Intrigado, Frei Domingos de Caserta pôs-se a observar um monge que todos os dias transitava pelo mosteiro em hora bem peculiar…

Antes das Matinas – portanto, de madrugada – ele saía sorrateiramente de sua cela e retornava logo ao escutar o sino para a oração, a fim de não ser visto.

Decidido a descobrir o motivo da “fuga”, certa feita o zeloso frei seguiu o “transgressor”: eles desceram as escadas, atravessaram um corredor e, por fim, chegaram à Capela de São Nicolau, onde o monge entrou.

Como ele demorasse muito ali, Frei Caserta resolveu entrar e o encontrou em oração, suspenso no ar!

Além disso, ouviu uma voz claríssima provinda do crucifixo: “Tomás, escreveste bem de Mim. Que recompensa queres pelo teu trabalho?” Ao que o religioso respondeu, com candura e simplicidade: “Nada além de Vós, Senhor!”[1]

Sim, esse ardoroso monge foi um dos maiores gênios da História: São Tomás de Aquino, um homem conhecido como erudito, teólogo e filósofo, mas que muitos esquecem ter sido um grande Santo.

Pretendemos neste artigo apontar, justamente, um importante aspecto de sua alma: sua piedade, em especial a devoção ­eucarística, base sólida sobre a qual ele fundamentou sua vida e obra.

O fato narrado acima deu-se nos últimos anos do Doutor Angélico nesta terra, quando ele terminava de redigir o Tratado sobre a Eucaristia, inserido no final de sua obra-mestra, a Suma Teológica.

Conjectura-se que estava passando por alguma provação em relação aos seus escritos.

O certo é que as palavras pronunciadas pelo Salvador bastaram para chancelar com “carimbo” divino tudo quanto ele afirmara sobre o augusto Sacramento do Altar.

Conquistado por Maria desde o berço

Essa profunda piedade só poderia ter como origem o amparo da Santíssima Virgem. Demonstra-o um fato encantador, que a História felizmente gravou.

Certo dia, ao banhar o menino, sua ama de leite observou que ele escondia na mão um papelzinho.

Vãs foram as tentativas de tirá-lo do bebê… Ele o segurava com força, apertando-o contra o peito, e chorava sempre que tentavam abrir sua mãozinha. Essa tenacidade, porém, era imprópria ao seu caráter terno e tranquilo.

Quando sua mãe conseguiu, afinal, pegar o papel, encontrou nele a simples inscrição: “Ave Maria”.

Admirada, a Condessa de Cariccioli devolveu o escrito ao filho que, sem titubear, levou-o à boca e o engoliu, sorrindo-lhe em seguida.

Nossa Senhora havia elegido Tomás como objeto de sua predileção desde o berço, e conquistou seu coraçãozinho para nele semear o amor a seu Divino Filho.

Entranhada devoção eucarística

Sendo já sacerdote dominicano, seu primeiro ato do dia era estar em adoração diante do sacrário. Depois das Matinas, celebrava uma Missa e logo em seguida assistia a outras duas, as quais quase sempre acolitava.

Comenta Bento XVI que ele, “segundo os antigos biógrafos, costumava aproximar a sua cabeça do tabernáculo, como que para sentir palpitar o Coração divino e humano de Jesus”.[2]

Cada visita de Tomás ao Prisioneiro do tabernáculo, cada encontro de seu olhar finito e criado com o olhar eterno e criador, cada contato de sua inteligência humana e defectível com a Sabedoria Infinita e Onisciente, comunicava-lhe autênticos fulgores da própria luz divina, que ele depois transmitia em seus escritos.

A união com Deus atingiu um tal auge em sua alma que ele foi favorecido com o dom da contemplação infusa, assim como o de levitação e das lágrimas. Tinha êxtases profundíssimos, os quais às vezes duravam algumas horas.

Obra de amor oferecida a Jesus-Hóstia

Além de consignar a doutrina a respeito desse Sacramento, Tomás foi o poeta por excelência da Eucaristia!

O Ofício e a Liturgia que compôs para a Solenidade de Corpus Christi são uma verdadeira joia que, na feliz expressão de uma obra do século passado, “já desafiou sete séculos, e que talvez sigamos cantando na eterna bem-aventurança”.[3]

Ninguém como ele conseguiu traduzir a ciência eucarística em orações e hinos tão belos. Com toda a razão, São Tomás recebeu de Pio XI o título de “Doutor Eucarístico”.[4]

Seu nome ficará por todo o sempre gravado no estandarte da História como o portador da maior obra de amor oferecida a Jesus-Hóstia.

Santidade: o maior legado de São Tomás!

Há certas realidades que só atingem a plenitude do fulgor em seu ocaso, à semelhança do Sol, que deita seus mais belos raios quando está prestes a se recolher sob as misteriosas brumas da noite.

Assim acontece com as almas que andam na presença de Deus: seus últimos dias nesta terra são os mais carregados de bênçãos, pois revelam de forma maravilhosa a santidade de uma vida inteira.

Analisando, pois, o fim da peregrinação terrena do Doutor Angélico, podemos saborear amplamente seu amor a Jesus Eucarístico, cujo fervor nem as glórias do mundo nem as vaidades da erudição lograram arrefecer.

Aos quarenta e nove anos de idade, caiu ele gravemente enfermo durante uma viagem.

Seus biógrafos contam que os monges cistercienses de Fossanova que o acolheram disputavam entre si para levar algumas achas de lenha à lareira que o aquecia, a fim de ter a oportunidade de conviver com aquele mestre que tanto admiravam.

Frei Tomás, por sua vez, agradecia-lhes esse favor expondo-lhes sucintamente o Cântico dos Cânticos, pois eles o haviam pedido.

Estando às portas da morte, pediu o Santo Viático. Ao ver Jesus Sacramentado entrar em seu aposento, exclamou cheio de emoção: “Senhor… Vós vindes visitar a mim?”

Não obstante sua extrema debilidade, levantou-se com esforço do leito e prostrou-se diante do Santíssimo Sacramento por um longo tempo, enquanto rezava o Confiteor. Depois, pôs-se de joelhos e fez esta comovedora oração:

Corpo Sacratíssimo, preço de minha alma, viático de minha peregrinação!… Por vosso amor, meu Jesus, estudei, preguei, ensinei e vivi. Meus dias, meus suspiros, meus trabalhos foram todos para Vós.

Tudo quanto escrevi, o fiz com a reta intenção de agradar-Vos. Contudo, se houver algo não conforme à verdade, eu o submeto à autoridade da Igreja Romana, em cujo seio e obediência desejo morrer.[5]

Assim que comungou, entrou num profundo êxtase.

Muitas foram as obras doutrinárias desse glorioso Santo. Entretanto, nenhuma delas se compara ao seu exemplo de virtude!

Olhando, pois, para o gênio de Aquino, saibamos haurir não apenas a erudição de seu pensamento ou a sabedoria de suas palavras, mas, sobretudo, deixemo-nos embeber por sua devoção eucarísticaa fim de participarmos da recompensa demasiadamente grande de que ele goza agora do Céu!

 

 

 

Notas
[1] GUILHERME DE TOCCO. L’histoire de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Du Cerf, 2005, p.85.
[2] BENTO XVI. Audiência geral, 23/6/2010.
[3] FARREL, OP, Walter; HEALY, STD, Martin J. El libro rojo de Dios, según Santo Tomás de Aquino. Pamplona: Don Bosco, 1979, p.598.
[4] PIO XI. Studiorum ducem.
[5] SAINZ, OP, Manuel de M. Vida del angélico maestro Santo Tomás de Aquino, patrono de la juventud estudiosa. Vergara: El Santísimo Rosario, 1903, p.177.