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Plinio Corrêa de Oliveira


Espírito de justiça e misericórdia
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 29/10/2019
 
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O desastre sofrido por Dr. Plinio em 3 de fevereiro de 1975 não havia ocorrido por mero acaso, mas era fruto de um oferecimento dele como vítima expiatória, conforme alguns fatos demonstrariam anos mais tarde. No sexto aniversário do acidente, jovens discípulos apresentaram a Dr. Plinio um preito de filial gratidão por tal entrega, propiciando-lhe esta manifestação de paternal bondade e edificante retidão.

Meus filhos muito caros. Enquanto rememoráveis o que há seis anos transcorreu, eu media a diferença entre as vossas interpretações e as minhas…

Seriedade no exame de consciência

Pois em matéria de apuração de méritos e responsabilidades próprias, existe o princípio de que não se deve ser escrupuloso nem ter incertezas artificiais e ridículas sobre o que objetivamente se fez ou não. Tampouco devemos ter indecisões tontas acerca do conteúdo e da amplitude da regra pela qual se julga tal ou tal situação ou ato que se praticou.

Mas, afastado o terreno dos escrúpulos, quando cada um interpreta suas ações, entra o reino da severidade, magnífico, augusto, de cores sombrias, de um lilás profundo como o da mais escura das quaresmeiras, onde a pessoa se põe, não diante de suas próprias condições subjetivas, nem mesmo da opinião dos outros, mas tão-só face à infinita intransigência de Deus.

E não se pergunta a si mesmo se a imperfeição, a transgressão que pode ter tido a desventura ou a desgraça de cometer é algo maior ou menor na gama comum do pecado, da infidelidade ou, pelo menos, da negligência. Não se indaga sobre isso, porque não importa. Nosso Juiz supremo não é o próximo, mas Aquele que está no Céu, sentado à mão direita de Deus Pai, donde virá para julgar os vivos e os mortos. E se muito provavelmente até alguns dos santos elevados ao mais alto da bem-aventurança eterna, gozando da glória dos eleitos, tiveram de passar pelo Purgatório, não
podemos nós nos eximir de nos examinarmos com seriedade.

Vale dizer que nas chamas do Purgatório a alma tem dois lenitivos inenarráveis: primeiro, a certeza de que suas penas acabarão, desfechando no mar de uma felicidade sem fim. Segundo, tendo falecido em estado de graça, ela fica animada de uma intransigência parecida com a do próprio Deus, e se quer ali dentro, purificando-se, porque merece. Os fiéis vivos, por meio de orações, poderão obter que seus padecimentos sejam abreviados. Porém, na medida em que os insondáveis desígnios de Deus disponham o contrário, a primeira a desejar tal purificação é ela mesma.

Assim, é sob esta luz que devemos fazer nosso exame de consciência.

“Terá sido um preço justo e bem pago!”

Excetuando a Beatíssima Virgem Maria, talvez São José e os mártires que pagaram suas penas com o seu sangue derramado por amor a Cristo, bem como um ou outro santo, quem pode ter certeza de não merecer padecimentos semelhantes aos causados pelo desastre que sofri, se a Escritura nos diz que o justo cai sete vezes? 1

Portanto, se eu examinar de frente o fato ocorrido há seis anos, como vos fito e como contemplo o belo vitral da porta ao fundo desta sala, digo: “Meu Deus, eu adoro vossos mistérios!”

Compreendo que vós, que não estais em julgamento, nem sois juízes de vosso fundador, considereis isso com outros olhos, de modo filial, como estais fazendo. Não sei, porém, se compreendeis minha posição e se vos dais bem conta de que, inevitavelmente, as nossas escriturações são divergentes a respeito do caso.

E eu me perguntava onde poderia encontrar um ponto afável, amável, lilás claro, prata, em que pudesse dizer uma palavra de consonância adequada, no momento preciso em que vós exprimis tanto afeto, respeito e confiança. E, com o favor de Nossa Senhora, encontrei exatamente esse ponto, cuja formulação passarei a empregar.

É do vosso conhecimento uma conversa que teve lugar no salão de minha residência, na madrugada do domingo precedente ao desastre, e na qual tratamos do estado em que se achava nosso Movimento. Analisada a situação, chegamos à conclusão da necessidade de um grande sofrimento e uma grande expiação para que as coisas tomassem seu devido rumo.

Pode-se fazer uma relação entre essa conversa e o que aconteceu pouco depois?2

Em todo caso, não é a vinculação que farei. Dir-vos-ei coisa diferente.

Se durante aquela reunião me aparecesse um anjo e me afirmasse: “Tu não conheces os enjolras3 que deverão entrar no Movimento, nem os benefícios que poderão advir para todo o seu apostolado e para a causa católica no Brasil e no mundo, assim como não sabes que muitas dessas tuas preocupações atuais (não todas, infelizmente) se sanarão, se quiseres fazer este sacrifício: é preciso que vás para Amparo e, na estrada, sofras um desastre” — tenho certeza de que tomaria o automóvel naquela hora e, dado que nenhum dos meus acompanhantes nada ou quase nada sofresse, diria a mim mesmo: vamos à trombada! Vamos ao sangue, ao hospital, à cadeira de rodas! E durante seis anos, pelo menos, vamos às muletas e a todas as outras conseqüências!

E se eu tivesse previsto o meu horror diante da taça a beber, devido às investidas contra a nossa obra que vieram depois, devo reconhecer que teria empalidecido e pediria força a Nossa Senhora. Porém, não hesitaria em dar nenhum passo rumo ao extremo, para a glória d’Ela.

Que alegria eu teria se eu soubesse — além de nossa vitória nesses confrontos e dos meus enjolras que ingressariam no grupo — de tudo quanto nossa obra tem realizado nos mais diversos rincões do mundo!

Se foi esse o preço, quanto foi ele justo e bem pago! Oxalá tenhais razão vós, e não eu, pois não sei se minha avaliação é suficientemente implacável. 

Inflexível juiz de si próprio

Meus filhos, por que vos digo isso?

Antes de tudo, pelo gosto da verdade escancarada, para não receber um elogio a meu ver objetável. Em segundo lugar, para vos ensinar como deveis examinar a vós mesmos. Sereis tanto mais íntegros no analisar, querer, fazer, e mais fiéis à graça que recebeis, quanto mais procurardes ser assim.

Cada um precisa ser inflexível juiz de si próprio, ávido das agravantes, procurando todas as circunstâncias que lhe possam escapar ao olhar, sabendo-se sempre suspeito de bonacheirice quando voltado para ele mesmo.

Se assim tivessem feito todos os homens, não haveria Revolução. E só desse modo teremos a Contra-Revolução. Além disso, cumpre existir almas que, em nenhum momento, por mais implacáveis que sejam consigo, duvidem de que Nossa Senhora intervirá com sua insondável bondade e muito nos dará, pois nosso caminho é o do Céu, pelo qual Ela nos conduz com sua maternal proteção.

Nossa atitude, portanto, não encerra nada de calvinismo nem de jansenismo (com seus rigores mal concebidos e exagerados), mas é amor à justiça de Deus e confiança na sua misericórdia.

Eu desejaria aproveitar essa ocasião para vos animar a fazer um auto-julgamento assim. Tereis talvez a impressão de que ele é excessivo. Mas, se levardes em consideração que a própria Virgem Maria julgou-se culpada pela fuga do Menino Jesus para o Templo… Ela, que tinha recebido a Anunciação do Anjo e em cujo claustro imaculado se deu a Encarnação do Verbo; que trouxe ao mundo o Salvador e d’Ele recolheu os afagos na noite de Natal; que não se continha de adoração contemplando seu Filho crescer em graça e santidade diante de Deus e dos homens, achou que podia haver n’Ela algo que desagradara o Divino Infante!

Quem somos nós, pois, para não formarmos a nosso respeito hipótese semelhante? Quem de nós se atreve a se comparar com Maria Santíssima? A idéia nem pode passar pela nossa cabeça.  Entretanto, Ela se julgou dessa forma, e nós não procederemos assim? Onde está a lógica? Onde a coerência?

Enfim, vós me destes, com harmonia, vossas almas em flor. Eu vos restituo como presente uma armadura, com espada, sapatos de ferro em ponta e viseira fechada… Cada um dá o que tem. O que possuo para vos conceder é isso.

Que o Santíssimo Sacramento, em cuja presença tivemos a honra de estar há pouco e a Quem recebemos em comunhão por uma honra incomparavelmente maior, pelas mãos de Nossa Senhora a todos abençoe, e nos infunda este espírito de justiça e misericórdia. Amém. (Revista Dr. Plinio, Fevereiro/2005, n. 83, p. 16 a 19).

penúltima imagem: Vista do Salão Azul do 1º Andar, onde se davam as chamadas “conversas de sábado à noite”. Durante uma delas, apenas 36 horas antes do desastre, fez Dr. Plinio seu oferecimento como vítima expiatória nas mãos da Providência

1) Cf. Pr 24, 16. Segundo a explicação exegética, “cair sete vezes”, isto é, muitas vezes, não se refere à queda no pecado, mas na desventura. É em sentido acomodatício que se costuma aplicar esta passagem à impossibilidade moral em que estão os próprios justos de evitar o pecado venial.
2) Tal conversa deu-se de 1 às 3 da manhã do dia 2 de fevereiro de 1975. Em 3 de fevereiro, por volta das 13:15h, aconteceria o desastre.
3) Denominação carinhosa com a qual Dr. Plinio se referia aos seus jovens discípulos de então, cujas deficiências se mostravam mais acentuadas que as da “geração nova”. Eram, entretanto, igualmente mais propensos ao maravilhamento e a uma maior confiança na graça divina, estando compenetrados de suas fraquezas.

 
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