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Plinio Corrêa de Oliveira


Saudades e cristã resignação
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 23/07/2019
 
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Na viagem à Europa em 1950, Dr. Plinio teve oportunidade de visitar a maravilhosa Sevilha, tema de uma expressiva carta para sua saudosa mãe. De lá foi a Portugal.

De Barcelona Dr. Plinio seguiu para Sevilha. Não imaginava que, ao descer do avião, algo lhe faria recordar sua mãe, tão distante. Com efeito, no jardim do aeroporto floresciam gerânios de um rubro arrebatador, estuantes de vitalidade. Pareciam feitos para Dona Lucilia pousar sobre eles seu admirativo olhar e com encanto comentá-los. Seria este apenas o primeiro dos incontáveis aspectos a atrair a atenção de Dr. Plinio na pitoresca cidade.

Impressões de Dr. Plinio a respeito de Sevilha

Em geral com grandes olhos escuros e grossas sobrancelhas, o sevilhano, inteligente e ágil, possui espírito rico e variado, e é muito capaz de sínteses à maneira do brasileiro.

As ruas estreitas ziguezagueiam de modo inesperado e cheio de charme, desembocando onde menos se imagina, o que lhes confere um certo ar de reserva e mistério. Quem por elas caminha quase não ouve ruídos, mas percebe olhares… Em razão do calor, as venezianas das residências ficam semicerradas. Porém deixam sentir por trás, a acompanhar o transeunte estrangeiro, olhos que observam, muito ágeis, meio desconfiados. Tem-se a impressão de que um olhar avisa o outro: “Lá vai o estrangeiro! Quem é? O que quer? Como pensa ele?”

Depois de ter conhecido a magnífica catedral, Dr. Plinio visitou a famosa torre da Giralda, construção mourisca de 80 metros de altura. Os arquitetos adornaram ali as paredes com janelinhas, entremeando-as com desenhos em relevo, verdadeiro rendilhado que causa impressão de tapete. Dr. Plinio gostou tanto que formou o projeto — sobre o qual terá trocado idéias depois com Dona Lucilia — de um dia mandar executar, numa fazenda, enorme jardim, copiando com flores e jatos d’água tais desenhos.

Por fim, realizou ele um antigo desejo: visitar a Torre del Oro. Também mourisca, de forma octogonal, ela se reflete de modo lindo no legendário rio Guadalquivir.

Ao cair da tarde, Dr. Plinio notou as ruas de Sevilha começarem a se encher de caleches dos antigos tempos, puxadas a cavalo. Os cocheiros, em belos trajes, transportavam distintos cavalheiros e elegantes damas que, por onde passavam, saudavam afavelmente o povo que os observava das calçadas. Como num conto de fadas, a cidade parecia acordar de um sono de 200, 300 anos. Dr. Plinio perguntou a um natural do lugar se haveria alguma festa, obtendo como resposta:

— Não, não! Às tardes, exceto no inverno, a nobreza sevilhana sai de casa a fim de tomar ar fresco.

À noite, ao escrever a Dona Lucilia, todas essas impressões lhe voltaram à memória. Resolveu então comunicar a sua mãe algumas delas:

Sevilha, 26-IV-1950
Mãezinha querida do coração
Querido Papai

Escrevo-lhes de um dos lugares mais bonitos do mundo. (…) Tive de acordar às 6! O avião Madri-Sevilha deveria levantar vôo às 8 no aeroporto de Barajas. Mas esta gente (…) exige a presença dos passageiros muito antes do embarque. Afinal embarcamos mal-humorados, e aqui chegamos; eu cochilei durante quase toda a viagem.

Mal pousamos em terra, chamou-me a atenção o jardinzinho do aeroporto: flores como nunca as vi em tamanho, cor e perfume. São lindíssimas. Pensei logo em Mamãe, e no prazer que eu teria em lhe oferecer rosas daqui. Depois verificamos, pelos campos que medeiam entre o aeroporto e a cidade, que aqui os prados são largamente floridos. É primavera. É preciso ter visto uma primavera sevilhana quem queira falar sobre assuntos da natureza.

Chegamos ao hotel Affonso XIII. É uma imensa construção de 1910 mais ou menos, em estilo regional: estrutura mourisca e decoração em estilo Renascença. O luxo é grande. Visitei o apartamento destinado aos Reis e encimado por uma coroa real. Um de seus hóspedes mais recentes foi o Rei Carol [soberano da Romênia de 1930 a 1940]. Mas maior que o luxo é o bom gosto. Estou escrevendo junto ao pátio interno, que é indescritível. (…)

Comungamos aqui, na Catedral gótica: parece um conto de fadas. Tem de alto uns 30m, de longo uns 100, e de largo uns 60. A floresta de colunas é admirável. Corresponde a tudo quanto se poderia desejar. É de encher a alma.

Gostaria eu de ir a Granada, que não é muito distante, mas não o poderemos fazer por falta de tempo.

Devemos estar em Madri quarta, indo ato continuo a Lisboa… onde espero encontrar correspondência em quantidade! (…)

Já escrevi a Rosée, Antônio, M. Alice, às Tias, ao pessoal todo do 6º andar. Espero que tenham recebido minha correspondência.

Para a Senhora, meu amor querido, milhões e milhões de beijos. Para Papai, muitos e saudosos abraços. A ambos peço a bênção. Plinio

P. S.: Recebeu a Sra. meu telegrama de Barcelona pelo dia 22?

“Gemidinhos” de saudade

Que sentimentos terão perpassado a alma de Da. Lucília durante a leitura dessas notícias e comentários? Um pouco ela deixa transparecer ao redigir, agradecida, uma pronta resposta a seu tão amado filho. Vemos aí, uma vez mais, a resignação com que generosamente oferece o sacrifício pedido a ela pela Providência, em favor dos interesses da Causa Católica e do próprio Dr. Plinio.

São Paulo, 6-V-950
Filho querido de meu coração!

Com imenso gosto, recebi tua carta de Sevilha, e estou ansiosa por receber outras de Fátima, Lourdes e Paris, e mais tarde, de Roma, do Vaticano, do Santo Padre, e enfim, a de tua volta! Meu filho, tenho imenso gosto de te ver fazer esta viagem, tão necessária sob todos os aspectos, e em tão boas condições, e excelente companhia de tão bons e dedicados amigos, e por tudo isso, dou infinitas graças a Deus, e a Maria Santíssima, que os acompanhará todo o tempo. E por isso, querido, não prestes atenção a uns gemidinhos que partem apenas das saudades, em que não devemos prestar atenção. (…)

Rosée tem escrito freqüentemente, e, graças a Deus, vão bem. Penso que estarão de volta nos primeiros dias de junho. Antônio ainda não veio da fazenda.

Não fui ainda ao mês de Maria, porque tem chovido, e esfriou muito, mas tenho no quarto, como sabes, a imagem florida, diante da qual rezo o terço, e mais a ladainha e outras orações, pelas bênçãos e felicidades do filho querido, de seus amigos, da filha, neta, do Antônio… etc.

Vê se escreves a tuas tias; sim? Me farias com isso muito prazer.

Yayá almoçou hoje aqui; está bem, e vai fazer um jogo de bridge em sua casa hoje à noite.

Chega de prosa? Termino enviando-te com minhas bênçãos muitos e muitos beijos e abraços. O sofá de jacarandá também tem umas saudades…!!! Mais um abraço, e mais um beijo, de tua mãe extremosa, Lucilia

A menção ao sofá de jacarandá diz respeito às prosinhas famosas entre Da. Lucília e Dr. Plinio, das quais já falamos anteriormente.

Postal vindo de Lisboa

O desejo expresso por Dona Lucilia na carta que acabamos de ver, de receber notícias a respeito de Fátima, foi atendido antes do que ela imaginava. Sim, porque talvez no mesmo dia 6 de maio tenha lhe chegado às mãos um belo postal com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, endereçado a ela e a Dr. João Paulo.

Lisboa, 30/4/1950
De Fátima, onde rezei por ambos, envio muitos abraços, beijos, saudades, e peço a benção. Plinio.
PS. É preciso dizer a Tia Zili que rezei por aquilo que ela pediu.

Na rápida passagem pela terra de Camões, Dr. Plinio teve oportunidade de observar traços bem característicos da alma portuguesa, presentes por certo na remota origem do modo de ser de Dona Lucilia. Era o caso da riqueza de afetividade e doçura lusas.

Essa nação de tal maneira havia requintado um sentimento, quiçá não tão desenvolvido antes, que chegaria a criar uma nova palavra, enriquecendo a alma e o vocabulário humanos: saudade. Era uma das razões pelas quais Dona Lucilia, embora nunca tivesse ido à terra de seus ancestrais, devotava-lhe grande amor. (Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias.)(Revista Dr. Plinio, Janeiro/2003, n. 58, pp. 11 a 13).

 
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