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Plinio Corrêa de Oliveira


Uma fortaleza cercada por todos os lados
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 20/02/2019
 
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O homem pode ser comparado a um castelo, cercado por inimigos que desejam dominá-lo. Ou travamos uma batalha inclemente contra as poternas abertas de nossa própria alma, adquirindo bons hábitos, ou então, num ponto onde conseguimos a virtude, entra o pecado venial e depois o mortal.

Dr. Plinio discursa no Teatro Municipal de São Paulo em 1965

Certa ocasião, após uma conferência minha no Teatro Municipal de São Paulo, uma pessoa deu-me este conselho:

– Você deveria fazer discursos mais complicados do que realiza.

Olhei-o espantado e perguntei-lhe:

– Por quê?! Disse-me ele:

– Porque você costuma dirigir-se a pessoas que não estão habituadas a entender as coisas, são muito simples. Então você reduz os assuntos às simplicidades delas. Resultado: elas pensam que o tema é muito fácil e não dão valor ao que você está dizendo.

Falta de agilidade

Não discuti com ele, mas o meu comentário interior foi o seguinte: não falo a fim de que se dê valor, e sim para que se entenda, entendendo se queira, querendo faça-se o que se deve fazer. É este meu objetivo ao falar. O juízo que as pessoas possam fazer de mim, no final das contas, pouco me importa. Quero chegar ao resultado concreto, em favor da Causa de Nossa Senhora.

Tomei, portanto, o hábito de, em todas as minhas exposições, começar a abordar o assunto pelo seu aspecto mais simples para, depois, ver como ele se ramifica em considerações de uma ordem superior.

Quando criança, quantas vezes me aconteceu isto: Eu via em torno de mim meninos com uma vida muito mais livre e agradável do que a minha. Porque não tenho uma primeira compreensão das coisas muito rápida. Uma vez que entendi, depois ando com uma relativa rapidez. Como resultado, meus estudos primários foram mais difíceis do que os secundários, e estes mais penosos do que os universitários. Tive, assim, de travar uma batalha para adquirir os conhecimentos primários, que me deixava envergonhado, porque eu tinha uma porção de colegas que aprendiam num relance. Embora eu seja totalmente brasileiro, não sei por que manifestava esse feitio de espírito pouco característico desta minha nação.

Eu percebia bem que meus colegas, com a agilidade de espírito que possuíam, se notassem essa minha lentidão, ririam de mim, chamando-me de burro. Então, eu queria esconder essa falta de agilidade, o que me tornava a vida difícil. De outro lado, era obrigado a estudar de fato.

Dificuldade no estudo de Geografia

Não imaginam o que representou para mim, por exemplo, o estudo de Geografia! Naquela época, exigia-se do aluno que soubesse de memória todos os limites dos 21 Estados brasileiros.

Ora, cada Estado tem pelo menos três ou quatro limites. Para saber instalar o minúsculo Estado do Espírito Santo entre a Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais é um problema, porque há limite de todo lado! Ainda bem que o Oceano Atlântico simplificava… Eu não tinha boa memória. Até instalar isso “a formão” na minha memória, que trabalho!


Lembro-me ainda de que sempre fui muito dado a analisar ambientes e costumes. Recordo-me de mim, no quarto de estudo das crianças em minha casa, sentado junto a uma mesa, aprendendo isso e aqui-lo, e olhando através de uma arcada do terraço para o jardim, vendo o Sol, a beleza da natureza, o espaço livre diante de mim, os tico-ticos… Eu gostava muito de olhar para os tico-ticos – e eles eram abundantes na São Paulo daquele tempo –, que saltavam de cá e de lá. E ficava, como toda criança, com vontade de empurrar de lado o estudo sobre os limites dos Estados do Brasil, mesmo porque eu tinha uma objeção indignada: Se isto está dentro do livro, por que tenho de decorar?

Outra objeção, ainda mais furiosa: O que se conclui disto? Entre o Espírito Santo e Minas – vou inventar, porque não tenho a menor ideia de quais sejam os limites – há, digamos, a Serra do Biapó e depois a do Catindé. O que vou fazer com a Serra do Biapó? O que se deduz disto? Nada. Se se concluísse algo, compreendo esse esforço para incrustar na minha memória estes dados. Se me dissessem que esse é o limite entre o Pará e o Amazonas dava na mesma. Por que tenho que aprender esta joça?!

E me responderiam:

– Precisa aprender, porque, do contrário, não passa no exame! Você tem que se formar e, para ser aprovado no curso superior, deve concluir o secundário, no qual há Geografia do Brasil. Portanto, precisa saber, não tem conversa.

Luta contra a moleza

Lembro-me de mim, certa ocasião, sentado junto à mesa, sozinho – minha irmã e minha prima, que estudavam habitualmente comigo, não estavam no momento –, bem em frente ao jardim, natureza bonita, luminosa, e eu sabendo que as consequências seriam muito desagradáveis se me fizesse ver no jardim: a governanta denunciaria, Dona Lucilia ficaria aborrecida e me passaria uma repreensão…

Eu pensava: “Está bem, não vou. Mas quem me proíbe de fechar este livro e ficar olhando para fora?”

O ambiente, o conjunto que aquilo formava não era mais bonito do que qualquer jardim visto por algum menino. Contudo, um jardim pode, em certas horas, deslumbrar uma criança. Vinha-me então a atração: Ah, o jardim! O dolce far niente, não fazer nada, que coisa agradável! Livro fechado, corpo largado, passeando com a alma pelo jardim. O tempo corre, corre, corre…

Cheguei a fazer isso e, em certo momento, notei que estava delicioso, mas percebi haver alguma coisa em mim como uma água a qual um ralo misterioso levava embora e me esvaziava, deixando-me mais mole. Em consequência, ficava menos propenso ao cumprimento do dever.

Qualquer obrigação se tornava para mim mais difícil.

Vinha-me, então, este pensamento posto pela retidão que havia em mim: “Esta moleira não lhe mete nojo? Você não vê que, se tomar este hábito, acaba mole? Você quer ser assim? Não percebe aonde isto o levará? Oh, horror! Por outro lado, ser enérgico e vencer isto, oh, maravilha!”

Começava, então, a luta interior:

– Que gostoso, hein? Que delícia, só mais um pouco…

Daí a pouco, a consciência acusava:

– Vamos parar!

– Não, porque agora está mais difícil do que antes.

– Mas se já está difícil, vai ficar cada vez mais. O que você quer é tornar o bom caminho cada vez mais penoso para você? Então, pelo menos diga para si mesmo que você escolheu o mau caminho. É isto que você está fazendo?

– Não, isto também não!

– Então seja franco. Corte já ou daqui a pouco vai ser mais difícil ainda. Grande gemido: “Que dificuldades nesta vida! Mas no total, é melhor cortar agora. Vou abrir o livro da Serra do Catindé…”

Em certa hora do dia, esse combate interno é lembrado e tem-se uma alegria, uma satisfação porque se venceu. O dia está mais leve, ganhou-se uma batalha.

Entretanto, vem um medo: esta batalha eu venci, mas foi duro. Ganharei as outras? Ou levo uma vida insuportável, tendo uma batalha assim todos os dias – na qual, cada vez que eu estiver prestes a querer fugir do estudo, começo a estudar mais ainda, agredindo a minha tentação –, ou sucumbo.

Eis, em ponto minúsculo, num episódio de infância, uma pequena batalha de muitas outras que tive de vencer contra a minha preguiça natural. Sem sombra de dúvida, por mais que os abismos tenham se sucedido entre as gerações, todos sentem coisas desse gênero. É humano!

Bem entendido, essa luta não se dá apenas entre a preguiça e a fortaleza; conforme cada alma, cada via, cada situação, ocorre mais ou menos com todas as virtudes do homem. Porque em matéria de tudo o ser humano é tentado.

A vida espiritual vai emergindo assim, como uma fortaleza cercada por todos os lados.

A poterna aberta de Château-Gaillard

Quando mocinho – não posso definir bem em que época de minha vida, mas era bem moço ou talvez menino ainda –, lendo a respeito da batalha de Bouvines, vencida por Felipe Augusto, vi um dado sobre o castelo que se chamava Château-Gaillard. Tratava-se de uma fortaleza bem guarnecida. Porém, o inimigo que dirigia o cerco encontrou aberta uma poterna, utilizada para o serviço de limpeza do castelo, a qual ficava num desvio da muralha, ao alcance do adversário. Esta portinhola, normalmente protegida por uma forte grade, fora deixada aberta por descuido de algum dos ocupantes da fortaleza. Quando os defensores da cidadela menos esperavam, viram o inimigo dentro. A batalha estava perdida.

Lembro-me de ter feito esta reflexão: “Se você não prestar atenção, este castelo é você! Ou você trava uma batalha mais inclemente do que nunca contra as poternas abertas de sua própria alma, e faz a defesa aqui, lá e acolá, adquirindo bons hábitos, ou então, num ponto onde você alcançou a virtude, entra o pecado venial e depois o mortal, em disparada dentro de sua própria alma, e você está perdido! ”

Isso é a prudência, que consiste em ter o castelo bem construído, pôr grades nas poternas e mantê-las fechadas. A prudência consiste em estabelecer um ordo de vida.

Em face da clarinada de um inimigo que se aproxima, cada um é responsável por sua própria vida e a dos outros. Se uma poterna tiver qualquer falha na sua segurança, todos serão mortos. Prestem atenção! (Extraído de conferência de 1/8/1981) – (Revista Dr. Plinio, Maio/2017, n. 230, pp. 12 a 15).

 
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