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Plinio Corrêa de Oliveira


Plinio Corrêa de Oliveira e a Consagração à Santíssima Virgem
 
AUTOR: MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP
 
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O “Tratado da verdadeira devoção” parece ter sido destinado pela Providência para chegar às mãos de Dr. Plinio, como um tesouro, a fim aprimorá-lo em sua vida espiritual e ajudá-lo a atingir o pináculo de sua devoção à Santíssima Virgem.

Antes de conhecer tantas maravilhas a respeito da situação privilegiadíssima da Mãe de Deus na ordem da criação, Dr. Plinio tinha a ideia de que o lugar d’Ela no Céu seria o de uma Rainha-Mãe, a qual possuiria sua corte própria e específica, porém inferior à corte principal e mais eminente, estabelecida em torno de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei dos reis. Ora, já naquele tempo, tal era o seu encanto com Nossa Senhora que ele pensava: “Sei que a corte do Rei deve ser superior à da Rainha, mas eu, quando for para o Céu, quero fazer parte da corte d’Ela, ainda que esta seja secundária, pois o que me importa é estar junto a Ela”.

 
 

No entanto, ao ler a doutrina exposta no Tratado, Dr. Plinio se deu conta de que, pertencendo à corte de Nossa Senhora, ele se encontraria num lugar insigne, muito mais perto de Nosso Senhor do que imaginava. Então exultou, não pelas consequências vantajosas que isso lhe traria, e sim por perceber que a Santíssima Virgem merecia, de fato, toda a consideração que ele desejava tributar-Lhe: “Foi só lendo o livro de São Luís Grignion que eu compreendi toda a elevação e a sacralidade do culto a Nossa Senhora. Não havia nada em mim que negasse isso antes, mas entendi melhor quem é Ela, ou seja, mons super montes positum – uma montanha colocada sobre todas as outras montanhas (cf. Is 2, 2)!

O Reino de Maria nascendo numa alma

Seu entusiasmo foi ainda maior ao fazer outra descoberta nas páginas que se sucediam diante dos olhos, segundo ele próprio narraria: “[Eram] labaredas sobre um assunto de que nunca ouvira ninguém tratar, mas me interessava no mais alto grau: o Reino de Maria. Logo percebi que esse Reino era a meta para a qual minha alma voava. Era bem exata e estritamente o meu desejo!” Entendeu ele que São Luís Grignion se referia, acima de tudo, ao governo de Nossa Senhora, Rainha dos Corações, sobre as mentalidades de todos os homens, transformando-as de modo maravilhoso e tornando-as semelhantes à d’Ela; entretanto também notou que o autor do Tratado previa em termos claros o advento de uma autêntica era histórica de luz e de paz, na qual a face da terra seria renovada e reformada pela Santa Igreja, e em que Maria Santíssima seria reconhecida universalmente como Soberana: “Nesses últimos tempos, Maria deve brilhar, como jamais brilhou, em misericórdia, em força e graça”.1

Plinio foi se encantando com os prognósticos contidos no Tratado da verdadeira devoção e, em especial, ao considerar o auge de santidade a que chegariam as almas nesses tempos vindouros como enormes cedros-do-líbano comparados aos arbustos, em relação aos Santos dos séculos anteriores. E compreendeu que o seu ardente desejo, isto é, a vitória do bem sobre o mal na terra, o triunfo do que ele chamaria mais tarde de Contra-Revolução, seria obtido, afinal, através da Santíssima Virgem.

Assim, ao chegar às mãos de Plinio, o Tratado causou-lhe o efeito de uma revelação de Deus. Entretanto, nota-se haver ele sido objeto de uma verdadeira experiência mística a respeito do Reino de Maria, motivada muito mais pela ação direta da graça em seu interior e pelo dom de sabedoria, do que pelos escritos do extraordinário Santo mariano. De fato, apesar de não conseguir transmitir em palavras toda santidade, inocência e sacralidade que sua mente concebia e amava, como sendo as características essenciais dessa era marial, as suas conclusões após a leitura do Tratado permitem vislumbrar o quanto ele via, ou sentia em si, o conjunto das harmonias dessa civilização futura em todos os seus âmbitos e aspectos, anunciando-a inclusive muito superior às maravilhas produzidas pela Cristandade em séculos anteriores:

“Compreendi que, no reinado de Maria, a sacralidade seria muito reluzente na ordem espiritual, antes de tudo, mas também na ordem temporal. E entendi que haveria aspectos místicos, os quais fariam do Reino de Maria um paraíso, em relação ao que foi a Idade Média. Não se tratava, portanto, de voltar ao passado, e sim de rumar para algo que estaria para a Idade Média ‘como o cedro-do-líbano para os arbustos’. E o Reino de Maria, sem ter nada de uma era milenarista ou de um paraíso recuperado, seria entretanto uma época de sacralidade, de glória e de elevação inauditas!”

Desse modo, a previsão de São Luís Maria Grignion de Montfort, profeta dos “últimos tempos”, era confirmada e reforçada pelo aval de Plinio Corrêa de Oliveira, profeta do Reino de Maria, em cuja alma esse reinado já nascia com antecipação, pelo desejo, como um sol que despontasse à meia-noite.

“Para Ela tudo é pouco!”

Não obstante sua adesão entusiástica a tudo quanto lia a respeito da devoção a Nossa Senhora, um dos tópicos contidos no Tratado causou a Plinio certa surpresa e estranheza: tratava-se de entregar-se a Ela como escravo! E a palavra escravidão, com toda sua forte conotação, trazia-lhe a ideia do sacrifício e da perda de alguns aspectos da personalidade de quem assim se consagrasse.

Ora, ainda nos anos de sua adolescência, tendo se dado conta de que sua vocação lhe exigia sempre atitudes na linha da grandeza, do brilho e do panache, 2 ele se aplicara com empenho na luta contra sua natural tendência à preguiça e havia adquirido forças para se impor aos outros na vida social, sem manifestar arrogância, mas fazendo respeitar sua vontade. A tal ponto chegava essa necessidade de não se deixar dominar, que ele rejeitava de modo instintivo, por exemplo, algumas bebidas fortes, como os vinhos secos, as quais pudessem tomar-lhe demasiado o paladar. Agora, tendo sua mentalidade já formada, São Luís Grignion lhe revelava de repente que devia assumir a condição de escravo, parecendo lançar por terra o fruto de tanto esforço!

A Providência, porém, o havia preparado para este momento em que ele dobraria os joelhos diante de Nossa Senhora com toda a humildade, sem a menor revolta interior e, inclusive, na disposição de renunciar ao panache para cumprir os desígnios de Deus. Então, levado por seu amor ardoroso a Maria Santíssima, pensou: “Escravo de Nossa Senhora? Isso mesmo! É uma honra para mim! Para Ela tudo é pouco, porque merece tudo e, portanto, eu pertenço todo a Ela e é justo que sacrifique o panache. Chegou a hora de ser incondicional e cortá-lo, ainda que ele seja uma qualidade santa”.

Moveu-o igualmente a tal decisão sua admiração em relação ao autor do Tratado: “Esse grande Santo, essa alma de fogo, esse espírito lógico, esse homem inteligentíssimo! Ele possui labaredas de vontade e de energia, como nunca vi em ninguém! Com Nossa Senhora e também com ele, eu vou até onde for preciso!”

Plinio refletiu com calma, a fim de compreender a fundo o sentido da escravidão a Nossa Senhora, conforme comentaria: “Eu precisei fazer todo um raciocínio para entender o que isso significava e, assim, poder entrar no espírito da instituição e fazer a minha consagração como devia”. E, sem dúvida, uma das razões para ele mais convincentes foi a afirmação do autor do Tratado, segundo a qual nenhuma devoção pode agradar tanto a Santíssima Virgem quanto a consagração a Jesus Cristo pelas mãos d’Ela.

Escravo de Maria Santíssima

Terminada a leitura, Plinio não teve um minuto de vacilação ou demora: começou a preparar-se para fazer a consagração a Ela, com meditações durante as quatro semanas precedentes, de acordo com o método aconselhado por São Luís Grignion de Montfort. Nunca saberemos com exatidão quais foram suas orações e colóquios ao longo desses dias, mas é certo que ele atribuiu a tal preparação toda a importância que ela merecia.

Plinio se consagrou à Santíssima Virgem em casa e de forma muito modesta, como fazia questão de frisar quando narrava o fato, com sua habitual humildade: “Sempre temi imaginar atos grandiosos feitos por mim. Inclusive nesse caso, haveria o perigo de pensar: ‘Farei uma grande consagração!’ E, no momento de fazê-la, julgar-me a mim mesmo grande… e não a consagração. Resolvi então consagrar-me com toda a simplicidade. Pronta a preparação, comunguei, voltei para casa, tomei um lanche, li o jornal como todos os dias, tranquei-me no meu quarto, meditei durante meia hora sobre a consagração, ajoelhei-me, rezei mais uma vez o Veni Creator Spiritus e o Ave Maris Stella e, por fim, consagrei-me, tornando-me escravo de Maria. Depois passei aos afazeres corriqueiros. Foi um ato singelo, sem nenhuma consolação espiritual, mas até hoje não cesso de agradecer a Nossa Senhora esse passo que dei, por chamado d’Ela”.

Plinio no início
da década de 1930

Entretanto, sendo um espírito sério e profundo, Plinio só considerava bem feita aquela consagração que, uma vez pronunciada e efetivada, levasse as pessoas a mudarem de vida. E, com efeito, a partir do instante em que se entregou a Nosso Senhor Jesus Cristo pelas mãos de Nossa Senhora, como verdadeiro e perfeito escravo, algo se modificou em sua impostação de espírito: começou a perceber que, de fato, tudo o que antes era dele já não lhe pertencia, pois se tornara propriedade d’Ela, e sentiu o quanto havia aumentado em sua alma a influência de Maria Santíssima.

Por isso ele passou a renovar todos os dias o ato de consagração a Ela, e assim o fez ao longo de toda a sua vida, no momento da ação de graças após a Comunhão, rezando-o em francês, como o tinha lido no Traité, e chegando a memorizá-lo. Ele, que tanta importância dava ao Rosário, equiparava-lhe agora a consagração a Nossa Senhora e afirmava, referindo-se à luta de todo católico contra as tentações: “O Rosário e a consagração são os dois elementos de nossa defesa e de nosso ataque ao adversário”.

A escravidão à Santíssima Virgem constituiu para ele um novo surto de graças e um possante fator de progresso na vida espiritual, ajudando-o a atingir o patamar que tanto desejava e fazendo dele um varão inteiramente marial, o que se pode comprovar pelo propósito que assumiu: nunca dirigir alguma oração a Nosso Senhor Jesus Cristo sem pedir a intercessão d’Ela.

Quem se consagrou a Maria com tal seriedade e tão íntegro desprendimento? Decidindo-se a entrar pela via estreita da despretensão e da renúncia, transformou-a em grandiosa avenida e, desse modo, abriu um caminho a todos aqueles que, em seu seguimento, iriam praticar no futuro a mesma devoção da escravidão de amor a Nossa Senhora. Por isso a consagração de Plinio teve, junto a Ela, imenso valor.

O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: um livro providencial e profético

Além de tantos motivos que o levaram a entregar-se à Santíssima Virgem como escravo, suas palavras deixam entrever ter sido a leitura da obra de São Luís Maria Grignion de Montfort para ele ocasião de receber ainda outras graças de caráter místico, para cuja descrição ele não chegava a encontrar os termos exatos, mas que marcaram sua existência de modo decisivo: “Quando eu li o Tratado da verdadeira devoção e resolvi dar-me a Ela, tinha a impressão de ver refletir-se dentro de mim algo de uma luz prateada, maravilhosa, forte, afirmativa e pura, que se comunicava com o Céu dos Céus. E eu percebia que, só com olhar para aquilo, poderia vislumbrar lá em cima um mistério, também cheio de luz. O ver isso e o sentir o impacto disso em mim foi a força psicologicamente determinante, da qual resultou a deliberação de consagrar-me a Nossa Senhora”.

Por outro lado, ele mesmo comentava o aspecto místico e profético dessa obra de São Luís, como marco entre o fim de uma era histórica e o início de outra. E considerava providencial o abandono em que o livro permaneceu, esquecido num baú durante cento e trinta anos antes de ser encontrado e ter divulgação, fato aliás previsto pelo Santo mariano em seus escritos.

“Por algum desígnio de Nossa Senhora, em certa época deveria ser descoberto o Tratado e em determinado momento nós o teríamos em mãos. Permanece então aberta uma via que ninguém mais conseguirá fechar para os católicos que queiram ser fiéis a Nossa Senhora e levar até as últimas consequências a devoção a Ela. Eu vejo, na abertura dessa via e na sua segurança, não apenas uma promessa, mas um começo do Reino de Maria”.

 
 

E o próprio São Luís Grignion, de modo misterioso, reconhece haver escrito o Tratado com a esperança de que fosse encontrado e entendido na perfeição por uma alma eleita: “Oh! Daria minha pena por bem empregada se este pequeno escrito, caindo nas mãos de uma alma bem nascida, nascida de Deus e de Maria, e não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem (cf. Jo 1, 13), lhe desvendasse e inspirasse, pela graça do Espírito Santo, a excelência e o preço da verdadeira e sólida devoção à Santíssima Virgem, que vou descrever agora! Se eu soubesse que meu sangue criminoso poderia servir para fazer entrar no coração as verdades que escrevo em honra de minha querida Mãe e soberana Senhora, […] em lugar de tinta, eu o usaria para formar estes caracteres”.

Por essas afirmações, não parece ousado conjecturar que o Tratado da verdadeira devoção, reputado um dos melhores estudos realizados em todos os séculos sobre a Mãe de Deus, era especialmente destinado pela Providência a chegar às mãos de Plinio, como um tesouro, para aprimorá-lo em sua vida espiritual e ajudá-lo a atingir o pináculo de sua devoção à Santíssima Virgem. Pode-se dizer que um profeta marial escrevia para outro profeta, o qual compreenderia, confirmaria e viveria os ensinamentos pregados pelo primeiro.

Um pedido ousado: crescer sempre na devoção a Nossa Senhora

De fato, Plinio tanto assimilou o conteúdo do Tratado que, depois de o ter lido, passou a fazer todos os dias um pedido, no momento da Comunhão. Ao receber a Sagrada Eucaristia, logo no começo da ação de graças e ainda antes de renovar seu ato de consagração, suplicava a Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Nossa Senhora, que lhe concedesse uma devoção a Ela tão ousada, ampla e profunda, que atingisse os extremos limites aos quais a natureza humana e a graça permitissem chegar. E ele formulou esse pedido, com todo o fervor, até o fim de sua vida.

Sim, em matéria de união com Maria Santíssima, Plinio desejava possuir tudo, pois sentia que, sem Ela, ele nada seria. E em certa ocasião definiria a doutrina contida no Tratado como a característica primeira e mais essencial de sua espiritualidade: “Quando eu morrer, se alguém quiser fazer um epitáfio na minha lápide funerária e escrever apenas esta frase ‘Leu o livro de São Luís Maria Grignion de Montfort; procurou com toda alma praticá-lo e difundi-lo’, considerarei narrada a espinha dorsal de minha vida”. (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2018, n. 203, p. 24-27)

Extraído, com pequenas adaptações, de: “O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira”. Città del Vaticano-São Paulo: LEV, Lumen Sapientiæ, 2016, v.II, p.174-189

1 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.50. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.516. 2 Do francês, literalmente: penacho. Em sentido figurado, segundo uma das definições do próprio Dr. Plinio, o panache é o garbo da superioridade, em estado de militância. 3 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.112, p.556.

 
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