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Espiritualidade


A via do silêncio e da meditação
 
AUTOR: IR. CLARA TAMARA VICTÓRIO PENIN, EP
 
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Agucemos os ouvidos até perceber os eloquentes murmúrios que Cristo dirige ao nosso coração. A coragem dos mártires, a sabedoria dos doutores e a eloquência dos pregadores estão enraizadas nesta eficaz via de santificação.

É só após um longo período de repouso que o bom vinho alcança seu verdadeiro sabor. E os matizes por ele adquiridos com o passo do tempo tornam-se mais ricos e intensos em função do maior ou menor número de anos passados em aparente inatividade.

Esse processo de maduração evoca um dos mais eficazes e indispensáveis meios usados pela Providência para santificar os homens: longos períodos de silêncio e meditação. Sim, porque assim como o vinho amadurece na adega, a alma humana se acrisola no recolhimento.

Como o corpo precisa de descanso e alimento…

Nos dias atuais, vive-se no meio da ansiedade e do corre-corre. Grande parte da humanidade, atabalhoada nas ocupações cotidianas, tem os horizontes toldados para o sobrenatural. Quantos ao acordar, ou em qualquer outro momento do dia, elevam seu pensamento até Deus para louvá-Lo, indagar sobre o sentido da existência, ou ao menos agradecer-Lhe rapidamente os bens d’Ele recebidos?

Ora, se para se ter a força necessária nos trabalhos do dia a dia é preciso descansar e alimentar o corpo, torna-se indispensável para nossa alma contar com momentos de recolhimento, nos quais possa recobrar o ânimo perdido nas lutas passadas e fortificar a vontade para as futuras. Sem isso não conseguirá percorrer, sem soçobrar, os mares tempestuosos que inundam este vale de lágrimas.

Nossa vida, ensina Mons. João, “deve ser conduzida numa mescla de ação e recolhimento. É na oração que o homem de fé recupera suas energias e adquire novas forças para empreendimentos mais ousados”.1

Contudo, não faltam ao nosso redor aqueles que proclamam não ser necessário para um bom cristão gastar tempo em meditações e orações. E mais numerosos ainda são os que simplesmente omitem as práticas de piedade sob o pretexto de muitos afazeres…

Quem não tem o devido cuidado com a própria alma, acaba por tornar estéreis todos seus atos, até os meramente humanos. Toda obra que não está unida a Jesus, cedo ou tarde, torna-se infrutífera.

A oração é indispensável para alcançar a santidade

Ao subir ao monte com seus discípulos (cf. Jo 6, 3), Jesus nos dá exemplo de quão necessário é para o homem fugir do rebuliço mundano, a fim de que a voz de Deus possa sussurrar no íntimo dos corações palavras de encorajamento e de paz. O silêncio e a solidão são os nossos mais eloquentes interlocutores.

Conta Santa Teresinha ter sentido desde pequena uma força misteriosa e suave que a chamava a recolher-se em um canto de seu quarto e a convidava à reflexão. Em que se ocupava nesses momentos sua mente? “Penso no Céu”, respondeu ela certa vez. E, ao mesmo tempo, sentia nessas horas um delicado toque da graça ensinando-a a sentir junto de si a presença de Deus.

Depois de tornar-se carmelita, não será raro ela sentir profunda aridez nos momentos de meditação. Mas, mesmo assim, “ao terminar as orações, Teresa acha-se enriquecida com luzes tão vivas que chegam a surpreendê-la”.2

Do conjunto da vida da carmelita de Lisieux, tira o Pe. Thomas de Saint-Laurent esta grande lição: “A oração é indispensável para alcançar a santidade e para exercer um apostolado fecundo”.3 E acrescenta ter sido o desprezo pela oração uma das causas do “triste século em que vivemos, século de mediocridades triunfantes e de corações desorientados”.4

N’Ele está a fonte de toda sabedoria

São Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, homem de inteligência admirável, afirma ter aprendido muito mais durante as horas que passou diante do Santíssimo Sacramento do que em todos os seus anos de estudo. Isto por quê?

Nos responde o autor sagrado: “Concentra teu pensamento nos preceitos de Deus, sê assíduo à meditação de seus Mandamentos. Ele próprio te dará um coração, e ser-te-á concedida a sabedoria que desejas” (Eclo 6, 37).

E em sua famosa Filoteia São Francisco de Sales acrescenta: “Unindo-nos com Nosso Senhor, pela meditação, e notando as suas palavras e ações, os seus sentimentos e inclinações, aprenderemos por fim, com a sua graça, a falar com Ele, a agir com Ele, a julgar como Ele e amar como Ele”.5

“Buscai o Reino de Deus e sua justiça…”

Frisa o Santo Cura d’Ars que “o tesouro do cristão não está na terra, mas nos Céus. Por isso, o nosso pensamento deve estar voltado para onde está o nosso tesouro”.6
E conclui: “Esta é a mais bela profissão do homem: rezar e amar”.7

De que vale consumirmo-nos em intermináveis trabalhos e negócios visando conquistar um lucro material que facilmente se esvai, em lugar de dedicarmo-nos a alcançar nosso tesouro imperecível? Alimentar a vida espiritual é muito mais importante do que ir atrás dos bens terrenos.

Durante o Sermão da Montanha, o Divino Mestre nos convida a buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça. Se assim o fizermos, todas as outras coisas nos serão dadas por acréscimo (cf. Mt 6, 33). Ao tomarmos este divino ensinamento como norte para as nossas vidas, nossas almas se encherão de força, e atrairemos sobre nós o auxílio dos Santos Anjos, enviados por Deus para nos iluminar, custodiar, reger e governar.

Difícil será que essa ajuda celeste chegue aos extremos de uma Santa Zita, humilde empregada, cujas tarefas domésticas eram desempenhadas pelos espíritos celestes enquanto ela “fugia do serviço” para conviver com Jesus Sacramentado. Ou de um Santo Isidoro, o Lavrador, que encontrava o campo milagrosamente sulcado pelos bois ao finalizar suas longas orações. Mas não deixará a Providência de nos fazer sentir de alguma forma seu auxílio e proteção.

Sempre bem recebidos pelo nosso Pai Celeste

Somente depois de termos experimentado o poder do recolhimento, poderemos entender o que nos diz o salmista: “Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e medita sua Lei dia e noite. Ele é como a árvore plantada na margem das águas correntes: dá fruto na época própria, sua folhagem não murchará jamais. Tudo o que empreende, prospera” (Sl 1, 2-3).

À medida que soubermos nos adentrar na prática do silêncio e da solidão, nossa vida sobrenatural dará passos cada vez mais firmes e decididos. E ainda que não consigamos nos recolher como gostaríamos nos momentos de meditação, ou não sintamos nosso coração pulsar devotamente durante a conversa com o Altíssimo, sempre poderemos ter a certeza de estar sendo recebidos com alegria por nosso Pai Celeste, ao qual muito agrada a oração de seus filhos.

Saibamos procurá-Lo em nosso claustro interior. Agucemos os ouvidos até perceber os eloquentes murmúrios que Cristo dirige ao nosso coração, certos de que a coragem dos mártires, a sabedoria dos doutores, a eloquência dos pregadores e, em suma, a virtude dos Santos, estão enraizadas nesta tão eficaz via de santificação. (Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2020, n. 217, p. 28-29).

1 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Os mais excelentes pães da História. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2014, v.IV, p.257.
2 SAINT-LAURENT, Thomas de. Santa Teresa do Menino Jesus. Porto: Civilização, 1997, p.23.
3 Idem, p.24.
4 Idem, p.26.
5 SÃO FRANCISCO DE SALES. Filoteia ou Introdução à vida devota. Petrópolis: Vozes, 2012, p.89. SÃO JOÃO MARIA VIANNEY. Catecismo sobre a oração. In: COMISSÃO ESPISCOPAL DE TEXTOS LITÚRGICOS. Liturgia das Horas. Petrópolis: Vozes; Paulinas; Paulus; Ave-Maria, 2000, v.III, p.1469.
7 Idem, ibidem.

 
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