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Plinio Corrêa de Oliveira


O Marechal Foch em seu estado-maior: Serenidade imperturbável
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 17/12/2019
 
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Continuemos a acompanhar os comentários de Dr. Plinio a um artigo sobre o Marechal Foch, escrito pelo seu braço direito, o General Weygand. Além de salientar a calma invariável que aquele insigne comandante manteve durante as batalhas, tece Dr. Plinio importantes reflexões a respeito da docilidade e da rapidez com as quais um inferior — militar ou religioso — deve atender às indicações de seu superior.

Marechal Ferdinand Foch

Dando prosseguimento à leitura do artigo do General Weygand, este relata: É freqüente também que eu seja colhido por esta frase: “Eis a idéia que tive enquanto fazia a barba”.

Compreende-se que Foch desejasse uma vida sossegada para ser capaz de, por exemplo, cogitar enquanto fazia a barba. É um homem de pensamento. Quanta diferença com certos espíritos “elétricos”, tão em voga, cuja existência transcorre muitas vezes alheia ao hábito de refletir.

Necessidade de se adaptar ao superior

Prossegue o articulista:

Depois de tê-la exposto, o general acrescenta, conforme o caso: “falemos disso” ou “pense nisso”. A idéia pode ser totalmente nova para mim, ou relacionar-se com o desenvolvimento de um trabalho em vias de realização, ou um projeto já visualizado.

Uma das aflições de certos subordinados consiste em ter de se adaptar a seu superior. Sei que coloco à prova vários de meus colaboradores imediatos quando, durante uma conversa, lanço uma idéia nova. Às vezes noto que algum deles, embora sem demonstrá-la, sente na alma uma contração, porque o novo pensamento vai obrigá-lo a mudar seus planos e perspectivas, adquiridos com dificuldade. No fundo, essa reação é causada por nervosismo ou preguiça, que poderiam ser assim expressos: “Como? Maturei sua idéia anterior, fiz mil projetos e comecei a executá-los. Agora ele me apresenta outra completamente diferente, mais ampla e complicada, exigindo de mim outros estudos. Não suporto esse sistema.”

Foch, à direita, diante de Joffre, primeiro generalíssimo das tropas aliadas

Ora, Weygand dá a entender que ele é “pau para toda obra”: está sempre disposto a seguir as indicações do Foch, sem titubear. Trata-se de um estilo de colaboração “planeta–satélite” 1

Nesse sentido, creio não cometer uma descortesia dizendo que alguns não são, em relação aos ideais católicos que se lhes aponta, como Weygand. É verdade que o fator “geração-novismo” 2 é um obstáculo; porém meus ouvintes devem conhecer o ideal a atingir, admirá-lo e amá-lo. E, contando sempre com a ajuda de Nossa Senhora, fazer esforço para assimilá-lo e praticá-lo.

Preservando o recolhimento

Continua o Weygand:

Isso mostra que sou freqüentemente levado a passar, no começo do dia, um tempo bastante longo com o general, às vezes várias horas. Alguns dias, se a matéria é menos fecunda, ou ele quer dispor de seu tempo para um trabalho pessoal, ou ainda um visitante nos interrompe, posso voltar mais rapidamente a meu escritório. Porém não é raro que, depois de um momento, o general apareça na moldura de sua porta e me chame com um gesto de sua mão direita, ao mesmo tempo que, se não estou só, por um gesto inverso da mão esquerda ele detém toda veleidade de movimento da parte de meu interlocutor.

Quer dizer, se um interlocutor de Weygand desejasse falar com o Marechal para, por exemplo, contar a última notícia e assim se pôr em evidência, Foch lhe fazia um gesto indicativo de sinal vermelho. Por quê? Para não perturbar o recolhimento de espírito.

De passagem, faço notar como esse artigo é sumamente bem redigido para quem queira colher os ensinamentos que ele contém.

Nesse caso, a menos de uma indicação raramente dada, não sei nunca por quanto tempo ficaria no escritório de meu chefe. Posso dizer que, via de regra, a maior parte de minha manhã, senão minha manhã inteira, lhe pertence.

Percebe-se aqui o satélite que dá seu tempo ao planeta, e não tem paixão de permanecer em seu próprio escritório, para reinar sobre seus subordinados. Pelo contrário, ele aceita  acientemente ser súdito durante tanto tempo quanto for necessário. É um exemplo que ilustra bem o jogo planeta–satélite.

Dignidade e exatidão militares

A mesa do general, sua alimentação diária, está sempre instalada na casa onde ele mora.

Quer dizer, nada de refeições improvisadas no escritório, sistema “sanduíches”…

Além dos oficiais ligados à sua pessoa, os comensais habituais do general são: o chefe do estado-maior, o comandante Desticker, assim como Tardieu e Réquin, os oficiais do período heróico do Marne. A refeição, sem ser atabalhoada, não dura senão o tempo necessário.

Portanto, nada de atabalhoamento, por julgar que os inimigos estão chegando. Acaba de comer calmamente, e em seguida volta ao trabalho. 

A alimentação é substanciosa, o serviço digno, mas não rebuscado.

Ressalto a palavra “digno”, isto é, à altura de um (até então) general de França. A alimentação é boa, mas sem delícias. Estas são próprias às festas e não para o quotidiano de uma guerra, pois criariam a apetência da preguiça, do não-esforço e do medo. Em outros termos, inutilizariam o homem para o combate.

A exatidão imposta pelo general aos seus comensais tornou-se legendária. Conta-se que quando eu chegava atrasado, devia tomar minha refeição numa mesinha à parte. É inexato, porque nem eu nem qualquer dos oficiais que tinham a honra de estar à mesa, jamais nos permitimos um atraso.

Observem a ufania de Weygand ao contar que ele obedecia ao Foch. Veja-se a diferença em relação a certo tipo de pessoas que se vangloriam de não se submeter aos superiores.

Por mais tensa que seja a situação, as horas nunca são modificadas. Quando as circunstâncias o exigem, a refeição se faz em alguns minutos e se retorna imediatamente ao trabalho.

Portanto, não se pode ser “quadrado”. Quando as circunstâncias o exigem — chamo a atenção para o verbo “exigir” — come-se depressa.

Confiança e serenidade

E nunca uma crise, qualquer que seja sua gravidade, traz modificação a esse regulamento de vida. Esta regularidade, aliada à calma imperturbável de nosso chefe, cria uma atmosfera benfazeja, de confiança e serenidade, e chama a atenção de outros oficiais que estes períodos movimentados trazem a nosso estado-maior.

Weygand faz mais um elogio de Foch: homem imperturbável. E assinala como a regularidade e a calma geram um clima de confiança e serenidade, condição essencial para se realizar um trabalho sério. Ou, muito mais do que isso, uma luta séria. Porque lutar é mais do que trabalhar. Mais do que lutar, é pensar; e mais do que pensar, é rezar.

O General Foch possui um excelente apetite. A refeição transcorre sem constrangimento. O general dela proscreve os assuntos de serviço…

Ou seja, é proibido aproveitar-se do almoço ou jantar para fazer uma pergunta, dar uma informação que não se teve meios de apresentar noutro momento. Nas refeições
não se fala de serviço. Considere-se que, neste caso, o serviço é a guerra: o mundo está explodindo, a França rachando. Mas, na hora de comer, não se fala de batalhas.

…mas deixa muita liberdade à conversa, se bem que nela não tolere nem imoralidade nem maledicências.

Como essa é uma postura esplêndida, e tão diversa da que se encontra em ambientes de caserna!

A verve, um elemento de guerra

Sua verve borbulhante a reanima quando necessário, com uma palavra que reacende a conversa, pois ele conhece o lado pitoresco das pessoas e das coisas e o exprime de modo engraçado, entretanto jamais malevolente. Nas horas graves, nas quais é preciso mais do que nunca não falar dos assuntos preocupantes, o menu serve de
matéria um pouco artificial para essa vivacidade que nos esforçamos em manter.

Verve é a animação da prosa. Um homem que é general, sobre cujos ombros pesam os destinos do mundo, nas horas das refeições tem uma verve borbulhante! Trata-se de uma pessoa de categoria. Ele sabe, com suas palavras, dar um beliscão, proferir um dito engraçado, sem que isto signifique maledicência, mas um condimento para a conversa se manter animada.

E não se devendo falar da gravidade da situação, muitas vezes falta assunto. Então comentam o cardápio, e todos cooperam em sustentar a leveza da conversa, porque é hora de refeição. Assim procedem, não para gozar a vida como paxás, sibaritas inconseqüentes, mas para conservar a necessária serenidade de espírito em meio às aflições da guerra.

As clássicas jocosidades sobre a detestável qualidade de sua cozinha, e a falta de imaginação de suas combinações culinárias evitam silêncios por demais pesados. O excelente tenente Boutal, que acumula estas funções com as de oficial de ordenança, sabe que valor dar a essas censuras e as aceita de boa vontade.

Quer dizer, o encarregado da cozinha sabe que tais críticas são exageros e jocosidades, à falta de outro tema, pois Weygand antes afirmou ser boa a qualidade da comida. Percebe-se que esse tenente cozinheiro não era um homem de ressentimentos, e sabia suportar coisas dessas, para que a batalha caminhasse bem. Sim, porque se alguns levam tiro, ele bem pode agüentar algumas brincadeiras, até injustas. Não se toma de dodói nem incomoda o Foch, dizendo-lhe a todo momento: “General, estou com dor de cabeça e acabrunhado; quero conversar com o senhor em particular.”

Apreço admirável pela calma

Depois do almoço, o general sobe um instante a seu quarto e por volta das 13:30h retorna ao estado-maior. Se alguma visita ao “front” não está prevista, essa é a hora do passeio a pé. Somente um tempo insuportável pode fazê-lo suspender. Dura pelo menos uma hora, e se faz sempre em pleno campo. Nesses passeios, o general leva consigo um companheiro, jamais dois, e é necessário uma circunstância particular para que esse companheiro não seja seu chefe de estado-maior.

Temos então a rotina do Foch: refeição tranqüila, comida substanciosa, pequeno repouso. Em seguida, um passeio a pé, de pelo menos uma hora, que só será descartado se o clima ruim não permitir fazê-lo. Nem as notícias sobre o desenrolar da guerra o desviam dessa toada.

A meu ver, essa conduta reflete o admirável apreço do Marechal Foch pela calma. (Revista Dr. Plinio, Novembro/2006, n. 104, p. 18 a 23)

1) Segundo Dr. Plinio, um discípulo deve ter para com seu mestre uma relação feita de harmonia e sincronia, à semelhança do que se verifica entre um planeta com seu satélite natural.
2) Debilidade própria ao “geração nova” (cf. Dr. Plinio nº 81).

 
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