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Plinio Corrêa de Oliveira


Alegrias e provações
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 22/10/2019
 
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Há males que vêm para bem”… O fato de se ter prolongado a estada de Dr. Plinio em Roma, por ocasião do Concílio Vaticano II, trouxe como resultado um aumento da correspondência entre ele e Dª Lucilia, sendo possível comprovar-se novamente o quanto era movido por razões sobrenaturais o abençoado convívio entre mãe e filho.

É o que transparece na missiva a seguir, escrita por aquela alva e veneranda mão, a fim de externar os carinhosos sentimentos encerrados no coração materno. É admirável nesta carta o ato de virtude pelo qual Dª Lucilia renova a renúncia à companhia de Dr. Plinio no dia 13 de dezembro, em favor daquilo que ela julga mais vantajoso para ele. Não só exprime sua resignação pela ausência dele, mas ainda o aconselha a demorar-se na Europa.

S. Paulo, 26-11-962
Plinion querido!

Estava com tantas saudades de uma carta de você, que mesmo no estilo relâmpago como a última que me enviaste valia a pena receber outras! Com tanto trabalho, vejo que não será possível voltar logo que se termine o Concílio! Alguns passeios bonitos, despedidas, visitar Florença, Milão, etc…. e depois Paris !!! Quem pode voltar tão depressa de Paris? Nem mesmo para passar o dia 13 de Dezembro, dia de teus anos com mamãe??; mas, não faz mal. Você tem trabalhado muito e agora deve estar… estafado! Faça tudo o que puder e volte bem disposto e contente de tornar a ver a tua manguinha, e passarmos juntos o Natal!! 

Que festa tornar a ver a tua manguinha, que te quer tanto e tanto … que nem pode te dizer!!

Rosée tem sido muito boa, vindo me ver todos os dias e Maria Alice, com a sua casarona, seus jantares, etc., costuma vir cada dois dias e o “Bisnetinho” está fazendo exames no colégio.

Quando converso com você, mesmo no “estilo relâmpago”, não paro mais e o tempo passa rápido, ponhamos os pontos nos “is”.

Recomendo-me a teus amigos. Muitos beijos e abraços e a mais afetuosa bênção da mãe que tanto e tanto te quer, Lucilia

Um salto sobre o oceano

Chegando a seu termo a intensa atividade de Dr. Plinio em Roma, uma vez que a primeira sessão do Concílio estava também por findar, escreve uma breve carta a Dª Lucilia, anunciando-lhe seu regresso a São Paulo.

Roma, 28-XI-62
Manguinha querida de meu coração!

Como devo partir de Roma no dia 7, estou atarefadíssimo com as providências finais da temporada. Por isto, escrevo-lhe rapidamente.

Devo ir a Assis, Florença, Veneza, Paris. Lá, passarei mais ou menos uma semana, para depois dar um salto sobre o Oceano, e cair com imensas saudades e enorme alegria nos braços de minha Manguinha querida!

Penso que a Sra. me achará com uma fisionomia ótima. Espero poder dizer o mesmo da Senhora. Cuidado com a saúde!!

Mando-lhe junto esta maravilha de Assis, e um santinho de uma Imagem de Nossa Senhora, ante a qual temos obtido muitas graças.

Mil e mil e mil beijos saudosíssimos, do filho que a quer e respeita até o fundo do coração e lhe pede a bênção Plinio

Não tardaria muito para que as alegrias do retorno de Dr. Plinio consolassem a alma de sua mãe. No momento do encontro, Dª Lucilia não deve ter ficado aquém das manifestações de afeto que seu filho lhe prodigalizou. Sua encantadora fisionomia, cheia de mansidão e ternura, era, de si, a melhor recepção que ela lhe poderia reservar.

Um período conturbado e cheio de incertezas

A esperança de um longo e ininterrupto convívio com seu filho não esmorecia na alma de Dª Lucilia, porém, quanto mais ela o desejava, mais essa possibilidade parecia ficar distante.

Apenas chegado ao Brasil, Dr. Plinio retornaria às suas intensas atividades em prol da causa católica no País, então atravessando um conturbado período de sua história, cheio de incertezas nos âmbitos social e político. À medida que a situação se agravava, Dr. Plinio se via obrigado a tomar algumas precauções. Fazia o possível para escondê-las aos olhos de Dª Lucilia, a fim de não perturbar, com perspectivas assustadoras, sua respeitável ancianidade. No entanto, não havia como ocultar algumas delas. Que fazer nessa situação?

Optou ele pelo mal menor, e fez o que julgava necessário, sem explicar as razões a sua mãe. Eram novas provações permitidas pela Providência, que Dª Lucilia aceitava com a resignação e a mansidão costumeiras.

“Ah! a minha árvore!?”

No entardecer de sua vida, Dª Lucilia gostava de rezar e refletir, sentada na antiga cadeira de balanço de Dª Gabriela. Ali, serenamente acomodada, costumava passar horas e horas, entremeando suas longas orações com a contemplação de um rendilhado de luz e sombras, movediço e suave, que se projetava nas paredes internas do escritório de seu apartamento. Com efeito, na calçada da Rua Alagoas erguia-se frondosa árvore cujas ramagens tocavam a janela do aposento, oferecendo sobretudo à noite, devido à iluminação pública, esse singelo espetáculo.

Entretanto, essa árvore, tão estimada por Dª Lucilia, tornava o apartamento de Dr. Plinio alvo fácil para possíveis atentados. Obter da Prefeitura Municipal a derrubada imediata dela figurava entre as várias medidas de segurança que ele resolveu tomar. E o fez sem dilação. Mas, para não aumentar a preocupação de sua mãe, não quis pô-la ao corrente do perigo a que ambos estavam expostos e nada lhe disse. Assim, qual não foi a perplexidade dela quando, certa noite, ao olhar para as paredes do escritório, viu projetar-se nestas a banal iluminação da rua, sem nenhuma daquelas belas sombras. Surpresa, exclamou: “Ah! a árvore, minha árvore, onde é que foi?!”

Porém, logo depois, pela reação das outras pessoas, percebeu que a ordem de cortar a árvore partira de seu filho, por alguma razão que ele não lhe pudera revelar. E nunca mais fez qualquer comentário sobre o fato.

Contudo, a gravidade da situação obrigaria Dr. Plinio a medidas mais drásticas.

O porta-jóias de “maroquin” vermelho

“Eu fui ocasião de uma provação não pequena para mamãe”, contou ele certa vez, a propósito de outro episódio ocorrido nessa época.

Em meio aos objetos herdados por Dª Lucilia, encontravam-se belas jóias, algumas das quais podemos observar em suas fotografias. Entre as que ela mais apreciava estavam um broche cravejado de brilhantes, uns brincos de turquesa, um colar de pérolas, bem como outros adornos que as senhoras daquele tempo usavam com alguma freqüência. Para guardá-las, havia ela comprado em Paris uma maleta de maroquin1.

Estando a situação política do Brasil tão instável, Dr. Plinio começou a se preparar para a eventualidade de ter de abandonar rapidamente o País, a fim de garantir a sua própria liberdade de ação. Para tal circunstância precisava ter em mãos uma quantidade suficiente de dinheiro que lhe garantisse a subsistência no Exterior, por um período que poderia ser mais ou menos longo. Como a venda de algum de seus imóveis poderia levar muito tempo, viu-se na contingência de lançar mão das jóias de Dª Lucilia, preciosas não só pelo valor material, mas sobretudo porque a elas se prendiam inúmeras recordações. Resolveu sacrificá-las nessa situação extrema, certo de que sua mãe cedê-las-ia de bom grado, caso ele lhe pedisse.

Tal como ocorrera com o corte da árvore, Dr. Plinio nada disse à sua mãe, a fim de não a sobressaltar. Seria para ela uma grande aflição saber dos perigos que corriam. Assim, um dia Dr. Plinio entregou a maleta de maroquin com as jóias a Dª Rosée, para que esta as vendesse.

Algum tempo depois, Dª Lucilia deu pela falta da pequena mala, mas, percebendo haver sido Dr. Plinio que a retirara, não o interrogou sobre esse assunto, nem fez  qualquer referência ao fato, de tal modo confiava nele. No fundo do olhar de Dª Lucilia, seu filho notava a pergunta: “Por que o Plinio não me conta a razão de sua atitude? Se ele precisava das jóias, não bastava me pedir?”

Era um mistério para Dª Lucilia, que, por respeito para com seu filho, nunca quis desvendar. Serenamente, suportou essa provação até morrer, poucos anos depois.

A visita de um “jornalista”

Se fosse obrigado a sair do País, Dr. Plinio pensava em levar depois sua mãe para junto de si. Era necessário, portanto, providenciar a emissão do passaporte dela. Pediu então a um de seus jovens amigos que fosse à sua casa e a fotografasse para esse fim.

Dona Rosée e Dr. Plinio num restaurante em Campinas – Com a ajuda da irmã, ele preparou sua viagem e subsistência no exterior, caso fosse preciso deixar o País

Foi assim que, certo dia, bateu à porta do “1º Andar” uma pessoa dizendo-se mandada por Dr. Plinio para tirar algumas fotografias dela. Na atmosfera pesada que reinava no Brasil, logo desconfiou Dª Lucilia tratar-se de um repórter. Tal impressão se acentuou ainda mais quando o visitante, enquanto tirava as fotografias, certamente para ser agradável, começou a lhe fazer perguntas sobre sua vida e sua família.

Quando mais tarde Dr. Plinio chegou a casa, ela assim lhe contou o ocorrido:

— Filhão, na sua ausência esteve aqui um repórter. Queria me fazer também uma entrevista por ser eu uma velha dama paulista de 400 anos. Então me pediu que lhe contasse minhas recordações de São Paulo antiga. Mas eu disse que sem o consentimento do meu filho, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, eu não falaria com jornalista algum!

Dava especial sabor ao relato a frase “meu filho, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira”, proferida por Dª Lucilia num tom de voz que procurava expressar todo o respeito devido a ele.

Diante dessa encantadora ingenuidade de Dª Lucilia, na qual transparecia uma vigilância que a extrema idade não fizera esmorecer, seu filho respondeu:

— Mamãe, a senhora fez muito bem!… (Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João Clá Dias)

1 ) Peça de couro de cabra, delicadamente trabalhada. Foi especialmente usada durante a Belle Époque, quando Dona Lucilia adquiriu tal maleta.

 
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