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Plinio Corrêa de Oliveira


Restava enfrentar a última batalha
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 14/04/2019
 
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No alto da Cruz, Nosso Senhor já havia passado pelos mais atrozes sofrimentos. Entretanto, Ele ainda padeceu a aridez, outras terríveis aflições e enfrentou a última batalha, antes de morrer. Sofreu para resgatar as almas que se encontravam no Limbo, os homens que estavam na Terra e todos os que existirão até o fim do mundo.

Eu gostaria de comentar alguns aspectos do crucifixo que se encontra na Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei, Minas Gerais. Desejo, assim, chamar a atenção para uma das formas de dor que mais caustica o mundo contemporâneo. O homem hodierno está sofrendo? Está. Mas ele mais sofre da dor que ele percebe que caminha em direção a ele, do que da dor que está padecendo. A previsão da dor é, muitas vezes, pior do que a própria dor.

O lance final mais tremendo do que todos os outros

Esse crucifixo consegue, de um modo impressionante, tornar claras duas posições da alma de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. Quer dizer, da sua humanidade ligada hipostaticamente à sua divindade, e colocada diante do tormento da dor que vai cair sobre Si, dominada por um pânico correspondente à reação de toda a natureza humana, mas que não cede e avança, que está resignada e, ao mesmo tempo, apavorada.

Notem como o olhar está fixo, aberto e até arregalado, e não presta atenção em nada a não ser no espectro de uma dor tremenda que Lhe vem por cima. Toda a Paixão está para trás, Ele já sofreu tudo e está crucificado. O que Nosso Senhor olha tão fixamente, com tanto pavor, tão desoladora e varonilmente de frente?

Para compreender bem isso, deitem a atenção na boca, meio entreaberta, prestes a pronunciar uma palavra que já não tem força para articular. Considerem as sobrancelhas arqueadas e muito acima das cavidades oculares. É a morte que vem… É o fim! Depois de tanto e tanto sofrimento, é aquele momento extremo de dor, no qual o Divino Redentor vai bradar: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?” (Mt 27, 46). E depois inclinará a cabeça e dirá: “Está tudo consumado” (Jo 19, 30). O oceano das dores foi bebido e está tudo feito.

Eis o lance final, trágico, mais tremendo do que todos os outros, aos quais se acrescenta um dilúvio de dores, à vista de cujo horror vemos Nosso Senhor Jesus Cristo estremecer e ainda enfrentar a última batalha.

Há um versículo que se refere profeticamente a Ele dizendo: “Ego autem sum vermis et non homo, opprobrium hominum et abiectio plebis. – Eu sou um verme e não um homem, o desprezo de todos os homens e o escárnio do povo” (Sl 22, 7). Ei-Lo no alto da Cruz, sofrendo tudo isso para resgatar as almas que se encontravam no Limbo, as que estavam na Terra e as de todos os homens até o fim do mundo.

O Salvador tem sede da alma de cada um de nós

É muito importante compreendermos que Nosso Senhor Jesus Cristo era o Profeta perfeito, porque profetizou e cumpriu a sua profecia. Os outros profetas previam o que Deus faria; Ele, sendo Deus, profetizou e realizou tudo quanto profetizara. Ora, esse Profeta previu no seu interior todos os pecados cometidos na humanidade até o fim do mundo. Por isso, nesse olhar há doçura, amor, e este amor se volta para cada um de nós. Inclusive àqueles dentre nós que estejamos mais longe d’Ele, por nossa culpa, nossa culpa, nossa máxima culpa… Nesse crucifixo o olhar é de quem diz: “Se for preciso sofrer tudo por esse, Eu sofro! Ainda que ele rejeite tudo isso, Eu ainda sofro mais para ver se, afinal, ele aceita.”

“Sitio – Tenho sede” (Jo 19, 28), disse Nosso Senhor no alto da Cruz. Quanto gostaríamos de dar água para Ele beber! Ora, Ele tinha sede de almas. O Salvador tem sede da alma de cada um de nós! Portanto, essa água nós podemos Lhe dar! É a nossa alma, o nosso interior, a nossa boa vontade, a nossa contrição.

Peçamos para nós, por meio de Nossa Senhora que está aos pés da Cruz, uma contrição profunda que emende as nossas almas e faça de nós uma razão de alegria para seu Divino Filho. Assim poderemos dizer: “No alto do Calvário, eu fui para Ele uma alegria e não uma dor.”

Penetrou pelos precipícios da morte porque quis nos salvar

Em outro ângulo pelo qual se contempla esse crucifixo, Nosso Senhor parece não tanto apavorado, mas derrotado. E a compaixão, ao menos em mim, se torna mais viva. O olhar d’Ele é igualmente fixo, aterrorizado, mas como quem entende não haver nada para fazer, pois Ele é o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo… A única coisa que resta é padecer a pancada atroz e injusta que Ele, inocente, sofrerá por nós, culpados, para podermos salvar as nossas almas. Devemos, pois, dizer do íntimo dos nossos corações aquela jaculatória recitada na Via Sacra e que sempre me impressionou muito, a qual rezo cada vez que passo diante do crucifixo presente em nossa Sede: “Adoramus te Christe et benedicimus tibi, quia per sanctam Crucem tuam redimisti mundum – Nós Te adoramos, ó Cristo, e Te bendizemos, porque pela tua santa Cruz, redimiste o mundo!”

Aí está o onipotente, o Homem-Deus. Há algumas horas perguntavam-Lhe se era Jesus, o Nazareno, e Ele respondeu: “Eu sou.” E tal é o poder d’Ele que todos caíram por terra (cf. Jo 18, 4-6). Nosso Senhor poderia pôr de cara no chão essa multidão que estava em torno d’Ele e que O vaiava. Se Ele quisesse, poderia fazer entrar para os antros mais profundos do Inferno, naquele mesmo instante, a corja de demônios que andavam pelos ares atiçando os homens contra Ele. Nosso Senhor poderia descer da Cruz e, por um império de sua própria vontade, recuperar-Se em toda a força da sua juventude, na plenitude de seus trinta e três anos, a idade perfeita do homem. Mas Ele não quis. E podendo afastar-Se da morte com uma facilidade suma, penetrou pelos precipícios dela, porque Ele quis nos salvar!

Sem dúvida, temos sacrifícios a fazer para salvar nossas almas. Entretanto, como são menores – a perder de vista! – do que o que Ele realizou por nós! Diante disso, não teremos coragem de fazer o sacrifício que nossa salvação exige de nós? Que vergonha é essa?! O tema é tão augusto que quase não comporta a brutalidade da palavra que vou usar: que indecência é essa?!

Imploremos ao Divino Crucificado que nos dê força a fim de fazermos todos os sacrifícios para a salvação e santificação de nossas almas, e trabalharmos pela causa d’Ele e de Nossa Senhora no mundo contemporâneo. 

Tudo está toldado!

Vista por outro aspecto, a fisionomia de Nosso Senhor nesse crucifixo corresponde a uma situação para a qual não encontro no vocabulário português nenhuma palavra inteiramente adequada, como é o termo francês détresse. É uma aflição que estica ou contorce o homem de todos os modos, e para a qual não há remédio. Nosso Senhor Jesus Cristo parece olhar para o Padre Eterno, e não mais para os homens, e dizer: “Meu Pai, nem em Vós encontro compaixão!” Nessa hora, como que uma misteriosa cortina se interpôs entre a divindade e humanidade d’Ele. Esta encontrava-se na aridez, enquanto a sua divindade, no Céu, estava imersa na glória e na felicidade eternas, inseparáveis da natureza divina. Na sua humanidade, Jesus está olhando para o Céu, como quem diz: “Tudo está toldado, não há saída!”

Em quantas situações da vida nós temos a impressão de que tudo está toldado e não há saída! Nessas horas, saibamos rezar, pedir socorro por meio de Nossa Senhora, e certamente seremos atendidos pelo Céu.

Outra fotografia do mesmo crucifixo apresenta a pobre natureza humana colocada próxima à morte. “Mortis dolores circundederunt me – As dores da morte me cercaram (Sl 114, 3). Elas vão, dentro em pouco, me devorar. E, Homem que sou, tenho horror da morte! Mas Eu a quero para salvar os homens!”

Tem-se a impressão de que toda forma de aflição O esgotou tanto, que Ele está como que entregue e olhando as suas próprias dores como algo que já se apoderou d’Ele inteiramente. De maneira que só Lhe falta dizer consummatum est e morrer. O cálice está bebido. Dir-se-ia que houve um sobressalto, mas há algo da aceitação do fato consumado, onde está presente a doçura das resignações últimas.

Notem o aspecto impressionante da bofetada criminosa dada no rosto, e a chaga que abriu na face divina.

Ó Senhor, pelo Sangue de Jesus e pelas lágrimas de Maria, tende pena de mim!

Esses são os comentários sugeridos por essa esplêndida sequência de fotografias do crucifixo da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei. São palavras que nos predispõem para os sentimentos de contrição que devemos ter durante a Semana Santa.

O segredo das almas quem o poderá desvendar? Dentre os que lerão esses comentários poderá haver almas muito desanimadas, talvez sem esperança de se reerguerem inteiramente. Argumentemos diante da justiça divina com os méritos de Jesus, nosso Redentor, e de Maria Santíssima, Co-Redentora, e digamos:

“Senhor, não sou digno de vossa misericórdia, mas a misericórdia de vosso Filho já se exerceu em meu favor. Ele já verteu seu Sangue, e eu estava na lista dos filhos por quem Ele morreu, pois sou homem, e Nosso Senhor quis morrer por todos os homens. Fui remido, e quando Nossa Senhora chorou, verteu lágrimas também por mim. Eu alego esse Sangue e essas lágrimas, e Vos digo, por meio de Maria Santíssima: Ó Senhor, pelo Sangue infinitamente precioso de Jesus e pelas lágrimas de Maria, a quem amastes tão especialmente, Senhor, tende pena de mim!” É o que cada um de nós deve dizer na Semana Santa. (Extraído de conferência de 3/4/1985) – (Revista Dr. Plinio, Abril/2019; n. 253; pp. 31 a 34)

 
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