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Plinio Corrêa de Oliveira


Hino de sabedoria, humildade e grandeza
 
AUTOR: PLINIO CORREA DE OLIVEIRA
 
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A promessa feita a Abraão acabava de ser cumprida: Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das Nações. Inspirada pelo Altíssimo, Ela compôs este maravilhoso cântico, joia inapreciável de louvor a Deus.

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o Magnificat é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, no qual Deus canta sua própria glória através dos lábios da mais amada de suas filhas. Trata-se também de uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, transmitida aos homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

A exultação em Deus, seu Salvador

O cântico se inicia com a palavra magnificat – do latim magnus, isto é, grande – para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada. Reconhece-se assim que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

Evangelho da visitação
41 Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria,
a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou
cheia do Espírito Santo. 42E exclamou em alta
voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito
é o fruto do teu ventre. 43 Donde me vem esta
honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?
44 Pois assim que a voz de tua saudação chegou
aos meus ouvidos, a criança estremeceu de
alegria no meu seio. 45 Bem-aventurada és tu que
creste, pois se hão de cumprir as coisas que da
parte do Senhor te foram ditas”. 46 E Maria disse:
“Minha alma glorifica ao Senhor, 47 meu espírito
exulta de alegria em Deus, meu Salvador, 48 porque
olhou para sua pobre serva. Por isso, desde agora,
me proclamarão bem-aventurada todas as gerações,
49 porque realizou em mim maravilhas aquele que
é poderoso e cujo nome é Santo. 50 Sua misericórdia
se estende, de geração em geração, sobre os que o
temem. 51 Manifestou o poder do seu braço:
desconcertou os corações dos soberbos. 52 Derrubou
do trono os poderosos e exaltou os humildes. 53 Saciou
de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos.
54 Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,
55 conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão
e sua posteridade, para sempre” (Lc 1, 41-55)

A alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor Se revelava desta forma o Magno por excelência. E, em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo – E o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador”.

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra exultação. Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus A salvou de modo extraordinário, superexcelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillæ suæ – Porque olhou para a humildade de sua Serva”.

Em consequência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est – Porque Me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-Se grande pela força d’Ele.

Há nessa passagem um interessante ensinamento que deve ser considerado. Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo Se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que A cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que tal glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

“Et sanctum nomen eius – E o seu nome é santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua Serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – E a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens em todas as épocas da História. Com uma restrição, porém: “timentibus eum – aqueles que O temem”.

Eis outra importante lição a ser colhida do Magnificat. O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu Vos amaria; ainda que não houvesse inferno, eu Vos temeria”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que possui acima de nós, recearíamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem – não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade –, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”.

Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Uma extraordinária ação da misericórdia divina – muito provavelmente a rogos de Maria – havia se estendido sobre uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder de seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

Nossa Senhora do Socorro,
por Bernardino Mariotto
– Museu Cívico de
Morrovalle (Itália)

Entendamos o que significa “manifestou o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar que no julgamento de Nosso Senhor deu-se o contrário, uma vez que Anás, Caifás, Pilatos e congêneres se achavam nos seus tronos quando O perseguiram e mataram.

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até então desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na sequência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela Se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. Aos pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Ele os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum, recordatus misericordiæ suæ – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia”.

Quer dizer, o povo eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a quem Deus enviaria ao mundo, recordando que sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in sæcula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das Nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o Magnificat, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe. (Revista Arautos do Evangelho, Maio/2019, n. 209, p. 22-25)

Extraído, com pequenas adaptações, da revista “Dr. Plinio”. São Paulo. Ano VI. N.64 (Jul., 2003); p.21-24

 
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