Arautos do Evangelho: Abre-se para a Igreja do Brasil um novo período de evangelização e esperança. Quais os desafios mais salientes com que se depara a CNBB nesse período? Como enfrentá-los?
Dom Odilo: A CNBB manifestou seus propósitos para este quatriênio nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, aprovadas na última Assembléia.
A palavra de ordem apresentada nessas Diretrizes é: evangelizar. Retoma aquilo que foi colocado como objetivo geral há vários anos, aprofundando alguns aspectos da evangelização.
Ou seja, a evangelização colocada sob o tríplice enfoque do múnus de Jesus Cristo, que se prolonga na vida da Igreja:
Primeiro, o múnus profético, ou seja, anunciar, proclamar o Evangelho.
A palavra deve ser proclamada, deve chegar aos ouvidos, aos corações e, assim, movê-los para o encontro com Jesus Cristo.
Segundo, o múnus sacerdotal, portanto, a Liturgia.
Tudo que se refere à Liturgia, à oração, ao aspecto celebrativo do mistério de Cristo, através dos sacramentos, das outras formas celebrativas. Então, a celebração litúrgica como fruto e, ao mesmo tempo, como fonte e momento forte da evangelização.
O terceiro enfoque é o do ministério pastoral ou real de Jesus Cristo: a Igreja deve exercer o múnus pastoral.
Isto é interpretado como a caridade de Jesus Cristo que se prolonga na Igreja.
A caridade em todos os sentidos, mas de modo muito especial voltada para os mais carentes, os mais necessitados da sociedade, em relação aos quais a Igreja deve interpretar os sentimentos e a presença de Jesus Cristo Bom Pastor.
Portanto, nessas Diretrizes estão enfocadas as grandes preocupações, as grandes linhas de trabalho que a Igreja pretende desempenhar aqui no Brasil, impulsionadas por seus Bispos, nesses quatro anos.
É claro que, no contexto, se apresentam os novos desafios que estamos enfrentando atualmente.
A Igreja no Brasil olha para a realidade e vê que precisa realmente assumir mais a evangelização, ser mais missionária em relação a ela própria. Grande parte daqueles que batizamos na Igreja Católica, não os evangelizamos depois.
AE: Quer dizer, evangelizar os católicos não praticantes…
Dom Odilo: Sim, os católicos não praticantes. Nosso Cardeal sempre diz que eles têm o direito de esperar isso de nós, que os batizamos. Não só de nós, ministros ordenados, mas também dos pais que levam os filhos para batizar.
Depois, há também o aspecto missionário dos não-cristãos, da missão “ad gentes”, que permanece necessário e atual. Jesus Cristo mandou evangelizar todas as gentes.
Esta é a questão que se apresenta como forte, no momento atual: a Igreja Católica no Brasil toma consciência de que precisa ser mais evangelizadora, mais missionária, para ser fiel ao mandado de Cristo.
Um dos pontos que nos ajudou mais fortemente a chegar a isto foi o recenseamento do ano 2000, que mostrou o decréscimo percentual muito acentuado de católicos.
Decréscimo acentuado, talvez porque nós não os evangelizamos e não conseguimos envolvê-los na vida da Igreja, não conseguimos motivá-los suficientemente para o encontro com Jesus Cristo.
Nisso se liga o aumento das seitas, que fazem bom uso de nossa ausência e também da falha da evangelização de nossos próprios irmãos batizados.
Depois, é claro, somos muito fortemente impulsionados pelos acontecimentos, nestes últimos anos, na Igreja mesma.
Nós temos aí o Concílio Vaticano II, que nos ajuda a considerar as coisas com muito mais serenidade e ver que a Igreja precisa reassumir profundamente a dimensão missionária.
E o grande Jubileu do Ano 2000 ajudou-nos a sentir mais fortemente o apelo missionário. “Duc in altum” – é o apelo do Papa. Ele está fazendo efeito, com certeza.
Levar o barco para águas mais profundas, lançar as redes novamente, mesmo se nos parecer que não é tempo de pesca. Repetir a palavra de Pedro: “Senhor, em atenção à tua palavra, eu lanço as redes”.
É preciso que tomemos consciência de que evangelização é, antes de tudo, uma ordem de Cristo. A Igreja, volta a lançar as redes em águas mais profundas, começa a olhar para além de si própria.
O impulso missionário é exatamente sair de si para levar aos outros a Boa Nova, a riqueza do Evangelho.
Tudo isto é muito promissor. Então, esperamos que a Igreja no Brasil possa sentir-se fortemente impulsionada para uma nova evangelização.
Comentando um pouco mais, temos ainda outro aspecto. A PUC do Rio de Janeiro publicou um estudo onde mostra justamente um mapa da evolução da filiação religiosa no país, nas áreas metropolitanas, nas regiões novas do Brasil.
Esse mapa impressiona bastante. Vê-se como, de fato, ali, a presença católica está diminuindo.
Isso merece, naturalmente, muitas formas de interpretação. Porém, a presença católica está reduzindo-se. Não está reduzida, mas se pensarmos que numa cidade como o Rio de Janeiro, apenas 53% dos habitantes se declaram católicos…
AE: Quais as razões para isso?
Dom Odilo: Por isso, exatamente, convém interrogar-nos sobre as razões. Tudo isso leva-nos a pensar que a Igreja Católica precisa realmente retomar fortemente a questão da evangelização, da missão…
Sair em missão e – como eu gosto de dizer – não se contentar em manter as ovelhas mansas que já estão no redil ao redor do Bom Pastor, mas fazer com que os amigos do Bom Pastor também se tornem missionários, em procura das ovelhas distantes.
AE: Em documento recente, a Pontifícia Comissão para a América Latina pede aos movimentos eclesiais que contra-arrestem com sua evangelização o fenômeno das seitas. Como realizar este trabalho em sintonia com a CNBB?
Dom Odilo: Eu gostaria de colocar uma coisa que precisamos tomar como ponto de partida: nosso trabalho não deve ter tanto a preocupação de contrastar simplesmente as seitas. A preocupação deve ser mesmo assumir a missão que é nossa. Só este fato: nossos batizados têm o direito de ser evangelizados, e é um dever nosso evangelizá-los.
AE: É um grande trabalho…
Dom Odilo: Exato. Não queremos criar assim um trabalho de conflito, de enfrentamento, que não é o caso. De fato, temos tantos católicos, e não os atingimos! Como atingi-los? Este é o problema.
Esta preocupação da Pontifícia Comissão para a América Latina já tinha sido repassada para os Bispos. De fato, os movimentos, as associações, os grupos organizados católicos têm um grande potencial evangelizador.
Os leigos são hoje chamados a ser muito evangelizadores, segundo as competências próprias, no espaço em que eles estão, com o fermento próprio de seu carisma. Isto a gente espera dos Arautos do Evangelho, como de todos os outros movimentos.
Creio que proximamente, aqui em São Paulo, todos os movimentos e associações serão convocados pelo Arcebispo, para juntos, pensarmos, refletirmos. Eles receberão orientações sobre como fazer este trabalho.
AE: Coordenar estratégias…
Dom Odilo: Sim, coordenar estratégias; e também a forma, um pouco o método, que é importante, de como fazer.
Eu já estou falando disto com outros grupos: a gente gostaria de vê-los fortemente missionários, no seu ambiente, com sua forma própria de atuar.
Sobretudo, a preocupação de ir às ovelhas distantes, de atingir aqueles que nós, padres, não conseguimos atingir.
AE: Dom Odilo, algo disto os Arautos já estão realizando. Em suas Missões Marianas, percorrem os bairros de casa em casa, à procura dos católicos que têm o direito de receber de nós essa evangelização…
Dom Odilo: Eu acho que este é um trabalho muito importante.
Dando destaque à presença de Maria na vida da Igreja, na vida dos cristãos, nisto estamos sendo fiéis ao Evangelho, porque Ela é parte do Evangelho.
Maria foi dada aos cristãos por Jesus. Assim fazendo, Jesus não queria certamente que Ela ficasse escondidinha, mas sim que estivesse junto com a Igreja, onde estão os cristãos.
Existe um fato que é historicamente experimentado pela Igreja: onde entra Maria entra Jesus. É sempre, de novo, aquilo que aparece nas bodas de Caná: “Fazei tudo o que Jesus vos disser”.
Então, a força missionária de Maria é muito grande. É uma riqueza enorme que está na tradição do catolicismo popular, no mundo todo, mas muito especialmente no Brasil. Nós, justamente, devemos aproveitar, para tornarmos a evangelizar.
AE: Está em curso o “Ano do Rosário”. Qual o papel desta devoção no atual esforço evangelizador?
Dom Odilo: O Rosário também faz parte da religiosidade popular católica. O Papa, em sua bela carta Rosarium Virginis Mariæ, diz justamente que é uma devoção popular muito querida à Igreja.
Outra coisa especialmente bonita que ele diz é que o Rosário não é principalmente uma devoção marial, mas cristocêntrica. É Jesus Cristo que está no centro desta devoção!
Eu vejo no santo Rosário um potencial evangelizador enorme, ainda mais agora, enriquecido com os Mistérios Luminosos. Realmente, o ciclo dos vinte mistérios é o ciclo de meditação dos mistérios centrais da nossa fé, profundamente baseados no Evangelho.
É o Evangelho levado na devoção, na religiosidade popular; é o Evangelho do povo, dos pobres, e assim por diante.
O Rosário bem rezado, bem divulgado, tem uma enorme força evangelizadora.
Faço votos de que ele possa ser retomado, e que também os jovens, as crianças, as novas gerações aprendam a rezá-lo.
Que ele possa ser aquela devoção popular, uma forma de expressar a religiosidade muitas vezes, simples, mas genuína, autêntica, porque tem Jesus no seu centro.
Então, foi muito oportuno o Papa ter feito este apelo lançado o ano do santo Rosário, para que este volte a ser muito valorizado. O Papa diz também que é um tesouro a ser redescoberto. É verdade!
Onde se reza o Rosário se chega também a Jesus Cristo. Nunca para na Mãe, mas a Mãe leva a Jesus.