Como “para instruir os outros na piedade e no culto ao Senhor, nada é tão eficaz quanto a vida e o exemplo daqueles que se consagraram ao divino ministério”,[1] e uma vez que o povo costuma ser tal qual são os sacerdotes, vedes assim claramente, veneráveis irmãos, o quanto deveis vos empenhar para que o clero brilhe pela seriedade de costumes, integridade de vida, santidade e doutrina, e para que seja mantida com toda exatidão a disciplina eclesiástica, de acordo com as normas dos sagrados cânones, ou, onde ela tiver decaído, restaurá-la em seu antigo esplendor.

Os clérigos devem ser modelos para os fiéis

Em consequência, bem sabeis o quanto deveis, conforme a ordem do Apóstolo, evitar impor inconsideradamente as mãos sobre qualquer aspirante ao sacerdócio.

Cuidai de admitir nas ordens sacras somente aqueles que, mediante diligente investigação, conhecerdes como dignos de honrar vossas dioceses por suas virtudes e sua cultura; aqueles que, fugindo de tudo quanto é vedado aos clérigos, dedicam-se à leitura, às exortações, à doutrina, tornando-se “modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver, na caridade, na fé, na castidade” (I Tim 4, 12), para merecer a veneração de todos e inflamar o povo no amor à Religião cristã.

Pois, como nos adverte com insigne sabedoria nosso imortal predecessor Bento XIV, “é melhor ter um pequeno número de sacerdotes bons, idôneos e úteis, do que ter muitos sem valor algum para a edificação do Corpo de Cristo que é a Igreja”.[2]

Tampouco ignorais vosso dever de investigar com toda diligência os costumes e a ciência daqueles aos quais serão confiados o cuidado e a direção das almas, de modo que, como fiéis dispensadores da multiforme graça de Deus, saibam alimentar e ajudar continuamente o povo, administrando-lhe os Sacramentos, pregando-lhe a Palavra divina, dando-lhe o exemplo das boas obras; e saibam conformá-lo aos preceitos, às práticas e aos ensinamentos da Religião, para conduzi-lo nas vias da salvação.

Compreendeis claramente que se os párocos ignoram ou negligenciam sua missão, logo se corrompem os costumes dos fiéis, a disciplina cristã se relaxa, as práticas do culto religioso se abalam e diminuem, por fim, introduzem-se facilmente na Igreja todos os vícios e corrupções.

Não preguem a si mesmos, mas a Cristo crucificado

A Palavra de Deus, “viva, eficaz e mais penetrante do que uma espada de dois gumes” (Hb 4, 12), nos foi dada para a salvação das almas. Para que ela não se torne infrutífera por culpa de seus ministros, nunca cesseis de incentivar os oradores sacros a pesarem bem a gravidade de sua função e exercerem com extrema religiosidade o ministério evangélico, não com os argumentos da persuasão humana, nem com o ambicioso e vazio aparato da profana eloquência, mas sim com a manifestação do espírito e da virtude de Deus.

De modo que, manejando retamente a Palavra da verdade, não preguem a si mesmos, mas a Cristo crucificado, com clareza, simplicidade e limpidez de linguagem, conforme a doutrina da Igreja Católica e dos Padres.

Anunciem assim aos povos os dogmas e os preceitos de nossa santíssima Religião, expliquem acuradamente os deveres particulares de cada um, inspirem a todos o horror ao pecado e reanimem a piedade, de modo que os fiéis, salutarmente revigorados pela Palavra de Deus, fujam dos vícios, pratiquem as virtudes, escapem das penas eternas e possam alcançar a glória celeste.

Com prudência e solicitude pastoral, estimulai sempre todos os eclesiásticos a refletirem sobre o ministério que receberam do Senhor para que exerçam com suma diligência a respectiva função, amem acima de tudo o decoro da casa de Deus, rezem ininterrupta e fervorosamente com íntimos sentimentos de piedade e, conforme o preceito da Igreja, recitem as Horas Canônicas com as quais imploram para si mesmos o auxílio divino necessário ao cumprimento dos graves deveres de seu cargo e podem aplacar a Deus e torná-Lo propício ao povo cristão.

Formar santa e religiosamente os novos clérigos

Bem sabeis, veneráveis irmãos, que só podem ser excelentes ministros da Igreja os clérigos eximiamente educados e instruídos, bem como de sua boa formação depende em grande parte todo o curso de sua vida sacerdotal.

Aplicai, pois, toda a energia de vosso zelo episcopal neste ponto: que desde sua tenra idade os jovens clérigos sejam corretamente formados na piedade, na sólida virtude, nas letras e nas mais severas disciplinas, sobretudo as sacras.

Motivo pelo qual em nada tereis tanto empenho quanto em instituir seminários de acordo com as prescrições dos Padres Tridentinos;[3] em ampliar, se necessário, os já existentes, dar-lhes ótimos reitores e exímios professores; em vigiar com atentíssima e contínua solicitude para que neles os jovens clérigos sejam educados santa e religiosamente no temor de Deus, na disciplina eclesiástica, nas ciências sagradas segundo a doutrina católica isenta de qualquer erro, nas tradições da Igreja, nos escritos dos Santos Padres, nas cerimônias e nos ritos sagrados.

Podereis assim dispor de fortes e diligentes colaboradores com autêntico espírito sacerdotal e sabiamente instruídos, os quais terão força de cultivar diligentemente em épocas de calamidade o campo do Senhor e de travar com tenacidade suas batalhas.

Não deixeis de advertir e exortar ao recolhimento

Além disso, sabendo o quanto o piedoso instituto dos exercícios espirituais é eficaz para manter a dignidade e a santidade da ordem eclesiástica, vosso zelo episcopal cuidará com sumo empenho desta obra salutar.

Não deixeis de advertir e exortar todos aqueles que são chamados ao serviço divino a se recolherem frequentemente em santa solidão para se desprenderem das preocupações exteriores e, pela meditação das coisas eternas e divinas, se purificarem das manchas contraídas na poeira mundana, renovarem o espírito eclesiástico e, despojados do homem velho, revestirem com suas obras o novo, que é criado em justiça e santidade.

Não vos pese termos discorrido longamente a respeito da educação e da disciplina do clero. Com efeito, não ignorais que muitos são aqueles que, enfastiados pela inconstância e complexidade dos erros, sentem necessidade de professar nossa santíssima Religião e, com ajuda de Deus, serão tão mais facilmente levados a abraçar sua doutrina, seus preceitos e conselhos quanto mais virem resplandecer no clero a piedade e a pureza, unidas à sabedoria e aos bons exemplos.

De resto, irmãos caríssimos, não duvidamos que todos vós – abrasados de caridade em relação a Deus e ao próximo, inflamados de sumo amor à Igreja, dotados de virtudes quase angélicas, armados de zelo episcopal e de prudência, unidos num mesmo desejo de santa vontade – seguireis as pegadas dos Apóstolos e, como convém aos Bispos, imitareis o modelo de todos os pastores, Jesus Cristo, do qual sois embaixadores.

Excerto de: BEATO PIO IX. Qui pluribus, 9/11/1846.

 

 

 

Notas:
[1] CONCÍLIO DE TRENTO. Sessio XXII. De reformatione, c.I.
[2] BENTO XIV. Ubi primum, n.1.
[3] Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Sessio XXIII. De reformatione, c.XVIII.