filhos de deuses, que teriam vivido na terra; também não ignorava que os profetas dos judeus, desde muito tempo, haviam predito a vinda de um ungido de Deus, de um Redentor e um libertador e que muitos judeus o estavam esperando. Também sabia que uns reis do Oriente tinham vindo ao velho Herodes, para pedir informações sobre um rei recém-nascido dos judeus, a quem queriam prestar homenagens e que depois disso, muitas crianças foram degoladas, por ordem de Herodes.

Já ouviram falar da promissão da vinda de um Messias, rei dos judeus, mas como pagão que era, não o acreditava, nem podia pensar, como os judeus instruídos e os herodianos daquele tempo, num rei poderoso e conquistador. Tanto mais ridícula lhe parecia por isso a acusação de que esse Jesus que estava diante dele, tão humilhado e desfigurado, pudesse declarar se aquele Messias, aquele rei. Como, porém, os inimigos de Jesus apresentassem isso como crime contra os direitos do imperador, mandou conduzir o Salvador à sua presença, para interrogá-Lo.

Pilatos olhou para Jesus com assombro e disse-Lhe: “És então o rei dos judeus?” – Jesus respondeu: “Dizeis isto de ti mesmo ou foram outros que t’o disseram de mim?” Pilatos, indignado de ver Jesus julgá-lo tão tolo, que fosse espontaneamente perguntar a um homem tão pobre e miserável se era rei, disse em tom desdenhoso: “Por acaso sou judeu, para me interessar por tais misérias? Teu povo e seus sacerdotes entregaram-Te a mim, para condenar-Te como réu de crime capital; dize-me, pois o que fizeste”?

Respondeu-lhe Jesus, em tom solene: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, eu teria servidores, que combateriam por mim, para não me deixar cair nas mãos dos judeus; mas o meu reino não é deste mundo”. Pilatos estremeceu, ao ouvir essas graves palavras de Jesus e disse pensativo. “Então és mesmo rei?” – Jesus respondeu. “É como dizes, sou rei. Nasci e vim a este mundo para dar testemunho da verdade e todo que é da verdade, atende à minha voz”. – Então Pilatos fitou-O e levantando-se, disse: “Verdade? O que é a verdade?” – Faltaram-se ainda outras palavras, das quais não me lembro bem.

Pilatos saiu outra vez para o terraço; não podia compreender Jesus; mas sabia que não era um rei que quisesse prejudicar ao imperador, nem era pretendente a um reino deste mundo; o imperador, porém, não se importava com um reino do outro mundo. Pilatos gritou, pois, da sacada aos sumos sacerdotes: “Não acho nenhum crime neste homem”.

– os inimigos de Jesus irritaram-se de novo e proferiram uma torrente de acusações contra Ele. O Senhor, porém, permanecia calado e rezava por esses pobres homens e quando Pilatos se Lhe dirigiu, perguntando-Lhe: “Não tens nada a responder a todas essas acusações?” Jesus não, proferiu uma só palavra, de modo que Pilatos, surpreso, Lhe disse: “Vejo bem que empregaram mentiras contra ti” – (em vez de mentiras usou outra expressão, que, porém, esqueci). Os acusadores continuavam, cheios de raiva, a acusá-Lo, dizendo: “O que? Não achais crime nEle? Não é então crime sublevar todo o povo, espalhar sua doutrina em todo o país, da Galiléia até aqui?”

Quando Pilatos ouvia a palavra Galiléia, refletiu um momento e perguntou: “Esse homem é da Galiléia, súdito de Herodes?” os acusadores responderam: “Sim, seus pais moravam em Nazaré e Ele tem domicilio atual em Cafarnaum”. Então disse Pilatos: “Pois que é galileu e súdito de Herodes, conduzi-O a este; ele está aqui na festa e pode julgá-Lo”. Mandou conduzir Jesus outra vez do tribunal para as mãos dos implacáveis inimigos, enviando também com eles um dos oficiais, para entregar ao tribunal de Herodes o súdito galileu Jesus de Nazaré. Ficou assim satisfeito de poder livrar-se desse modo da obrigação de julgar Jesus pois essa causa lhe era desagradável. Ao mesmo tempo tinha nisso um fim político, queria dar uma prova de atenção a Herodes, que sempre desejara muito ver Jesus; pois estavam em desavença.

Os inimigos de Jesus, furiosos por lhes haver Pilatos negado a demanda e terem de ir ao tribunal de Herodes, fizeram recair toda a raiva sobre Jesus. Cercaram-nO de novo de soldados e, irritadíssimos, amarraram-Lhe as mãos e com empurrões e pancadas, conduziram-nO a toda pressa, através da multidão que se apinhava no fórum e depois por uma rua, até o palácio de Herodes, que não ficava muito longe. Acompanharam-nos soldados romanos.

Cláudia Prócula, esposa de Pilatos, mandara-lhe dizer por um cirado, durante as ultimas discussões, que desejava falar-lhe urgentemente. Quando Jesus foi conduzido a Herodes, estava escondida numa galeria alta, olhando com grande angústia e tristeza para o cortejo que passava pelo fórum.