Cativou a atenção do mundo inteiro a cerimônia do último Consistório, no qual foram criados 23 novos cardeais.
Por uma circunstância fortuita, o ato realizou-se no interior da Basílica de São Pedro, onde os austeros faustos do mármore multicolorido contribuíam silenciosamente para ressaltar mais o esplendor da solene investidura.
Ao longo dos séculos a Igreja foi cercando os membros da Sagrada Hierarquia de honras que se traduzem não só em trajes, insígnias e títulos próprios a cada grau, como também em diversos outros privilégios, pois a respeitabilidade que deve cercar toda autoridade facilita aos subordinados sua aceitação submissa e reverente.
Os próprios fiéis se rejubilam ao ver o superior cercado de proporcionadas honras, pois a dignidade deste eleva também, de algum modo, o súdito.
Se a toda autoridade, seja ela espiritual ou temporal, se deve reconhecer a devida dignidade, é preciso igualmente ter em vista as graves responsabilidades ligadas ao seu exercício.
Aspecto este que o Santo Padre ressaltou muito bem na sua homilia:
É-me grato confirmar-vos o meu sincero apreço pelo serviço fielmente prestado em tantos anos de trabalho nos diversos âmbitos do ministério eclesial.
Serviço que agora, com a elevação à púrpura cardinalícia, sois chamados a cumprir com uma responsabilidade ainda maior, em estreitíssima comunhão com o bispo de Roma.
[...] Queridos e venerados irmãos, o Evangelista Marcos recorda-nos que todos os verdadeiros discípulos de Cristo podem aspirar por uma só coisa: partilhar a sua Paixão, sem reivindicar recompensa alguma.
O cristão é chamado a assumir a condição de “servo” seguindo as pegadas de Jesus, isto é, despendendo a vida pelos outros de modo gratuito e abnegado.
Não a busca do poder e do sucesso, mas o dom humilde de si, pelo bem da Igreja, deve caracterizar cada um dos nossos gestos e palavras.
A verdadeira grandeza cristã, de fato, não consiste em dominar, mas em servir. [...] Eis o ideal que deve orientar o vosso serviço.
As próprias insígnias cardinalícias lembram essa verdade, especialmente a cor vermelha, que simboliza a disposição de dar testemunho de Jesus Cristo até ao derramamento do próprio sangue, no martírio, como lembrou o Papa:
Entrando a fazer parte do Colégio dos Cardeais, o Senhor pede-vos e confia-vos o serviço do amor: amor a Deus, amor à Igreja, amor aos irmãos com a máxima e incondicionada dedicação, “usque ad sanguinis effusionem”, como recita a fórmula para a imposição do barrete e como mostra a cor vermelha do traje que vestis.
Sem dúvida, foi este um dos mais belos aspectos do Consistório, o convite a uma total doação, ressaltado pela coincidência com a festa de Cristo Rei, pois a própria Liturgia levava a dirigir o olhar para o mais sublime símbolo do catolicismo: a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
E isso bem lembrou Bento XVI, na homilia da missa na qual foi entregue o anel aos novos purpurados:
Em Jesus crucificado tem lugar a máxima revelação possível de Deus neste mundo, porque Deus é amor, e a morte de Jesus na Cruz é o maior ato de amor de toda a História.
Pois bem, no anel cardinalício, que daqui a pouco entregarei aos novos membros do Sacro Colégio, está representada precisamente a crucifixão.
Isto, caros irmãos neo-Cardeais, será sempre para vós um convite a recordar de qual Rei sois servidores, em que trono Ele foi elevado e como foi fiel até ao fim, para vencer o pecado e a morte com a força da misericórdia divina.
A mãe Igreja, esposa de Cristo, dá-vos esta insígnia como memória do seu Esposo, que amou-a e Se entregou a Si mesmo por ela.
Assim, usando o anel cardinalício, sois constantemente chamados a dar a vida pela Igreja.
É assim que todo o belo cerimonial desse Consistório se poderia resumir na frase lapidar do apóstolo São Paulo, em sua carta aos Gálatas: “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6, 14).