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Plinio Corrêa de Oliveira


Força, nobreza e bonomia
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 31/05/2019
 
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Quando nos detemos na contemplação de certos monumentos e construções do passado, notamos que foram frutos, não de um, mas de vários talentos que, em épocas diferentes, os aprimoraram, acrescentaram-lhes aspectos e detalhes, levando-os à sua beleza final. Admirando-os hoje, têm-se a impressão de que são o resultado de uma unidade de alma, de mentalidade, de visão harmônica da civilização cristã, existente entre todos os que neles trabalharam ao longo das eras, desde um medieval até um artesão do século XIX.

Assim, por exemplo, vemos na velha e pitoresca Alemanha edifícios característicos nos quais coabitam categorias e estilos diversos, agregados ao longo dos tempos de modo amigável e atraente. Um desses prédios é o da Prefeitura de Bamberg.

Compõe-se ele de três partes heterogêneas, ligadas por uma harmonia possante e superior, constituindo um conjunto muito bonito, o qual, embora envolto pelas águas de um caudaloso rio, transmite a sensação de solidez, de estabilidade, além de uma diversidade que agrada à vista, fazendo com que o espírito se distraia em ver aspectos tão diferentes do mesmo edifício. 

Seu corpo que avança sobre as águas corresponde a um tipo antigo de arquitetura, em que as vigas de sustentação ficavam aparentes, transformando-se, com seu interessante jogo de simetrias, num elemento de enfeite e decoração. Dessa forma, todo o edifício parece adornado e modelado, poupando-lhe a aparência sem graça que teria sem essas bordaduras de madeira. E sem o telhado
também encantador, alto, fechando-se num vértice proporcionado e ameno, harmonizando-se com a parte mais compacta e retangular, e conferindo uma certa nota de delicadeza ao conjunto. É uma espécie de inteligente e linda compensação. Por outro lado, o que poderia haver de excessivamente simétrico e harmônico nesse corpo é atenuado por uma pequena chaminé que torna ainda mais variada a sua fachada.

Enquanto essa parte do edifício se apresenta simples e digna, a do meio, talvez mais antiga, tem o tônus de um palácio. Pelo pórtico de entrada, em forma de arco, característico das casas nobres, passavam fidalgos a pé ou em elegantes carruagens. Sobre ele, um balcão de formas muito bonitas, adornado com prestigiosos lavores de metal, e janelas encimadas por ricos enfeites  arquitetônicos, quiçá deitando luz em salões decorados com extremo bom gosto e categoria, onde o prefeito recebia outrora príncipes e monarcas e onde oferecia suas festas e recepções.

O telhado em cuja base ostenta-se um grande relógio, próprio aos edifícios públicos é trabalhado com linhas muito delicadas. Eleva-se, abre-se um tanto e depois se fecha, obedecendo à idéia (um  tanto barroca) das coisas que se dilatam e se encerram. É coroado por uma cúpula que já fez as vezes de campanário e de mirante, a partir do qual vigiava-se os arredores, pronto para soar o alarme em caso de perigo.

Este corpo do edifício ficaria monótono, ele também, se não terminasse em algo de leve. A arte antiga procurava sempre apresentar as coisas majestosas com uma certa suavidade, donde a  presença desse campanário, espécie de síntese para a qual caminha todo o conjunto. Porém, ele próprio seria sem graça, caso lhe faltasse o arremate da flecha que se lança para o céu. É como uma última harmonia do edifício antes de ele expirar. Assim, toda a delicadeza dele culmina num ponto de sublimidade, a máxima expressão do que ele possui de gracioso e aristocrático, de construção feita para abrigar pessoas de requintada educação, sem deixar de ser forte e senhoril.

Já o terceiro corpo seria um edifício tão modesto quanto o da outra extremidade, não fosse um certo aspecto de apalaciado e uma especial dignidade que lhe confere o conjunto de janelas das suas mansardas. Primorosamente concebidas e trabalhadas, elas prolongam, por assim dizer, a nota aristocrática do prédio central. A harmonia geral é estabelecida pela sensação de estabilidade que o
conjunto nos transmite. Estabilidade não apenas horizontal, de algo que não cairá no rio, mas altaneira, perpendicular: tem-se a impressão de que o corpo do meio, tão alto, tão elevado, exprime, em termos de distinção e de nobreza, o que o primeiro manifesta em termos de solidez. De maneira tal que o edifício todo, apesar da audácia da sua parte suspensa no ar, parece equilibrado.

Por outro lado, a própria ordem na qual esses três corpos chamam a atenção do observador, reforça essa idéia de harmonia e estabilidade. De fato, o primeiro olhar recai logo sobre a construção central; depois, caminhando de semelhança em semelhança, fixa-se na fachada das mansardas e, por fim, no corpo que se projeta sobre as águas. É a gradação perfeitamente sincronizada: do muito nobre para o semi-nobre, terminando no burguês.

Poder-se-ia passar muito tempo admirando-o, que ele nos sugeriria sempre novos simbolismos e correlações. Digamos, por exemplo, que ele reflete a virtuosa cooperação dos elementos da hierarquia social. Todos aconchegados e agrupados entre si, cada um com sua fisionomia própria, e todos constituindo um conjunto harmônico. Não por serem iguais, mas diferentes, com suas transições, suas gradações, suas sucessivas semelhanças e dessemelhanças, pelas quais toda verdadeira hierarquia se mostra proporcionada e se justifica, em que ela liga as partes em vez
de as desligar.

Temos, assim, os mil pormenores que asseguram ao edifício da Prefeitura de Bamberg, como a tantos outros da antiga Alemanha, uma nota de estabilidade, de força, de dignidade, de nobreza e, ao mesmo tempo, de bonomia, que é a característica dele, tão cheio de fisionomias diversas e, por isso, tão agradável de ser olhado. É mais uma relíquia da sacrossanta Europa que, infelizmente, tantos europeus de hoje já não compreendem mais… (Revista Dr.Plinio, Maio/2002, n. 50, pp. 32 a 35).

 
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