Em 1147 D. Afonso Henriques reconquistava a cidade de Lisboa para a Igreja Católica. Cinquenta anos depois, a nação portuguesa foi presenteada por Deus com outra vitória: em 1195, aproximadamente, nascia Fernando Martins ou, como seria conhecido no mundo inteiro, Frei Antônio de Pádua.
Aos 15 anos, Fernando sentiu o chamado de Deus para a vida religiosa e, atento aos desígnios divinos, não pôde recusar ou fazer ouvidos moucos. Incorporou-se logo à Ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, no Mosteiro de São Vicente de Fora, onde dedicou-se por dois anos e meio ao fortalecimento empenhado das virtudes na luta contra o demônio, o mundo e a carne. Para ajudar neste combate, seus superiores autorizaram seu translado para Coimbra, pois assim teria mais facilidade em desapegar das coisas que lhe podiam oferecer o mundo.
Como centro intelectual que era a cidade de Coimbra naquele tempo, Fernando Martins estudou e aprendeu com a doutrina dos Padres da Igreja, e mais especialmente com Santo Agostinho, de quem assimilou a tão sábia Regra. O estudo das Sagradas Escrituras foi feito por ele com tanta dedicação e, sobretudo, com tanto amor, que tinha inteiramente gravado na memória todos os livros desde o Gênesis até o Apocalipse. Nesta mesma cidade, Fernando foi elevado à dignidade sacerdotal.
Além de presentear o povo lusitano, Deus suscitava para a defesa da Igreja e para a salvação das almas outros dois varões: São Francisco e São Domingos. Fundadores de duas ordens mendicantes que bem poderíamos chamar increpadoras: pregando extremos de pobreza e desapego às coisas do mundo, os missionários dominicanos e franciscanos não cessavam de denunciar nos púlpitos e nos confessionários os erros que punham em risco a salvação de tantas almas. A estes eleitos quis juntar-se Fernando Martins.
Durante uma expedição missionária no norte da África, cinco filhos espirituais de São Francisco entregaram suas almas através do martírio. O ímpeto das pregações e a fé deles começou a arrastar multidões. Com isso, também se somou a cólera do miramolim de Marrocos que mandou matá-los. Pobre desavisado! Não sabia ele que “sangue de mártires é semente de cristãos”. Em toda a Europa o fato se tornou admiravelmente conhecido e, com grande homenagem, reverência e devoção os restos mortais dos missionários foram recebidos na cidade de Coimbra, em meados 1220.
Cheio de encanto e consonância com a vocação daqueles heróis da Fé, o então Cônego Fernando sentiu aquilo soar em seu coração como uma aprovação de Deus ao seu desejo de unir-se aos filhos de São Francisco no Convento de Santo Antônio de Olivares. Recebida a licença dos superiores, o Cônego Fernando recebeu o hábito dos Frades Menores pouco depois, tomando o nome de Frei Antônio.
Apenas cumpria o quinto mês de noviciado e Antônio já ardia em desejo de ser enviado para a terra que dera os primeiros mártires à Ordem Franciscana. Entretanto, não parecia estar ali o cumprimento dos desígnios divinos. Frei Antônio passava por febres e indisposições graves e, apesar de ter alcançado grandes pelejas pela fé cristã, seus superiores o mandaram de volta para o continente europeu.
Retornando ao seu continente natal, o navio foi arrastado por forte tempestade para as costas da Sicília. Após passar alguns meses no convento de Messina, Frei Antônio viajou até Assis onde se daria o Capítulo Geral da Ordem. Era o ano de 1221; o próprio São Francisco presidiria o acontecimento. Após o Capítulo Geral, Frei Antônio assumiu com impressionante e exemplar humildade o ofício de ajudante de cozinha no Eremitério de São Paulo, localizado na Província de Romandiola. Com total submissão e no mais completo anonimato, dormia numa gruta e jamais reclamava.
Foi nesta mesma época que houve uma ordenação sacerdotal na cidade de Forli, onde se encontravam reunidos alguns filhos de São Francisco e de São Domingos. Frei Antônio estava presente. No final da cerimônia, o Provincial dos Frades Menores pediu que um dos Irmãos Pregadores pronunciasse as palavras de encerramento. Todos, porém, esquivaram-se da honra, pois ninguém tinha preparado aquele discurso e o improviso corria o risco de ser desastroso em uma ocasião solene como aquela.
Para remediar a situação, o Provincial dos franciscanos decidiu incumbir do encargo a qualquer um dos seus subalternos, confiando na inspiração da graça. E designou para isto um frade português que desempenhava a função de ajudante de cozinha no Eremitério de São Paulo. Com a simplicidade das almas acostumadas à obediência, o humilde religioso, até então em silêncio, se dispôs a cumprir a ordem. Para surpresa geral, Frei Antônio ainda o fez em perfeito uso da língua latina.
O discurso foi simplesmente brilhante e sua figura ficou marcada aos olhos de todos como insigne pregador, cheio de fogo e entusiasmo ressaltados por sua grande despretensão.
As pregações do santo atraíam as multidões não porque procurasse agradar aos ouvintes, senão porque procurava transformar os ouvintes em almas que agradassem a Deus. E as conversões eram abundantes! Frei Antônio era destemido e não tinha receio de reprovar os erros, ainda que os ouvintes culpados fossem autoridades civis ou eclesiásticas. Certa vez converteu um prelado quando, corrigindo-o, começava a censurar-lhe diante de toda a multidão: “Tenho algo a dizer a ti que usas a mitra!”. As lágrimas correram abundantes pela face do Bispo, que mudou de conduta. Certamente tudo isso foi a causa do milagre que já dura quase 800 anos: a língua incorrupta de Santo Antônio venerada em Pádua.
Em 1224, Frei Antônio foi enviado a lutar contra os cátaros e albigenses no sul da França. Aí seus milagres foram numerosos e as conversões realizadas por Deus através do santo foram inegavelmente prodigiosas.
Frei Antônio deixou a França no ano de 1227, quando foi convocado para um novo Capítulo Geral da Ordem. Nesta Assembleia, ele foi eleito Superior Provincial da Emilia-Romagna, onde ficava a cidade de Pádua – a sede do Provincialato – região na qual passou os quatro últimos anos de sua vida.
Este último período de sua trajetória terrena foi marcado também pelas calorosas pregações, pelos rigorosos sacrifícios e mortificações, pelas piedosas orações, pelos prodigiosos milagres, pelas numerosas conversões e pelo incansável apostolado.
No momento derradeiro, tendo recebido os sacramentos, despediu-se de todos e cantou a Nossa Senhora toda a antífona: “Ó Virgem gloriosa que estais acima das estrelas…” Em seguida, ergueu os olhos para o céu. Todos os presentes o ouviram dizer: “Estou vendo o Senhor…” Pouco depois morreu. Era o dia 13 de junho de 1231. Frei Antônio estava com 36 anos de idade.
Já no fim de sua vida, Antônio hospedou-se na casa de uma família amiga, em Camposampiero. Quem narra este episódio é o Conde Tiso, anfitrião do Santo:
À noite, o Santo já estava nos aposentos a ele destinados, recolhido em oração. O dono da casa percebeu que uma luz forte vinha de dentro do quarto onde estava Antônio. Não poderia ser luz de velas, era forte demais, muito intensa. O Conde, vencido pela curiosidade, levantou-se e foi ver o que poderia ser aquilo. Aproximou-se do quarto e, pelas frinchas da porta deparou-se com uma cena miraculosa:
O Santo estava arrebatado em contemplação. A Virgem Maria, então, coloca nos braços dele o Menino Jesus. O menino enlaça seus bracinhos ao pescoço do frade e amigavelmente conversa com ele. Sentindo que estava sendo observado, o Santo procurou o Conde Tiso e o fez jurar que só depois que ele morresse o Conde contaria o que tinha visto naquela noite. Foi esse o fato que deu motivo para que Santo Antônio fosse representado em suas imagens com o Menino Jesus nos braços.
Por Arthur Leal