“Errare humanum est” – diz a tão antiga e conhecida máxima. E, de fato, quem de nós poderia dizer: “nunca errei”?
Mas se errar é próprio do ser humano, também o é emendar-se, pois quem, em são juízo, não faz o possível para, depois de uma queda, logo ficar em pé?
A respeito deste tema, um detalhe encontrado na arte dos copistas medievais – a maior parte deles monges – nos leva a meditar na beleza do arrependimento, tão característico do verdadeiro filho de Deus.
Não era fácil, naquela época, desempenhar o laborioso ofício de transcrever à mão livros inteiros, utilizando-se de meios tão precários, se comparados com as facilidades contemporâneas.
Nas grandes salas dos mosteiros destinadas para tal, chamadas de scriptorium, era comum os copistas se enganarem ao escrever uma letra: bastava, por exemplo, despejar na pena mais tinta do que a devida, para provocar um borrão.
Uma das soluções para tão frequente problema era cobrir a parte manchada com um desenho ou um arranjo que, além de consertar a grafia da letra, a deixava mais bela e ornada do que antes, se não tivesse havido o erro.
Há quem afirme ser esta a origem das letras iniciais dos textos que, com o passar do tempo, floresceram nas magníficas capitulares historiadas, as esplêndidas iluminuras e as cuidadas decorações marginais características dos Livros das Horas.
Servindo-nos da expressão do padre Joseph Tissot, teria sido esta uma verdadeira “arte de aproveitar as próprias faltas”.1 Os deslizes dos copistas transformavam-se em obras de arte que realçavam o sentido do texto e convidavam à meditação.
Algo análogo se passou na História. Poder-se-ia dizer que o grande livro da trajetória humana foi escrito em zigue- zague: Deus traça um caminho e o homem erra; o homem se arrepende e o Divino Artista repara o erro humano, desenhando por cima traços muito mais maravilhosos que os anteriores.
Analisando este processo por uma perspectiva mais alta, pode-se afirmar ter havido um grande borrão no plano “A” dacriação, sobre o qual pousou a mão divina e o transformou… não em um plano “B”, secundário, mas em um sublime plano “A + A”!
“O Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Ao tornar-Se um de nós e entregar sua vida pelas culpas dos homens, Ele nos redimiu do pecado e abriu-nos as portas do Céu. Eis a mais magnífica iluminura, que nenhum copista poderia excogitar!
1 Este é o título de um conhecido livro escrito pelo padre Joseph Tissot, MSFS, que tem se tornado um clássico de vida espiritual para diversos movimentos, entre os quais os Arautos do Evangelho.