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§ IV. Esta devoção é um caminho seguro.
159. Esta devoção à Santíssima Virgem é um caminho seguro para irmos a Jesus Cristo e adquirirmos a perfeição, unindo-nos a ele:
1º Porque esta prática, preconizada por mim, não é nova; é tão antiga, que não se pode, como diz Boudon60, em um livro que escreveu sobre esta devoção, determinar-lhe com toda a precisão os começos. Em todo caso é certo que há mais de 700 anos encontram-se vestígios dela na Igreja.61
60) Henri-Marie Boudon, doutor em teologia, falecido em odor de santidade, em 1702, como arcediago de Evreux. Autor do livro intitulado “A santa escravidão da admirável Mãe de Deus”, e de outras obras, todas impregnadas de uma ardente devoção à Santíssima Virgem.
61) O santo rei Dagoberto II (século VII) consagrou-se assim à Santíssima Virgem, na qualidade de escravo (cit. por Kronenburg in “Maria’s Heerlikheid”, 1, 98). O mesmo fez o Papa João VII (701-707). Santo Odilon, abade de Cluni, que viveu cerca do ano 1040 foi um dos primeiros que a praticaram na França, conforme está anotado em sua vida. O cardeal Pedro Damião62 refere que em 1016 o bem-aventurado Marinho, seu irmão, se fez escravo da Santíssima Virgem, em presença de seu diretor e de um modo bem edificante: pôs a corda ao pescoço, tomou a disciplina, e depositou sobre o altar uma quantia de dinheiro como sinal do seu devotamento e consagração à Santíssima Virgem; e assim continuou tão fielmente, que, na hora da morte, mereceu ser visitado e consolado por sua boa Soberana, de cujos lábios recebeu as promessas do paraíso em recompensa de seus serviços.
62) Declarado “doutor da Igreja” por Leão XIII. Cesário Bollando menciona um ilustre cavaleiro, Vautier de Birbak, parente chegado dos duques de Lovaina, que, aí pelo ano 1300 fez esta consagração à Santíssima Virgem.
160. O padre Simão de Roias da Ordem da Trindade, também chamada da redenção dos cativos, pregador do rei Filipe III, pôs em voga esta devoção em toda a Espanha (em 1611) e na Alemanha63; a instâncias de Filipe III, obteve de Gregório XV grandes indulgências para aqueles que a praticassem.
63) O próprio imperador Fernando II fez esta consagração com toda a sua corte, em 1640. O padre de Los Rios, da Ordem de S. Agostinho, aplicou-se com seu íntimo amigo, o padre de Roias, a espalhar esta devoção por toda a Espanha e Alemanha, o que fez por seus escritos e pregações. Compôs um grosso volume intitulado “Hierarquia Mariana”64, no qual trata com piedade e erudição, da antiguidade, da excelência e da solidez desta devoção.
64) Editado em Antuérpia em 1641.
161. Os reverendos padres teatinos estabeleceram esta devoção na Itália, na Sicília e na Sabóia, no século 17. O rev. Padre Estanislau Falácio, da Companhia de Jesus, incrementou maravilhosamente esta devoção na Polônia.65
65) O rei da Polônia Wladislaf encarregou os jesuítas de pregá-la em seu reino. O rev. Padre Cornélio a Lápide, recomendável tanto por sua piedade como por seu profundo saber, tendo recebido de vários bispos e teólogos a incumbência de dar seu parecer sobre esta devoção, examinou-a acuradamente e teceu-lhe louvores dignos de sua piedade, e seu exemplo foi seguido por muitas outras pessoas importantes. Os reverendos padres Jesuítas, sempre zelosos do serviço da Santíssima Virgem, apresentaram ao duque Fernando da Baviera, em nome dos congreganistas de Colônia, um pequeno tratado desta devoção.66 O duque, que era, então arcebispo de Colônia, deu-lhe sua aprovação e a permissão de imprimi-lo, exortando todos os curas e religiosos de sua diocese de propagar, quanto pudessem, esta sólida devoção.
66) Intitulado “Mancipium Virginis” – A escravidão da Virgem. Colônia, 1634.
162. O cardeal de Bérulle, cuja memória é abençoada por toda a França, foi um dos mais zelosos em espalhar esta devoção, apesar de todas as calúnias e perseguições que lhe levantaram e moveram os críticos e os libertinos. Acusaram-nos de inventar novidade e superstição; escreveram e publicaram contra ele um panfleto difamatório, e serviram-se, ou antes o demônio, por seu ministério, de mil estratagemas para impedi-lo de divulgar na França esta devoção. Mas o grande e santo homem só opôs a suas calúnias uma inalterável paciência, e às suas objeções, contidas no tal libelo, um pequeno escrito em que as refuta energicamente, demonstrando que esta devoção é fundada no exemplo de Jesus Cristo, nas obrigações que lhe devemos, e nos votos que fizemos no santo batismo, e é especialmente com esta última razão que ele fecha a boca a seus adversários, fazendo ver que esta consagração à Santíssima Virgem e a Jesus Cristo por suas mãos, nada mais é que uma perfeita renovação das promessas do batismo. Diz, enfim, muitas coisas belas que se podem ler nas suas obras.
163. No livro de Boudon, já citado (n. 159), encontra-se os nomes dos Papas que aprovaram esta devoção, dos teólogos que a examinaram, pode-se ler das perseguições que lhe suscitaram e que venceu, e dos milhares de pessoas que a abraçaram, sem que jamais Papa algum a tenha condenado; nem seria possível fazê-lo sem derrubar os fundamentos do cristianismo. Fica, portanto, de pé que esta devoção não é nova, e que não é comum, por ser preciosa demais para ser apreciada e praticada por todo mundo. * * *
164. 2º Esta devoção é um meio seguro para ir a Jesus Cristo, porque pertence à Santíssima Virgem e lhe é próprio conduzir-nos a Jesus Cristo, como compete a Jesus Cristo conduzirnos ao Pai celestial. E não creiam erroneamente as pessoas espirituais que Maria seja um empecilho no caminho que conduz à união divina. Pois seria possível que aquela que achou graça diante de Deus para o mundo todo em geral, e para cada uma em particular, fosse um empecilho a uma alma que busca a grande graça da união com ele? Seria possível que aquela que tem sido cheia e superabundante de graças, e tão unida e transformada em Deus, a ponto de ele encarnar-se nela, impedisse uma alma de ficar perfeitamente unida a Deus? É verdade que a vista de outras criaturas, ainda que santas, poderia, talvez, em certos tempos, retardar a união divina; mas não Maria, como já disse e direi sempre sem me cansar. Uma das razões por que tão poucas almas atingem a plenitude da idade de Jesus Cristo, é que Maria, a Mãe do Filho e a Esposa do Espírito Santo, não está suficientemente formada nos corações. Quem quiser o fruto bem maduro e formado deve ter a árvore que a produz; quem quer possuir o fruto de vida, Jesus Cristo, deve ter a árvore da vida, que é Maria. Quem quiser ter em si a operação do Espírito Santo, deve ter sua Esposa fiel e inseparável, Maria Santíssima, que o torna fértil e fecundo, como já dissemos alhures (nn. 20-21).
165. Persuadi-vos, portanto, de que quanto mais contemplardes Maria em vossas orações, meditações, ações e sofrimentos, se não de um modo distinto e perceptível, ao menos geral e imperceptível, tanto mais perfeitamente encontrareis Jesus Cristo, que, com Maria, é sempre grande, poderoso, ativo e incompreensível, e muito mais que no céu e em qualquer criatura do universo. Assim, Maria Santíssima, toda abismada em Deus, esta longe de tornar-se um obstáculo aos perfeitos no seu caminho para chegar à união com Deus, e, bem ao contrário, não houve até hoje, nem haverá nunca criatura que nos auxilie mais eficazmente do que ela nesta grande obra, seja pelas graças que para este efeito vos comunicará, pois ninguém fica cheio do pensamento de Deus se não for por ela, diz um santo67: “Nemo cogitatione Dei repletur nisi per te”; seja pelas ilusões e trapaças do espírito maligno contra o qual ela vos garantirá.
67) São Germano de Constantinopla (Sermo 2 in Dormit.).
166. Onde está Maria, não entra o espírito maligno; e um dos sinais mais infalíveis de que se está sendo conduzido pelo bom espírito, é a circunstância de ser muito devoto de Maria, de pensar nela muitas vezes, e de falar-lhe freqüentemente. É esta a opinião de um santo68 que acrescenta que, como a respiração é sinal inconfundível de que o corpo não está morto, o pensamento assíduo e a invocação amorosa de Maria é um sinal certo de que a alma não está morta pelo pecado.
68) Idem: Orat. in Encaenia veneranda aedis B. V.
167. Maria sozinha esmagou e exterminou as heresias, diz a Igreja com o Espírito Santo que a conduz: “Sola cunctas haereses interemisti in universo mundo”69; e embora os críticos resmunguem contra esta afirmação, jamais um fiel devoto de Maria cairá na heresia ou na ilusão, pelo menos formal; poderá errar materialmente, tomar a mentira por verdade, e o espírito maligno pelo bom, e isto mesmo não tão facilmente como outro qualquer. Mais cedo ou mais tarde, porém, reconhecerá sua falta e seu erro material, e, quando o reconhecer, não teimará de modo algum em crer e sustentar o que tomara por verdade.
69) Ofício da Santíssima Virgem, 1ª antífona do 3º noturno. * * *
168. Qualquer pessoa, portanto, sem receio de ilusão comum às pessoas de oração, que quiser avançar no caminho da perfeição e achar segura e perfeitamente Jesus Cristo, abrace de todo o coração, “corde magno et animo volenti” (2Mac 1, 3), esta devoção à Santíssima Virgem, que talvez ainda desconheça. Entre neste caminho excelente que não conhecia e que eu lhe mostro (1Cor 12,31). É um caminho trilhado por Jesus Cristo, a Sabedoria encarnada, nosso único chefe. Os fiéis que o trilharem não podem estar enganados. É um caminho fácil devido à plenitude da graça e da unção do Espírito Santo, de que está cheio: ninguém, que marche neste caminho, se cansa, nem recua. É um caminho curto que em pouco tempo nos leva a Jesus Cristo. É um caminho perfeito, onde não há lama, nem poeira, nem a menor sujeira do pecado. É, enfim, um caminho seguro que, de um modo reto e garantido, sem voltas para a direita ou para a esquerda, nos conduz a Jesus Cristo e à vida eterna. Entremos, portanto, neste caminho, e marchemos dia e noite, até a plenitude da idade de Jesus Cristo (cf. Ef. 4, 13).