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História da Igreja


Primeiras imagens de Nossa Senhora de Fátima, entalhadas no mundo
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 12/05/2019
 
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O Imaculado Coração de Maria

Quando, em 1942, se tornou conhecida a revelação do Imaculado Coração de Maria e a devoção dos primeiros sábados pedidas por Nossa Senhora a Lúcia em Pontevedra (13/06/1925 e 15/02/1926) e em Tuy (13/06/1929), as Religiosas do Sagrado Coração de Maria (R.S.C. de Maria) quiseram editar uma estampa correspondente à aparição. Recorrendo às Irmãs Doroteias, e conseguindo de Lúcia informações importantes, fizeram uma montagem fotográfica a partir das aparições e um esboço definitivo, por ela corrigido e que foi aprovado em dezembro de 1943 pelo Cardeal Patriarca e pelo Bispo de Leiria. Deste trabalho resultaria também a Imagem Peregrina, benzida em 13 de maio de 1947.

Tendo Madre Chantal, Superiora das R.S.C.M., chamado a Lisboa, em abril de 1944, o escultor José Ferreira Thedim, com o objetivo de colocar em cada um dos seus colégios uma estátua do Coração de Maria[1], tudo parecia indicar que seria finalmente cumprido o desejo das Irmãs, felizes por verem ligados à mensagem de Fátima o nome e a ação do seu Instituto[2].

Não podendo José Thedim aceitar a encomenda da escultura pretendida, obrigaram-se as Irmãs do S.C.R. de Maria a procurar outro artista, que lhes forneceu uma imagem diferente, que passou a presidir ao seu Colégio de Lisboa. 

Fig. 1 – Desenho do Coração Imaculado de Maria, com correções (do manto, das mãos, do coração), feitas a lápis, da Irmã Lúcia (1943), respeitadas por José Ferreira Thedim na 1.ª versão (ao lado) Fig. 2 – A 1.ª imagem do Coração Imaculado de Maria esculturada entre 1945/46 por José Thedim, que seguiu rigorosamente as indicações da Irmã Lúcia, e que se encontra na Igreja Matriz de Ovar

“Perdida” e encontrada

Antunes Borges, antigo Reitor do Santuário de Fátima, num estudo sobre este tema, afirma: “Longa foi a expectativa, não chegando sequer a aparecer aquela primeira imagem que devia servir de modelo para todas as outras”.

Mas essa imagem, afinal, não desapareceu. Foi integralmente executada, exibindo todos os pormenores sugeridos pela Irmã Lúcia e aprovados em dezembro de 1943. Nós a identificamos em 2004, na Igreja Matriz de Ovar, com a data “1946” e o nome “Casa França”, do Porto, onde foi adquirida, em 1946, por uma família ilustre e devota de Ovar, como contributo para as comemorações do Tricentenário da Padroeira nesta vila.

 Por despacho de 8/6/1946, o Bispo do Porto, D. Agostinho de Jesus e Sousa, permitiu que “a imagem do Coração de Maria da Igreja Paroquial de Ovar fosse substituída por uma outra maior e melhor, que concentre as duas devoções na mesma imagem: Senhora de Fátima e Imaculado Coração de Maria – segundo revelação de Fátima”.

A primeira em Portugal

O Padre Ribeiro de Araújo esclarece que essa imagem, “executada segundo indicações da vidente de Fátima, Lúcia”, foi conduzida em procissão da Capela de Santo António para a Igreja e altar do Coração de Maria, e que “ao passar diante dos Paços do Concelho procedeu-se à coroação da imagem, no meio de vibrantes cantos religiosos entoados por uma multidão de fiéis”[3].

O “João Semana” de 25/07/1946 esclarece, referindo-se à imagem, ser ela “a primeira que em Portugal de esculturou segundo as indicações da vidente de Fátima”.

Em 1949 José Ferreira Thedim apresentou uma 2.ª versão da imagem do Imaculado Coração de Maria

Tudo permaneceu obscuro, a ponto de nem o Reitor do Santuário, Antunes Borges, vinte anos depois lhe descobrir o rasto.

Qual o verdadeiro autor?

Por nós, chegamos a aventar a hipótese de que Thedim a tenha iniciado e, depois, porque ocupado com outras tarefas, a tenha cedido à Casa França. Mera hipótese. Até porque Albano França, um artista consagrado que a assinou (embora com o nome da firma), e tendo produzido outra imagem semelhante, pouco posterior (Igreja da Sr.ª da Conceição, Porto), poderá tê-la criado, servindo-se dos esboços de que Thedim também se serviu para outros trabalhos.

Entendemos agora, após alguma pesquisa e ponderação sobre datas e compromissos de José Thedim, que após a sua ida a Lisboa, o mestre se terá descomprometido com as R.S.C. de Maria em razão dos seus contatos profissionais com os responsáveis de Fátima, já envolvidos nos preparativos para a celebração, em 1946, do Tricentenário da Padroeira de Portugal e na criação de novas imagens da Senhora de Fátima, mais lineares nas suas vestes, de acordo com a vontade da Irmã Lúcia e como já é patente no esboço aprovado pelo Cardeal Patriarca e pelo Bispo de Leiria, imagens essas que pudessem substituir a da Capelinha em previsíveis saídas devocionais, tal como acontecera na memorável visita à capital portuguesa de 9 a 12 de abril de 1942.

Uma imagem para Lúcia

Liberto dos trabalhos que o ocuparam e querendo prendar a Irmã Lúcia na sua entrada para o Carmelo, pois sabia da vontade da vidente de ser criada uma imagem que “representasse a posição tomada por Nossa Senhora quando revelou aos Pastorinhos o seu Coração Imaculado” –, até teria preferido que fosse essa a imagem a peregrinar pela Europa em 1947[4] –, José Ferreira Thedim esculpiu, em 1948, uma imagem do Imaculado Coração de Maria, e, por esta não ter agradado totalmente à Irmã, entregou-lhe uma segunda, esta do seu total agrado, em 25/03/1949 (três anos depois da de Ovar)[5].

A propósito desta imagem, escreveu Lúcia a uma amiga (D. Maria Teresa Pereira da Cunha), em 11 de agosto de 1949:

Imagem do Imaculado Coração de Maria da Igreja Matriz de Ovar

“A imagem do Coração Imaculado de Maria não consegui que se fizesse senão após a minha vinda para o Carmelo. Todas as dificuldades desapareceram como por encanto e apenas após o tempo para o Escultor a fazer”[6].

O resto da História

Vinda de Espanha, Lúcia regressou ao Porto em 16 de maio de 1946, desconhecendo que ali mesmo, na Casa França, da Rua da Fábrica, se ultimava a belíssima imagem que ela imaginou vir a ser o modelo de todas as outras, e que, dois meses depois, partiria para Ovar, onde foi acolhida com entusiasmo, enquanto, por desconhecimento dos factos, Lúcia e a grande maioria dos devotos de Fátima, a julgaram “desaparecida”.

Marco Daniel Duarte, na sua dissertação de doutoramento “Fátima e a criação artística (1917-2007): o Santuário e a Iconografia – a arte como cenário e como protagonista de uma específica mensagem”[7], seguindo a opinião então vigente, aponta ainda a imagem do Carmelo como a primeira (de uma segunda fase iconográfica) do Imaculado Coração de Maria, referindo, no entanto, a nossa investigação de 2005:

“Vejam-se, não obstante o que dizemos, as investigações de Manuel Pires Bastos publicadas no jornal ‘João Semana’, no qual se afirma, com argumentação muito plausível, que ‘a primeira imagem [do Imaculado Coração de Maria] está em Ovar”.  

Notas:

[1] Irmã Maria do Carmo, “O Instituto do Sagrado Coração de Maria e o Imaculado Coração de Maria”.
[2] Id.
[3] José Ribeiro de Araújo, “Poalhas da história da freguesia e Igreja de Ovar”.
[4] Carmelo de Coimbra, “Um caminho sob o olhar de Maria”, pág. 318.
[5] A primeira seguiu para o Carmelo de Braga, onde se encontra.
[6] Carmelo de Coimbra, “Um caminho sob o olhar de Maria”, pág. 352.
[7] Marco Daniel Duarte, “Fátima e a criação artística (1917-2007): o Santuário e a Iconografia – a arte como cenário e como protagonista de uma específica mensagem”, Coimbra, 2013. 
Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (15 de maio de 2016) – texto de Manuel Pires Bastos

 
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