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Catecismo


O deserto: escola das almas amadas por Deus
 
AUTOR: IRMÃ LUCIANA NIDAY KAWAHIRA, EP
 
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Deus Se serve dos reveses e dificuldades para nos aproximar do mundo sobrenatural. E se perseverarmos nessa dura travessia, receberemos o prêmio concedido somente às almas fiéis.

A instabilidade de uma paisagem que muda a todo momento pelo movimentar das areias ao sabor do vento; o solo requeimado por um sol cujos raios parecem não conhecer trégua; gélidas noites parcamente iluminadas pela luz da lua; avidez por uma fonte que sacie, ou ao menos refresque; ausência de forças para caminhar; anseio por uma brisa fresca que dê ânimo para continuar a fatigante trajetória…

A imagem de um peregrino que caminha sozinho no deserto evoca as mais terríveis tribulações: as agruras de um calor causticante, as dificuldades para se locomover, a sensação de isolamento e até de abandono… No entanto, foi nesse cenário desolador que Deus formou os santos patriarcas, os profetas e o povo eleito.

Exemplos que enchem a alma de ânimo

A Sagrada Escritura mostra os judeus vagando durante quarenta anos pelo deserto, em busca da Terra Prometida. Nesse período, guiados pela confiança de Moisés e sustentados pela fidelidade de Josué, eles puderam testemunhar alguns dos maiores prodígios da História.

No terrível combate contra Amalec, os braços de Moisés, elevados em sinal de incessante súplica, obtiveram dos Céus o triunfo do seu povo (cf. Ex 17, 8-16). Ver a fé de seu general e profeta fortalecia neles a certeza da vitória em meio à ferrenha batalha, tornando o exército judeu mais resoluto e corajoso!

Se o nosso imaginário peregrino estivesse ali e se deparasse com essa cena, certamente recobraria o ânimo para continuar o seu percurso, confortado pelo exemplo de almas que lutam com denodo no meio da desolação.

Bem mais adiante a Bíblia nos traz a figura de São João Batista, “a voz que clama no deserto” (Jo 1, 23), aquele a respeito do qual Nosso Senhor afirmou que “entre os nascidos de mulher não surgiu quem fosse maior” (Mt 11, 11). Ele também teve sua trajetória marcada pelas agruras de um deserto mais espiritual que material.

Vista aérea do Wadi Qelt tendo ao centro o antigo Mosteiro de São Jorge (Israel)

E se o exemplo do Precursor não bastasse para nós, quis o próprio Jesus permanecer quarenta dias isolado em jejum e oração (cf. Lc 4, 1-13), ensinando-nos a importância do recolhimento e da provação a fim de fortalecer o espírito e adquirir energias para a luta.

A alma de nosso peregrino encher-se-ia igualmente de ânimo se ao longo do percurso lhe fosse dado sentir o perfume emanado das pegadas do Cordeiro Imolado, que não recusou palmilhar as areias do deserto. Ao perceber seu suave odor, sem dúvida se ajoelharia para oscular a poeira pisada pelo Divino Mestre, mais valiosa do que o ouro, e agradecer-Lhe por ter sido considerado digno de seguir seus passos.

Assim, a confiança heroica dos patriarcas, os cuidados e carinhos com os quais a Providência cumulou o povo hebreu (cf. Dt 32, 10) e, sobretudo, a augustíssima presença do Divino Pastor encheriam de colorido o austero panorama deste hipotético peregrino e confeririam significado ao seu penoso caminhar.

Cada um de nós atravessará um deserto

Passaram-se os séculos, os milênios, e Deus continua instruindo seus filhos, que agora percorrem as vastidões de um outro deserto: o das provações e aridezes espirituais. Ninguém é conduzido à “terra prometida”, a Pátria Celeste, por um caminho fácil, mas sim por uma via repleta de todo gênero de dificuldades e contradições.

Já dizia o justo Jó: “Militia est vita hominis super terram – A vida do homem sobre a terra é uma luta” (7, 1). Através do sofrimento, a alma humana se purifica e torna-se firme na prática da virtude. 

O exemplo dos Santos demonstra com clareza que cada um de nós, em determinado momento, é convidado a atravessar um deserto. Contudo, assim como a Divina Providência foi pródiga em dons para com a humanidade no Antigo Testamento, Ela nos sustenta hoje a cada instante, pelos méritos infinitos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, com graças e benefícios incomparavelmente maiores.

Dizia São João Maria Vianney: “Nosso Deus não nos perde de vista, como uma mãe que vigia o filhinho que dá seus primeiros passos”.1

Ora, se o Senhor livrou os judeus da escravidão do Egito, a nós nos libertou do jugo do demônio e nos tornou seus filhos adotivos; se a eles foram enviados os profetas como mediadores e guias, a nós foi-nos dado o próprio Filho de Deus como Salvador e Redentor.

Através da Santa Igreja Católica, a prodigalidade divina nos concede abundantes e sublimes “orvalhos”, sobretudo por meio dos Sacramentos. Não hesitemos em recorrer a eles estando imersos em dificuldades de qualquer espécie.

Inefável, magnífico e angélico oásis

Para todos aqueles que peregrinam no meio de aridezes e provações há, a pequena distância de suas almas, um inefável, magnífico e angélico oásis: a Sagrada Eucaristia. “Se alguém tiver sede, venha a Mim e beba. Quem crê em Mim, como diz a Escritura, do seu interior manarão rios de água viva” (Jo 7, 37-38).

Quem melhor do que Nosso Senhor para nos consolar e fortalecer durante as lutas desta vida? Ele está à nossa disposição nos sacrários e nas Santas Missas, desejoso de nos fazer bem, animar e santificar.

Quando nos sentirmos num deserto aparentemente infindo, sem forças e desamparados, basta recorrermos a esse oásis infalível, o Santíssimo Sacramento, e de imediato a glória de Deus encherá o santuário de nossas almas. Aquele abandono interior logo será substituído pela presença de nosso Redentor que, sedento de conviver conosco, mostrar-nos-á o caminho a seguir.

A isso nos convida o mesmo Santo Cura d’Ars com palavras cheias de unção: “Somos ainda mais felizes que os Santos do Antigo Testamento, já que não somente possuímos a Deus pela grandeza de sua imensidade, em virtude da qual Ele Se encontra em todas as partes, mas O temos tal como esteve durante nove meses no seio de Maria, tal como esteve na Cruz. […] Nós O possuímos em cada paróquia, onde podemos gozar de tão doce companhia”.2

Se nos distanciarmos, porém, deste Senhor que permanece à nossa espera, baterão à nossa porta as saudades das “cebolas do Egito”, convidando-nos a abandonar a via da santidade por Ele traçada. A rejeição do Pão dos Anjos, enviado com tanta generosidade para o nosso sustento, conduz de volta para a escravidão do pecado…

Jamais esqueçamos, portanto, que Deus Se serve dos reveses e dificuldades para nos aproximar do convívio com o mundo sobrenatural. E se perseverarmos nessa dura travessia, receberemos o prêmio concedido somente às almas fiéis: penetrar no Imaculado Coração de Maria e contemplar a aurora de seu reinado, ainda nesta terra! (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2019, n. 210, p. 28-29)

1 SÃO JOÃO BATISTA MARIA VIANNEY. El Cuerpo y la Sangre de Cristo (Corpus Christi). In: Amor y perdón. Homilías. Madrid: Rialp, 2010, p.238. 2 Idem, p.236.

 
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