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Plinio Corrêa de Oliveira


Maravilhas do espírito da Igreja: Reflexões na festa de São Pio I
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 11/10/2019
 
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Enquanto as areias dos circos romanos se embebiam do sangue dos mártires, os desertos se povoavam de eremitas e penitentes. Assim era nos tempos do Papa São Pio I, ele mesmo imolado por ódio à Fé cristã. Ao comentar a vida deste Sumo Pontífice, Dr. Plinio nos faz admirar a santidade da Igreja a qual, em meio às maiores vicissitudes, sempre triunfou sobre as portas do inferno, conforme lhe prometeu o Divino Salvador.

Papa São Pio I na fachada da Catedral de Notre-Dame de Paris

No dia 11 deste mês (julho), celebra-se a festa de São Pio I, Papa e mártir do século II. Sobre ele encontramos alguns interessantes dados biográficos, extraídos da obra Vie des Saints, do Padre J. E. Darras. Narra-nos este:

São Pio I nasceu na cidade de Aquiléia [Itália], e sucedeu a Santo Higino na Sé Apostólica. Foi amigo de São Policarpo e São Justino, o Apologista, lutando com eles contra a heresia gnóstica que assolava a Igreja. Fez um especial decreto para que o sacerdote, ao celebrar, cuidasse das espécies sagradas. Por exemplo, se por negligência deixasse cair uma gota do sangue de Nosso Senhor, deveria penitenciar-se por quarenta dias. Se o sangue caísse sobre o altar, e não no solo, a penitência seria somente de três, quatro ou nove dias, conforme a quantidade derramada. Prescreveu o máximo respeito ao vinho e ao pão consagrados, exigindo que neles não se permitisse a mínima profanação. Testemunhava assim a grande fé da Igreja na presença real de Nosso Senhor na Eucaristia.

Consagrou ainda a igreja de Santa Pudenciana, no palácio onde São Pedro e São Paulo haviam trabalhado. Depois de ter governado a Igreja por nove anos, São Pio I foi martirizado sob o Imperador Marco Aurélio.

Nas catacumbas, um perfeito trabalho de estruturação

Trata-se, portanto, de um papa que exerceu suas funções ainda no período das perseguições, e em pleno apuro que cercava os católicos fez este trabalho admirável — ao qual muitos papas estiveram associados — de organização interna da Igreja.

A epopeia de São Pio I nos leva, assim, a considerar um fato muito importante e talvez pouco apreciado, que é o seguinte. Durante o período catacumbal a Igreja se viu perseguida, pisada, calcada aos pés, deitando sangue por todas as vertentes e por todos os poros. Quando Constantino a liberta, ela sai das catacumbas e passa a viver à luz do dia, apresentando desde logo uma organização perfeita e acabada. Possui uma hierarquia estruturada, um direito próprio, uma liturgia definida, um depósito estabelecido de doutrina, etc.

Quer dizer, desde a chegada de São Pedro a Roma e das viagens dos apóstolos — especialmente as de São Paulo — até o momento em que a Igreja adquire a emancipação, houve dentro das catacumbas um imenso trabalho de organização. E surge uma entidade se declarando e sendo imortal, de caráter universal, a primeira até então existente. Estruturada com sabedoria, critério e acerto tais que, quando abandona os subterrâneos de Roma, basta-lhe continuar a viver.

Vê-se por esse fato a maravilha de serenidade e sapiência que foi a Igreja em relação ao perigo. Dir-se-ia que uma obra tão delicada quanto a de fazer germinar a estrutura eclesiástica de dentro de suas próprias sementes pediria, normalmente, uma situação de calma e tranqüilidade invulgares, pois os homens atormentados com a perseguição não poderiam cogitar em outra coisa. Porém, o contrário é a verdade. Durante todo aquele período em que se achavam acuados, acossados, no risco de caírem de um momento para outro nas mãos do carrasco, tais homens continuavam a pensar, a rezar, e nas catacumbas, entre as invasões dos soldados romanos, aperfeiçoavam uma parte da liturgia, estruturavam um ponto da doutrina, criavam um costume novo.

Havia, pois, essa calma e essa serenidade extraordinárias na perseguição, conjugando-se harmonicamente com a paz de alma da qual os cristãos davam provas na arena. Aquela sobranceria e tranqüilidade diante da morte não se manifestavam apenas na hora patética em que eram postos na presença das feras e dos verdugos, mas constituía todo um estado de espírito sapiencial. Esta sabedoria os levava a se conservarem confiantes e plácidos ante os perigos que sentiam, cuja profundidade às vezes lhes fazia vibrar o instinto de conservação. Mas, apesar de tudo, fazia-os também construir, pedra por pedra, o edifício admirável da Igreja.

Florescimento do eremitismo

Ainda nessa época de São Pio I teve início uma das realizações mais belas da Igreja, como aspecto positivo de sua organização: o eremitismo.

Apavorados diante das crueldades e perseguições nos circos romanos, muitos cristãos fugiam para o deserto a fim de não serem presos pela polícia do imperador. Principiavam então uma vida isolada, a existência eremítica de contemplação. Desta sorte, o estado contemplativo começou a nascer dentro da Igreja ao mesmo tempo em que floresciam os mártires.

Vê-se por aí quantas riquezas desabrochavam na Igreja e que panorama admirável de sua gesta naquele período nos é dado observar. Os mártires se multiplicavam, o apostolado crescia e a Esposa Mística de Cristo penetrava por toda parte. De outro lado, ela se enclausurava e o estado contemplativo se expandia. Tudo isso a uma vez, como produto, expressão, fruto de uma germinação admirável!

Ação do Espírito Santo na Igreja ao longo dos séculos

Poder-se-ia perguntar o que há por trás de todo esse espetacular desenvolvimento. E a resposta recairia sobre algo para o qual é preciso sempre chamar a atenção: a presença do Espírito Santo na Igreja Católica Apostólica Romana.

O que constitui propriamente a Igreja não é apenas o fato de ela ser uma sociedade de pessoas definidas, isto é, o Papa, os bispos, os clérigos e os fiéis. Além desse elemento humano, há algo que se chama o espírito da Igreja. E este espírito é a continuidade, dentro dela, de uma determinada mentalidade, de uma sabedoria, da fé e da virtude que existem na Igreja, não por obra do homem, mas devido a um fator sobre-humano.

Trata-se dessa ação do Espírito Santo pela qual, através dos séculos, em todos os lugares os bons católicos se entendem, se conhecem, se apoiam. Eles são um só, e quando morrem, outros lhes sucedem com a mesma mentalidade, o mesmo espírito e até mais característicos que seus antecessores.

Por exemplo, tenho a satisfação de me dirigir a pessoas provenientes de alguns países hispânicos, bem como a brasileiros de todos os quadrantes que receberam a hereditariedade de inúmeros contingentes de imigração. Entretanto, nos entusiasmamos por formas de pensar e sentir, estilos de vida, pelo espírito de uma era que não conhecemos, que é a da Igreja do século II. E temos entusiasmo porque isto não foi inventado por nós, mas resultou de uma tradição transmitida por nossos maiores. É o espírito da Igreja, ou seja, é o Divino Espírito Santo, que realiza essa continuidade entre nós e aqueles que “nos precederam com o sinal da Fé”, marcados com a mesma cruz.

Somos fagulhas da fogueira da Igreja

A esse propósito, lembro-me de que certa vez um sacerdote me ouviu com fisionomia muito embevecida quando lhe falei a respeito de nosso grupo. Percebendo-o tão agradado, perguntei-lhe.

— Padre, o que o senhor está apreciando nesses meus comentários?

E ele me disse:

— É o lado teológico da coisa, porque na efervescência desse espírito e dessa atividade dos senhores está a vida da Igreja. É exatamente o espírito dela que os orienta e os move a essas realizações.

Portanto, nós não somos senão rebentos da Igreja Católica Apostólica Romana.

Sem dúvida, todos já tiveram oportunidade de observar uma fogueira acesa durante a noite. E verificaram este fato: de vez em quando se desprende uma fagulha, eleva-se pelos ares e cai de novo no meio do fogo. Assim também, somos fagulhas que se evolam da Igreja Católica, porém sempre ligados a ela. Não somos senão pedras do seu edifício, amorosas e encantadas de pertencerem a ela. E qualquer coisa que em nós possa haver de bom, é fruto dessa pertencença à Igreja, templo do Espírito Santo, do qual nascem todas as formas de boas disposições, de virtudes, de Contra-Revolução, etc. Esse é o processo espiritual pelo qual se forma um movimento como o nosso.

E vale dizer, existe uma semelhança de situação entre os fiéis do tempo de São Pio I e o nosso grupo. Certo, não sofremos em nossos países a perseguição cruenta, mas sim a incruenta, manifestada pelo fato de sermos muito combatidos. Contudo, Nossa Senhora nos ajuda para, em plena luta, irmos construindo pedra por pedra nossa obra, a qual vamos estruturando, explicitando sua doutrina, estabelecendo uma organização, tornando cada vez mais protuberante um determinado espírito, a fim de que, quando chegar o dia do triunfo do Imaculado Coração de Maria, a Igreja tenha recebido um contributo de filhos que a serviram com dedicação. Estas são algumas reflexões que a festa de São Pio I nos deve sugerir. (Revista Dr. Plinio, Julho/2004, n. 76, p. 18 a 21).

 
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