O centro antigo de São Paulo, embora há muitos anos em decadência, é ainda o principal ponto religioso da capital paulista, uma vez que abriga a Catedral da Sé.
Após laboriosa reforma, teve ela suas portas reabertas e restituída sua dignidade própria à Casa de Deus. A despeito dos arranha-céus vistos por perto, ela se mantém como edifício de estatura insuperável, pois toca nos Céus e conduz ao sobrenatural.
Lenta e triste decadência
A notável beleza da Catedral, tão considerada no projeto original (a inauguração se deu nos festejos do Quarto Centenário da cidade, em 1954), foi progressivamente cedendo espaço à decadência material, decorrente da falta de manutenção adequada, das falhas estruturais e, nos últimos anos, do vandalismo.
Vitrais quebrados, telhados perfurados e abóbadas rachadas foram tornando-se comuns, ofuscando seu aspecto majestoso.
“Além dos problemas físicos que se apresentavam aos montes, a Catedral sofria também de problemas de movimentação estrutural, tendo muitas trincas”, informou Maria Aparecida Soukef Nasser, engenheira responsável pelas obras de reparo.
Esses defeitos, acumulados ao longo de quarenta e cinco anos, empanavam a sacralidade do templo e contribuíam, muitas vezes, para afastar os fiéis.
Afinal, tocar o coração do Pai Celeste em um ambiente que não condiz com sua santa formosura parecia-lhes tarefa árdua.
A comunidade local foi se diluindo em outras paróquias, e a Sé, abandonada e obscurecida, mergulhou em triste decrepitude, chegando até a servir de casa de desocupados, etc.
A necessidade de reformas fez-se urgente quando um tijolo despencou do alto da cúpula e caiu no corredor.
Embora não causasse vítimas, o acidente levou à interdição imposta pelo CONTRU (Departamento de Controle de Uso de Imóveis, da Prefeitura), em 1999, quando averiguou-se que o edifício representava risco para os frequentadores.
Trabalhar na Catedral, um privilégio
Há males que vêm para bem. Os trabalhos de restauração levaram a empresa construtora a descobrir e reparar falhas cometidas na construção, agravadas por obras realizadas na região.
“A implantação do metrô fez com que o lençol de água se deslocasse para baixo, fazendo ceder o terreno sob a Catedral. Suas bases foram então rebaixadas de forma desigual e ocorreram rachaduras”, disse a engenheira Maria Aparecida.
Tais rachaduras, que afetavam principalmente as abóbadas, tinham solução trabalhosa. “Tudo na catedral é muito alto. As trincas estavam, às vezes, à altura de sessenta metros”, pontuou a engenheira.
Não foram essas as únicas dificuldades: a localização da planta original demorou mais que o previsto.
Tal atraso resultou em menor tempo útil e aumentou a pressa dos trabalhadores, mas não lhes tirou o ânimo.
“A equipe inteira ficou muito tocada por trabalhar na Catedral. Havia muito empenho, mesmo quando os trabalhos eram pesados”, contou a engenheira Maria Aparecida, frisando que todos os funcionários da restauração têm clara consciência de que foi essa a obra de suas vidas.
“Sinto-me muito privilegiada por ter participado de algo tão importante”, concluiu ela.
Restauração ficou melhor que o original
Não é difícil perceber que a graça de Deus agiu nessa obra de reforma; possibilitou até mesmo levar a cabo detalhes inconclusos do empreendimento original.
A planta da catedral, arquitetada em estilo gótico pelo alemão Maximiliano Hehl, em 1911, previa a construção de dezesseis torres. Todavia, apenas duas foram erigidas à época. Com a restauração, as quatorze torres faltantes foram incluídas.
Feitos em cobre, seus telhados tiveram de ser patinados em verde, pois é essa a coloração que as torres anteriores adquiriram no decorrer do tempo.
Apontando para o céu, e mais propriamente para Deus, as torres são elemento saliente em qualquer igreja, mas sobretudo nas góticas. Entretanto, mais característicos desse estilo são os belíssimos vitrais.
Na Sé paulistana podemos ver vários deles. Embora não tenham o primor dos europeus, são fundamentais para produzir nesse edifício sagrado um efeito encantador.
Um dos mais belos, contudo, fora inexplicavelmente substituído por uma vidraça e largado num canto qualquer do templo, na época da construção.
Descoberto agora pela equipe de engenharia, foi recuperado e colocado no lugar para o qual fora projetado, acima do pórtico principal.
Na cúpula, um traço de ecletismo
Característica da Catedral paulistana é ter sido projetada com uma cúpula. A arquitetura gótica baseia-se essencialmente em ogivas. Já a cúpula é predominante no estilo renascentista.
Com sua grande cúpula, a Sé de São Paulo abre mão de ser totalmente gótica. Esse traço de ecletismo, porém, traz-lhe especial relevo, já que no mundo são poucas as igrejas góticas que possuem cúpula.
Esse é, ademais, um dos determinantes da grandeza do templo: seu ápice encontra-se a sessenta e quatro metros do piso.
Este fato, aliás, dificultou a manutenção durante anos. “Há problemas constantes de infiltração, quebra de telhas e vitrais. A grandeza da Sé fez com que o volume de questões aumentasse quase em escala geométrica”, afirmou a engenheira Maria Aparecida.
Semelhança com os homens
Segundo a engenheira Maria Aparecida, a obra da Catedral não pode ser dada como encerrada. Continuarão a ser executadas reformas graduais. Por exemplo, certos detalhes que viabilizarão o acesso às partes superiores do edifício ainda não foram acabados.
Por sua vez, ressalta o porta-voz da Arquidiocese, Mons. Dario Bevilacqua:
É importante lembrarmos que catedrais de estilo gótico nunca são acabadas. O arquiteto catalão Gaudí, responsável pela construção da Igreja da Sagrada Família, em Barcelona, costumava dizer que sempre restaria algo por fazer na construção dela.
Ressaltando que Gaudí considerava as catedrais góticas muito parecidas com os homens, Monsenhor Bevilacqua fez uma comparação:
Nós também nunca estaremos acabados. A nossa Catedral de pedras, da Sé, continuará a ser construída; a catedral que temos em nós – o desenvolvimento de nossa personalidade e de nossa fé – nunca terá a obra concluída.
O projeto de Deus para conosco é muito maior e mais bonito que o projeto que Maximiliano Hehl tinha para a nossa Catedral; e nunca conseguiremos concluí-lo.
Percebe-se agora, facilmente, a renovada beleza da Catedral da Sé. Porém, mais notório ainda é o aumento da frequência na igreja.
“Espera-se que muitos que procuraram a Sé inicialmente por curiosidade, continuem a frequentá-la e acabem formando uma verdadeira comunidade em que se pode rezar bem”, afirmou Monsenhor Bevilacqua, animado com a possibilidade de o encantamento estético favorecer as conversões.
Indispensável é destacar, nessa obra de grande envergadura, o papel fundamental do nosso Cardeal, Dom Claudio Hummes, que, com maestria e arrojo, a planejou, orientou e levou a cabo.
Outro exemplo do papel do belo
De qualquer forma, é certo que, estando mais formosa, a Catedral atrai maior número de fiéis, além de lhes proporcionar maior júbilo e perseverança na oração.
Este é um exemplo do indispensável papel do belo na evangelização. Assim, a reforma da Catedral vai muito além de uma mera obra de restauração.
Ela visa restituir aos fiéis um meio de aproximar-se de Deus, como acentuou Monsenhor Bevilacqua: “A beleza é um ótimo caminho para se chegar a Deus”.
E completou: “Em recente carta aos artistas, o Santo Padre disse a seguinte frase: ‘A beleza salvará o mundo’. Eu acredito nisso também”.