Foi Paulo VI quem criou o Sínodo dos Bispos com sua atual configuração, em 15 de setembro de 1965.

Embora seja uma instituição permanente da Igreja, o funcionamento dessas assembleias episcopais é descontínuo, e cabe ao Papa convocá-las quando julga oportuno.

Até o presente, o tempo máximo decorrido entre duas assembleias gerais ordinárias foi de sete anos (a IX, realizada em 1994, e a X, em 2001).

Escolhidos nas várias regiões do mundo, os participantes se reúnem com a finalidade de promover a união entre o Papa e os Bispos, assistir com seu conselho o Santo Padre em matéria de fé, costumes e disciplina eclesiástica, e tratar de questões relativas à ação da Igreja.

Compete ao Santo Padre estabelecer os assuntos a serem debatidos. O Papa Bento XVI, seguindo a sugestão da maior parte do episcopado mundial, determinou que o tema da XII Assembleia Geral seja “a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”.

O Sumo Pontífice preside a Assembleia do Sínodo, pessoalmente ou através de representantes.

Em junho deste ano, Bento XVI nomeou o Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo – como um de seus três presidentes delegados para o Sínodo, juntamente com o Cardeal norte-americano William Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e o Cardeal George Pell, Arcebispo de Sydney, Austrália. Os três purpurados presidirão as sessões por turnos.

Esta Assembleia do Sínodo deverá reunir cerca de 250 bispos.

A preparação do próximo Sínodo

Tão logo fora decidido o tema da XII Assembleia, o Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos reuniu-se para elaborar, com a ajuda de alguns peritos, os Lineamenta – um documento expondo as linhas gerais do tema e propondo perguntas para uma reflexão sobre o assunto.

Foi ele enviado aos 13 Sínodos dos Bispos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, às 113 Conferências Episcopais, aos 25 Dicastérios da Cúria Romana e à União dos Superiores Gerais.

As respostas, chegadas do mundo inteiro, foram compiladas no Instrumentum Laboris, publicado em janeiro de 2008. A substância desse documento faz dele um profundo e vasto ensaio teológico sobre a Palavra de Deus.

Como os Lineamenta e o Instrumentum Laboris serão o subsídio das discussões no Sínodo, vejamos, em linhas gerais, o conteúdo de ambos, para podermos avaliar quão importante é a matéria a ser tratada.

A Igreja vive da Palavra de Deus

A Palavra de Deus, ensina-nos São Paulo,

é realizadora, mais afiada do que toda a espada de dois gumes: ela penetra até onde se dividem a vida do corpo e a do espírito, as articulações e as medulas e é capaz de distinguir as intenções e os pensamentos do coração (Hb 4, 12).

Quem melhor do que o Apóstolo das Gentes poderia nos dar esse testemunho sobre o poder da Palavra divina, ele que, armado apenas com ela, comprovou sua eficácia?

Esse trecho da Carta aos Hebreus foi, portanto, escolhido com muito acerto para encabeçar o Prefácio dos Lineamenta, no qual são explicados os motivos que levaram à escolha da Palavra de Deus para a discussão no Sínodo.

Adiante, somos lembrados de que, “comunicando-Se ao homem pecador, que porém é chamado à santidade, Deus exorta-o a mudar o mau comportamento”.

E o documento, com a simples afirmação de que “desde o princípio, a Igreja vive da Palavra de Deus”, deixa acentuada a oportunidade de ser esse o tema do Sínodo.

Afinal, foi o efeito dessa Palavra, somado ao exemplo de vidas santas, que permitiu à Igreja vencer o poderoso mundo pagão e converter o Império Romano.

Nada melhor do que ela agora, quando a Igreja precisa cumprir sua missão evangelizadora diante de um mundo re-paganizado em tantos aspectos e aparentemente impenetrável.

A chave do sucesso encontra-se novamente na conjugação desses dois elementos: o exemplo de vida e a Palavra.

Por isso, o Prefácio dos Lineamenta pode afirmar que “a Palavra de Deus é também o motor inesgotável da missão eclesial, tanto para os que estão perto como para os que estão longe”. 

Em sua estrutura, os Lineamenta refletem o tema do Sínodo, tendo três capítulos que discorrem sobre: Revelação, Palavra de Deus e Igreja, A Palavra de Deus na vida da Igreja e A Palavra de Deus na missão da Igreja.

A maravilha da Palavra de Deus: viva, afiada e eficaz 

Maria Santíssima, que sempre admirou e guardou amorosamente a Palavra de Deus em seu coração, deve servir de farol para essa assembleia de Bispos.

Assim, observam os Lineamenta, o Sínodo seguirá o exemplo d’Ela. Mais adiante, quando tratarmos do Instrumentum Laboris, veremos de modo mais aprofundado o papel de Nossa Senhora como modelo de acolhida da Palavra de Deus.

A Palavra divina

é viva, afiada e eficaz, no próprio coração da Igreja, na sua liturgia e na oração, na evangelização e na catequese, na exegese e na teologia, na vida pessoal e comunitária, bem como nas culturas dos homens, purificadas e enriquecidas pelo Evangelho.

Os Lineamenta prosseguem recordando a consagrada doutrina, enunciada já no Antigo Testamento, reassumida por São Paulo e trabalhada por São Tomás de Aquino: Deus deu ao homem tanto os meios quanto a capacidade de conhecê-Lo.

É verdade que o pecado entrou na história da Criação, com todo o seu poder perturbador. Não obstante,

Deus não abandona a sua criatura, infundindo nela um íntimo desejo de luz, de salvação e de paz, embora nem sempre consciente.

A manter vivo um tal anseio contribuiu o anúncio do Evangelho a todo o mundo, produzindo valores religiosos e culturais.

Lançando mão de uma belíssima metáfora, os Lineamenta comparam a Palavra de Deus com “uma sinfonia tocada por uma variedade de instrumentos”, uma vez que

Deus comunica a sua Palavra de muitas formas e de muitos modos, dentro de uma longa história e com uma diversidade de anunciadores, mas onde aparece uma hierarquia de significados e de funções.

Aquilo de bom, belo e verdadeiro que nos rodeia constitui, para nós, a Palavra de Deus: “o mundo criado ‘narra a glória de Deus’; tudo é sua voz”. 

A redescoberta da Palavra de Deus 

No fim dos Lineamenta encontram-se as perguntas dirigidas ao episcopado. Suas respostas deram base à redação do Instrumentum Laboris, o qual, como o nome diz, será o instrumento de trabalho dos Bispos durante a Assembleia Sinodal. 

O documento se inicia afirmando o ardente desejo de “guiar os Padres sinodais no caminho descendente e ascendente da redescoberta da Palavra de Deus, ou seja, de Jesus Cristo, homem e Deus”.

E, desde logo, procura ressaltar aquilo que de mais excelso pode haver aí: as celebrações litúrgicas,

que têm o seu ápice na Eucaristia, onde a palavra mostra a sua eficácia milagrosa.

De fato, por vontade expressa de Jesus Cristo – “fazei isto em memória de Mim” –, as palavras pronunciadas pelo sacerdote in persona “Christi capitis” – “tomai, isto é o meu corpo”, “isto é o meu sangue” – transformam, pela ação do Espírito Santo, dom do Pai, o pão no corpo e o vinho no sangue do Senhor ressuscitado.

Em seguida, na Introdução, o Instrumentum Laboris resume as perspectivas dos Pastores no Sínodo.

Entre os assuntos enumerados, encontra-se a necessidade de se conceder maior prioridade à Palavra de Deus na vida e missão da Igreja, levando-se em conta as situações concretas dos lugares e de nosso tempo.

Além disso, desejam os Bispos acentuar a necessidade de deixar bem claro que a Palavra de Deus é Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, na liturgia, as leituras bíblicas devem ser transmitidas à luz de seu mistério.

Um tópico essencial versa sobre uma situação que deve ser enfrentada com constância, perspicácia e resolução: a premente necessidade de “superar a indiferença, ignorância e confusão sobre as verdades da fé relativas à Palavra de Deus”. 

Da máxima importância é a proposta de um chamado ao laicato para tomar parte na evangelização: que cada fiel não seja apenas um sujeito passivo, mas, além de ouvinte da Palavra de Deus, seja também seu anunciador, “devidamente preparado e apoiado pela comunidade”.

Recordando a Constituição Pastoral “Dei Verbum”

Ao explicar a finalidade do próximo Sínodo, o Instrumentum Laboris lembra a Constituição Pastoral Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, começando por afirmar que a magna assembleia episcopal terá como uma de suas metas

contribuir para esclarecer certos aspectos fundamentais da verdade sobre a Revelação, tais como a Palavra de Deus, a Tradição, a Bíblia, o Magistério, que justificam e asseguram um válido e eficaz caminho de fé.

Outro de seus objetivos primários é “acender a estima e o amor profundo pela Sagrada Escritura”. É preciso favorecer o acesso dos fiéis a ela, “sublinhando a unidade entre o pão da Palavra e o pão do Corpo de Cristo, para pleno alimento da vida dos cristãos”.

Dever-se-á recordar uma verdade correlata à anterior: “a indissolúvel circularidade entre a Palavra de Deus e a liturgia”.

Problemas à espera de solução

Tendo ainda como ponto de referência a Dei Verbum, o documento volta-se em seguida para alguns aspectos “abertos e problemáticos”, que se verificam “um pouco por toda parte”. Entre esses cumpre destacar vários tópicos relacionados com a falta de uma devida formação religiosa.

Assim, é patente em nossos dias “um insuficiente conhecimento de todo o depósito da fé, a que a Bíblia pertence”, ainda que haja, de fato, “uma maior familiaridade com a Bíblia”.

Especialmente no que concerne ao Antigo Testamento, “é generalizada a dificuldade de compreendê-lo e acolhê-lo, com o risco de usá-lo de forma não correta”.

É essencial que seja afirmada

a estreita ligação entre os ensinamentos morais e a Sagrada Escritura, na sua plenitude, referindo-se particularmente aos Dez Mandamentos, ao preceito do amor de Deus e do próximo, como também ao discurso da Montanha e ao ensinamento paulino sobre a vida no Espírito.

Problemas em nível pessoal e social

Considerando a situação da fé nesse “quadro de luzes e sombras”, chega-se, no nível individual, a outra constatação muito grave, e relacionada com a falta de instrução religiosa: “Em muitos cristãos, o desejo intenso de ouvir a Palavra de Deus dá-se numa experiência mais emotiva que convicta, pelo escasso conhecimento que têm da doutrina”.

Verifica-se, pois, “sobretudo no encontro litúrgico com a Palavra de Deus”, uma verdadeira “ruptura entre verdades de Fé e experiência de vida”.

No nível social, o horizonte se apresenta carregado, com problemas exacerbados pelo processo de globalização o qual, “na sua rápida propagação, atinge também a Igreja”.

Entre os fatores que “servem de contexto ao encontro com a Sagrada Escritura”, foi citada pelos Bispos a secularização, em virtude da qual os católicos, especialmente os mais jovens, ficam expostos “aos desvios do secularismo consumístico, ao relativismo e à indiferença religiosa”.

É preciso ressaltar também as consequências do “pluralismo religioso e cultural, com o surgir de formas gnósticas e esotéricas na interpretação da Sagrada Escritura e de grupos religiosos autônomos dentro da Igreja Católica”.

Também muito recordados foram os “confrontos não fáceis e conflitos dolorosos, sobretudo para as minorias cristãs em ambientes não cristãos, a propósito do uso da Bíblia”.

A Palavra de Deus não se fecha na Escritura

A presença das Escrituras, bem como o papel da pregação, é assim explicado: 

A Sagrada Escritura, fixando por divina inspiração os conteúdos revelados, atesta, de forma autêntica, que é verdadeiramente Palavra de Deus, totalmente orientada para Jesus, porque “são precisamente elas [as Escrituras] que dão testemunho de Mim” (Jo 5, 39).

Pelo carisma da inspiração, os livros da Sagrada Escritura têm uma força de interpelação direta e concreta, que outros textos e intervenções humanas não têm. 

A Palavra de Deus, porém, não se fecha na escrita. Se, na verdade, a Revelação terminou com a morte do último Apóstolo, a Palavra revelada continua a ser anunciada e ouvida na história da Igreja, que se empenha em proclamá-la a todo o mundo para responder à sua necessidade de salvação.

Assim, a Palavra continua o seu curso na pregação viva, que abraça as diferentes formas de evangelização, onde sobressaem o anúncio e a catequese, a celebração litúrgica e o serviço da caridade.

A pregação no sentido apenas afirmado é, sob o poder do Espírito Santo, Palavra do Deus vivo, comunicada a pessoas vivas. 

A Igreja, única intérprete autêntica da Escritura

O Instrumentum Laboris, ao tratar das perguntas levantadas pelos Pastores sobre a relação da Sagrada Escritura com a Palavra de Deus, reafirma que cabe ao Magistério eclesiástico “o encargo de ‘interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida’, enquanto ‘piamente a ouve, religiosamente a guarda e fielmente a expõe’”.

Hoje em dia assistimos a uma “proliferação de livros não autênticos ou apócrifos”. Faz-se necessário, portanto, deixar claro “o alcance decisivo do reconhecimento canônico que a Igreja fez em matéria de Sagrada Escritura, garantindo a sua autenticidade”.

Em face das “interpretações gnósticas, hoje muito difusas, sobre a verdade das origens cristãs”, mais do que nunca se torna uma exigência orientar os cristãos, explicando-lhes “o que se entende por Cânone dos Livros Sagrados e como este surgiu”.

No mesmo sentido, a Igreja deve orientar e chamar a si a aprovação das traduções e a difusão da Escritura.

Maria, modelo de acolhimento da Palavra

O Instrumentum Laboris retoma e ilustra o papel da Santíssima Virgem – salientado nos Lineamenta –, ressaltando que Ela

se tornou modelo providencial de toda escuta e anúncio.

Já educada à familiaridade com a Palavra de Deus, na experiência intensa das Escrituras do povo a que pertence, Maria de Nazaré, desde o acontecimento da Anunciação até a Cruz, e mais precisamente até Pentecostes, acolhe na fé, medita, interioriza e vive intensamente a Palavra. […] “Estando intimamente penetrada pela Palavra de Deus, Maria pôde tornar-se mãe da Palavra encarnada”.

Em vista dessa sua atitude sublime, constante e fidelíssima, Nossa Senhora tornou-se “nosso modelo, tanto no acolher a fé, a Palavra, como no estudá-la. Não lhe basta acolhê-la, medita nela. Não só a possui, mas ao mesmo tempo a valoriza. Dá-lhe sentido e também a desenvolve”. 

O documento lembra, então, a importância daquela “forma simples e universal de escuta orante da Palavra, que são os mistérios do Rosário”.

E recorda como o pranteado Papa João Paulo II havia realçado a riqueza bíblica dessa devoção, “definindo-o como o ‘compêndio do Evangelho’”.

A Palavra de Deus na liturgia

Ao tratar sobre o uso da Palavra de Deus na liturgia, o Instrumentum Laboris pede que

as diversas partes da liturgia da Palavra – anúncio das leituras, homilia, profissão de fé, oração dos fiéis – se processem de forma harmoniosa, pondo em evidência a sua íntima ligação com a liturgia eucarística.

Também sobre as traduções, pede-se menos fragmentação dos trechos e mais fidelidade ao texto original.

Tendo presente que, na liturgia, o rito e a Palavra devem permanecer intimamente unidos, o encontro com a Palavra de Deus deve fazer-se na especificidade dos sinais que fazem parte da celebração litúrgica.

São os casos, por exemplo, da colocação do ambão, do cuidado com os livros litúrgicos, de um conveniente estilo de leitura, da procissão e incensamento do Evangelho. 

Além disso, ter-se-á o maior cuidado com a liturgia da Palavra, com a proclamação clara e compreensível dos textos e com a homilia, que se faz ressonância da palavra.

Os ministros ordenados: servidores da Palavra de Deus

O Instrumentum Laboris aborda também o papel dos ministros ordenados – Bispos, presbíteros e diáconos – na difusão da Palavra de Deus:

O Concílio Vaticano II ensina que “compete aos sagrados Pastores [...] ensinar oportunamente aos fiéis que lhes foram confiados no uso reto dos Livros Divinos”.

Portanto, essa função cabe diretamente e em primeira pessoa aos Bispos, quer como ouvintes da Palavra, quer como servidores da mesma, segundo o seu “munus docendi”. 

O Bispo confia esse ministério a seus colaboradores, os presbíteros e diáconos.

Sobre a homilia, salienta que “só o ministro ordenado pode fazer a homilia; já a proclamação na liturgia é função própria do leitor, que é um ministério instituído e, na sua falta, é feita por leigos, homens e mulheres”.

Salienta que

no uso quotidiano da Palavra, os presbíteros e diáconos encontram a luz necessária para não se conformarem com a mentalidade do mundo e fazerem um sadio discernimento pessoal e comunitário, que lhes permita guiar com zelo, na ação apostólica, o povo de Deus nos caminhos do Senhor.

O Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia

A Santa Missa é constituída por duas partes essenciais: a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística.

Como a última Assembleia do Sínodo, reunida em outubro de 2005, tratou sobre a Eucaristia, nada mais natural do que a próxima voltar-se para a Palavra.

Acompanhemos seu desenvolvimento, acolhendo o pedido feito pelo Papa, em seu último encontro com os membros do Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos: “Continuemos a rezar para que o Senhor faça frutuosa para toda a Igreja a Assembleia Sinodal!”.