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Plinio Corrêa de Oliveira


Elites e povo: antagonia?
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 26/09/2019
 
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No jornal “Última Hora”, do Rio de Janeiro, Dr. Plinio aborda uma tese de sociologia católica defendida por ele ao longo de sua vida em vários lances memoráveis: o indispensável papel das elites na conformação de uma sociedade orgânica, e na liderança de um verdadeiro povo que não é “massa”...

A clássica figura da baiana e as tradições regionais na Europa são exemplos da riqueza de valores conservados pelo “povinho”

O papel da população na formação da alma de um país, e portanto de sua cultura, de seus grandes homens, de seu agir histórico, vai tão longe que até mesmo em funções habitualmente tidas como privilégio e missão peculiar das aristocracias — de sangue e outras — o povo desempenha uma missão de particular grandeza.

Com efeito, em certo sentido as classes conservadoras por excelência são mais as populares do que as elevadas. Assim, na Europa, por exemplo, os velhos trajes, danças, cânticos e modos de ser — enfim, as maneiras regionais típicas — foram muito mais conservadas pelo povinho (o dos campos), do que pelas classes dirigentes das grandes cidades. E, no Brasil, a clássica baiana com sua indumentária, seus quitutes e seu folclore, sob muitos aspectos lembra mais o Brasil de outrora do que quantos descendentes de capitães-mores, barões, conselheiros ou coronéis da guarda nacional.

Se as elites decaem, é difícil que não arrastem o povo. Se o povo decai, parece-me impossível que não arraste as elites.

É oportuno distinguir aqui um povo qualquer, de um grande povo. Ou então um povo em sua fase ascensional, em seu apogeu, e um povo em marasmo ou em decadência. Não forçaria o sentido da palavra quem afirmasse que um povo na sua ascensão ou em seu zênite constitui todo inteiro, no conjunto universal dos povos, uma enorme elite, dentro da qual afloram, quase por destilação, elites mais quintessenciadas e menores. E que é da harmônica conjugação da elite-povo (ou elite-maioria), com a elite-minoria, que nasce a grandeza geral.


trajes típicos portugueses

Talvez a Inglaterra não vencesse a guerra sem a direção do grande homem, que foi Churchill. Mas, de outro lado, se o Reino Unido não contasse com uma verdadeira legião de figuras de elite postadas de alto a baixo da hierarquia política, da social, da econômica como da militar, nos mais variados comandos do esforço armado como da resistência civil, teria perdido a guerra. E, por fim, toda esta constelação de altas, médias e pequenas elites, do que teria servido se não fosse o povo inglês um grande povo? Ou seja, um povo onde havia necessariamente muitos homens medianos e até submedianos, mas poucos homens medíocres. Muitos heróis do campo de batalha. Mas também “mini-heróis” dispostos a abnegar-se na vida civil da retaguarda, mantendo alto o ânimo dos seus próximos, quer nas horas soturnas em que era preciso ouvir, no fundo dos abrigos aéreos, a Luftwaffe espandongando as cidades, quer nas horas melancólicas em que se notava que as larguezas dos orçamentos caseiros iam inclementemente sendo corroídas pelo racionamento da guerra. Se em lugar de todas essas elites e de todos esses heróis, de tão variadas envergaduras e feitios, a Inglaterra tivesse tido, desde o palácio de Buckingham até o fundo das minas de carvão, de alto a baixo, não homens grandes ou medianos, mas medíocres, não homens heróicos mas pusilânimes, ela não passaria hoje de uma recordação (…).

Estas considerações já se estendem por demais. Encerro-as aqui citando um texto genial de Pio XII sobre povo e massa:

Toda a constelação de altas, médias e pequenas elites — a começar pela figura do grande Churchill (acima) —, talvez não fosse suficiente para levar a Inglaterra à vitória na II Guerra Mundial, se o povo britânico não fosse igualmente grande

“O Estado não contém em si e não reúne mecanicamente num dado território uma aglomeração amorfa de indivíduos. Ele é, e na realidade deve ser, a unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo.

“Povo e multidão amorfa, ou, como se costuma dizer, massa, são dois conceitos diversos. O povo vive e se move por vida própria; a massa é de si inerte, e não pode ser movida senão por fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais — em seu próprio posto e a seu próprio modo — é uma pessoa consciente das próprias responsabilidades e das próprias convicções. A massa, ao invés, espera o impulso de fora, fácil joguete nas mãos de quem quer que desfrute seus instintos e impressões, pronta a seguir, vez por vez, hoje esta, amanhã aquela bandeira. Da exuberância de vida de um verdadeiro povo a vida se difunde, abundante, rica, no estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes com vigor incessantemente renovado a consciência da própria responsabilidade, o verdadeiro senso do bem comum. Da força elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, o Estado pode também servir-se: nas mãos ambiciosas de um só ou de vários que as tendências egoísticas tenham agrupado artificialmente, o mesmo Estado pode, com o apoio da massa, reduzida a não mais que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo: em conseqüência, o interesse comum fica gravemente e por largo tempo atingido e a ferida é bem freqüentemente de cura difícil” (Radiomensagem de Natal de 1944, Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. VI, pp. 238-239).

Atente bem o leitor para o que o pranteado Pontífice diz sobre o povo, o verdadeiro povo. E verá que, de alto a baixo, ele não é senão uma saudável e magnífica engrenagem de elites: de ouro e de prata, as mais altas. De belo e nobre bronze, as mais modestas. (Revista Dr. Plinio, Março/2004, n. 72, p. 10 a 13).

Assim se destrói a antipática antítese elite-povo involucrada no doloroso adjetivo “elitista”. (Excertos de artigo publicado no “Última Hora” de 5/6/1981)

Em uma de suas alocuções ao Patriciado e à Nobreza romana, o Papa Pio XII (acima) estabeleceu a genial distinção entre povo e massa

 
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