Quando Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, houve uma alegria em toda a natureza, e esta se revestiu de um novo esplendor: os astros brilharam com mais intensidade, o ar tornou-se mais puro, as águas das fontes ficaram mais cristalinas, as plantas tomaram maior viço, os animais se alegraram e se tornaram mais saudáveis; os homens bons adquiriram mais esperança.

Por quê? Porque vinha ao mundo Aquele que, sendo o próprio Deus, ligara a Si todo esse conjunto por meio da natureza humana.

Ao olharmos a menor das pedras, a menor das plantas, o menor dos animais ou o menor dos homens, devemos pensar nisto: a natureza deles está, de algum modo, presente em Nosso Senhor Jesus Cristo e, assim, ligada a Deus, participando de sua glória no mais alto do Céu, no oceano de esplendor de santidade da Trindade Beatíssima.

Um abismo preenchido pela Santíssima Virgem

Contudo, o espírito humano, sequioso de ordem e de razoabilidade em todas as coisas, busca um ser que preencha o abismo infinito ainda existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo e a mera criação: um ser tão próximo do Homem-Deus, que estivesse acima dos Anjos; mas que, sendo pura criatura humana, englobasse também todas as demais naturezas.

Esse ser é precisamente Nossa Senhora. Ela foi colocada numa altura insondável, e numa plenitude de glória, de perfeição e de santidade inimagináveis. Acima d’Ela está somente a humanidade de seu Divino Filho e a Santíssima Trindade.

Por um mistério também insondável, Maria Santíssima gerou virginalmente Nosso Senhor Jesus Cristo, permanecendo virgem antes, durante e depois do parto por ação do Espírito Santo, de quem Se tornou, assim, verdadeira Esposa.

A dignidade de ser Mãe do Verbo Encarnado, Esposa do Espírito Santo e Filha dileta do Padre Eterno A coloca, embora sendo uma criatura puramente humana, acima dos Anjos.

Criada com a missão de obter a vinda do Messias

Nossa Senhora é o grampo de ouro que liga a criação a Nosso Senhor Jesus Cristo. Posta no alto do universo, Ela contém em Si toda a beleza das meras criaturas.

Qual é o papel dessa criatura tão excelsa?

A Santíssima Virgem sempre foi representada como estando em oração, no momento em que recebeu o anúncio do Arcanjo São Gabriel.

Sem dúvida, Ela pedia a vinda do Salvador que haveria de resgatar a humanidade e fundar a instituição a qual dispensaria a graça em tal abundância, que os homens afinal se tornariam mais frequente e facilmente virtuosos e, assim, a verdade, a beleza, o bem, a grandeza, o amor a Deus poderiam constituir-se no mundo e levar as almas ao Céu.

Nenhuma outra criatura humana tinha valor e virtude suficientes para impetrar e alcançar tal graça. Ela foi criada especialmente com a missão de obter a vinda do Messias esperado.

Seus sofrimentos durante a Paixão

Em certo momento, a Virgem Santíssima recebeu a revelação da Paixão pela qual passaria seu Divino Filho e dos sofrimentos atrozes que viriam sobre Ele e sobre Ela.

Nossa Senhora deveria padecer em união com Aquele que sofreu como nunca nenhum homem tinha sofrido e nem sofreria até o fim do mundo. À Passio – Paixão – de Jesus se uniria a compassio – a compaixão, o “co-sofrimento” – de Maria.

Para que os homens pudessem ser salvos e dar glória a Deus, Ela consentiu em ser a Mãe do Redentor e suportar esses tremendos sofrimentos.

É possível conceber o que Nossa Senhora sofreu durante a Paixão?

Imaginemos o que sentiria qualquer mãe que, andando pela rua, ouvisse de repente um alarido e, aproximando-se, visse seu filho sendo chicoteado, deitando sangue por todos os poros, carregando uma cruz, objeto da selvageria de um populacho brutal, que d dizia atrocidades e levava-o, junto com essa cruz, para ser crucificado e morrer no mais horroroso dos martírios, no alto de uma montanha.

Essa mãe desmaiaria, ficaria psicótica, louca, conforme o caso poderia até morrer.

Ora, Nossa Senhora queria a Nosso Senhor Jesus Cristo incomparavelmente mais bem do que qualquer mãe possa querer a seu filho. Em primeiro lugar, porque Ela é a melhor Mãe que houve e haverá; mas também porque Ela teve um Filho incomparavelmente melhor do que qualquer outro.

É difícil imaginar a graça e encanto manifestados por Nosso Senhor como Filho: todo o respeito, a ternura, a veneração, a delicadeza, a grandeza!

Como terão sido os trinta anos de intimidade entre Ele e Nossa Senhora, durante os quais Ela O viu crescer em graça e santidade diante de Deus e dos homens, e amou, com amor perfeito, cada estágio da perfeição d’Ele que ia se desenvolvendo? Qual era o abismo de adoração no qual Ela Se desfazia em relação a Ele?

Pois bem, Ela vê esse Filho, o próprio Deus, a própria Santidade, tratado assim por aquele populacho!

Quando Ela teve o encontro com Ele durante a Via Dolorosa, quando Ela recolheu os gemidos d’Ele, e foi a seu lado subindo até o alto do Calvário; quando Ela viu seus estertores finais e Ele gritar: “Eli, Eli lamá sabactâni Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonastes?”, e depois dizer: “Tudo está consumado”, inclinar a cabeça e exalar o espírito… Ao contemplar tudo isso, qual terá sido o sofrimento d’Ela?

Ela pedia o perdão para cada um de nós

Nesses momentos em que Maria Santíssima sofreu de um modo indizível, Ela manteve uma serenidade tão perfeita que Se conservou de pé o tempo inteiro junto à Cruz, com uma resignação e uma força que fazem d’Ela o modelo da criatura humana posta no sofrimento.

Até o último instante, Ela dizia ao Padre Eterno: “Eu consinto em que aconteça isso a meu Filho, para que Ele Vos dê a glória devida, salve as almas para Vós, ó meu Pai, e para que elas gozem da felicidade eterna junto a Vós no Céu”.

Dizem os teólogos que do alto da Cruz Nosso Senhor, cuja inteligência é infinita, conhecia todos os homens pelos quais Ele haveria de derramar até a última gota de seu Sangue.

Via, individualmente, todos os pecados que cada um cometeria, sofria por todos esses pecados e dava a sua vida para resgatar os pecadores que correspondessem à graça da Redenção.

Creio que para a compaixão de Nossa Senhora ser completa, Ela também nos conheceu individualmente naquela ocasião, e rezou em favor de cada um de nós.

De maneira que, enquanto o Verbo de Deus via aquela multidão de pecados que se desprenderia dos homens ao longo dos séculos, Ela pedia perdão para cada um, e Ele ia perdoando pelo pedido d’Ela pois, sendo inocente, Ela merecia o perdão que nós não merecíamos.

Foi, portanto, por causa das súplicas de Maria que cada um de nós obteve o dom de ser batizado, de conhecer a Igreja Católica, de receber os demais Sacramentos, de ter devoção a Ela e de manter-se fiel à Igreja nesses dias tormentosos em que vivemos. Será também pelo favor d’Ela que alcançaremos o Céu.

Nosso Senhor sendo descido da Cruz Pórtico da capela de Santa Catarina Catedral de Santa Maria, Burgos (Espanha)

Nossa Mãe e Advogada

Deus é Juiz, mas Nossa Senhora, como Mãe, é naturalmente a Advogada dos filhos.

É próprio ao papel de mãe defender o filho, por mais miserável, imundo, asqueroso e crápula que ele seja. Ela perdoa e pede a Deus que o perdoe também. Está solidária com o filho até quando o pai o abomina completamente.

Nossa Senhora, Mãe supremamente boa, rezou por cada um de nós e, considerando que as chagas de Nosso Senhor foram causadas, em parte, por nossos pecados, pediu a Ele:

Meu Deus, meu Filho, pela minha inocência, pela minha virgindade, pelo amor que Vós sabeis que Vos tenho, Eu Vos peço por este filho pecador. Em nome dessa chaga que Vós sofreis por causa dele, peço-Vos que o perdoeis.

E assim cada um de nós foi perdoado.

Foi, então, por meio de Nossa Senhora que Deus veio a nós na Encarnação e deu-se o Natal do Salvador, e é por intermédio d’Ela que vamos a Ele e recebemos os benefícios da Paixão e Cruz, isto é, da Redenção.

Por isso, morto Nosso Senhor, Maria Santíssima continuou a ser a grande intercessora junto a Ele, a Advogada que nunca abandonou homem algum, por mais pecador que fosse.

A ponto de ensinar a Teologia que se São Pedro, depois de ter cometido o pecado horroroso de negar o Divino Mestre, não desesperou, arrependeu-se e se salvou, foi pelos rogos de Maria, que lhe obteve a graça do arrependimento e o perdão.

E se Judas Iscariotes, o mercador péssimo que vendeu Nosso Senhor por trinta moedas, tivesse recorrido a Nossa Senhora, Ela o receberia com toda a bondade e misericórdia, e obteria o perdão também para ele.

Após a Morte do Salvador, é a Santíssima Virgem quem reúne os Apóstolos em torno de Si, está junto a eles em Pentecostes, acompanha a Igreja nos primeiros passos e é a sua grande protetora ao longo de toda a sua existência, presente nas batalhas onde os guerreiros católicos venceram os exércitos inimigos da Fé, presente nos combates contra as heresias, e na luta que noite e dia cada homem trava contra seus defeitos.

E ainda que não nos lembremos de Nossa Senhora, Ela está Se lembrando de nós do alto dos Céus, pedindo por nós com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.

Basta nos voltarmos para esta clementíssima Mãe para que Ela, cheia de bondade, nos atenda e nos limpe a alma, dando-nos força para praticarmos a virtude e nos transformarmos de pecadores em homens bons.

Nunca nos faltarão forças para os sacrifícios necessários à prática da Lei de Deus, desde que as peçamos a Nossa Senhora. Aqueles que se voltam a Ela recebem tudo; aqueles que se afastam d’Ela não recebem nada.

Rainha do universo

Maria Santíssima é chamada pela Igreja a “Porta do Céu”. É por esta Porta que todos os homens obtêm as graças: por Ela nossas orações chegam a Deus, e também todas as graças descem para os homens. Tudo nos vem por intermédio de Nossa Senhora.

São Luís Grignion de Mont­fort utiliza uma bela imagem para ilustrar essa realidade. Imaginemos alguém do povo que quer presentear o rei, mas não tem outra coisa para oferecer-lhe a não ser uma maçã. Entretanto, não tem coragem de apresentá-la ao monarca, por ser um presente muito comum. Então, pede à mãe do rei que oferte a ele essa maçã.

A mãe do monarca coloca a fruta numa bandeja de prata e lhe diz: “Meu filho, essa pessoa é minha filha também e pede-me para vos oferecer isto”. O rei sorri e a recebe como se fosse uma esfera de ouro.

Por vezes, as melhores ações dos homens têm o valor de uma maçã; mas, oferecidas pelas mãos virginais de Maria e acompanhadas do sorriso d’Ela, Deus as recebe com encanto, agradece e as recompensa. Quanto mais unidos a Nossa Senhora, mais poderemos praticar a virtude e nos tornar agradáveis a seu Divino Filho.

Como ensina a doutrina católica, se Maria Santíssima é de tal maneira a distribuidora de todos os dons, Ela é a Rainha do universo. E se Ela governa o universo inteiro, é também verdade que devemos nos consagrar a Ela como seus servos, deduz São Luís Maria Grignion de Montfort, para em tudo fazer a vontade d’Ela.

Alguém dirá: “Mas eu sinto minha fraqueza, minha imperfeição. Será que Nossa Senhora quererá uma elevação dessas para mim, tão cheio de pecados?” Eu respondo: Não tenho dúvida, porque Ela não recua diante do pecado de nenhum homem.

Misericórdia de Nossa Senhora

Em nossa época, a Santíssima Virgem está sofrendo agressões terríveis, pois os pecados são muito mais cheios de malícia. Entretanto, Ela não quer o fim da humanidade, mas deseja o perdão para ela.

E quando, em Fátima, Ela prenunciou castigos para o mundo, e disse até que várias nações desaparecerão, ao mesmo tempo anunciou a misericórdia, pois, diante dos castigos, pelo menos certo número dos homens contemporâneos vai se arrepender e ainda irá para o Céu.

E muitos hão de viver perdoados por Ela, para entrarem no Reino de Maria. Assim, Ela afirmou: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

Nós devemos pedir a Maria Santíssima que Ela vença nossos obstáculos, aniquile nossas maldades e que seja verdadeira para o mundo contemporâneo, como para cada um de nós, a promessa do triunfo de seu Imaculado Coração, tornando-nos apóstolos dos últimos tempos, perfeitos filhos e escravos d’Ela. Por essa forma, o Reino de Maria substituirá o reino do demônio sobre a face da terra.

Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Mariaque chorou em San José Pinula (Guatemala), fotografada no dia 25/4/2018
 
 
Extraído, com pequenas adaptações, da revista “Dr. Plinio”. São Paulo. Ano XVIII. N.212 (Nov., 2015); p.18-25.