Somos convidados a entrar nesse processo de despertar de nossa vida cristã, que o tempo do Advento nos propõe. Para isso, precisamos de auxílio.
E quem pode ajudar-nos nesse intento são os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus, os Bem-aventurados Luís e Zélia Martin, que são especialmente conhecidos e estimados por vós, aqui em Alençon.
Lendo a história de sua vida, a primeira coisa que me impressiona é o apelo que eles nos fazem a viver a santidade nos atos mais comuns de cada dia. Reconheçamos não ser essa a nossa principal preocupação.
Sem dúvida, ouvimos já o Evangelho das Bem-aventuranças, no dia da festa de Todos os Santos. Bem sabemos que a vida cristã tem algo a ver com a santidade… mas daí a querer tornar-se Santo há um grande passo que muito frequentemente não queremos dar.
Não é este o caso de Luís e Zélia Martin. A santidade faz parte de seu projeto de vida.
Zélia escreveu um dia a suas filhas Maria e Paulina: “Quero ser Santa. Não será coisa fácil. Há muitas arestas a aparar e a madeira é dura como pedra. Melhor seria ter começado mais cedo, quando era menos difícil, mas enfim ‘antes tarde do que nunca’”.
A santidade é a vida cristã tomada a sério
Luís e Zélia compreenderam que a santidade é a vida cristã tomada a sério, a experiência da fé desdobrada ao longo de toda a existência.
O segredo de sua vida cristã resume-se nestas palavras: “Primeiro, o serviço de Deus”. Eles nos levam a perguntar-nos: a procura e a descoberta do amor ao Senhor são de fato a bússola de nossa vida?
A vida dos esposos Martin assemelha-se à nossa. Por certo, vemo-la hoje marcada pela sua época, pela mentalidade daquele tempo e a cultura de seu ambiente.
Fundamentalmente, porém, sua existência se parece com a de milhões de outras: um convívio no qual os temperamentos de Luís e de Zélia, tão diferentes sob certos aspectos, procuram ajustar-se.
Têm eles, também, uma vida de família numerosa; uma pequena empresa que é fonte de seu sustento, mas também de muitas preocupações; alegrias do lar; o cuidado com pais idosos; enfermidades e lutos; uma prática fiel da Religião, parecida à de certo número de piedosos católicos praticantes de sua cidade no século XIX.
Entretanto, em seu lar, essa vida cotidiana que nada tem de extraordinário nem de heroico será pervadida pela percepção profunda da misteriosa presença de Deus, pela convicção de dependermos de sua Providência, quer dizer, de que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus.
Essa fé que os guia exprime-se numa profunda confiança no amor de Deus por nós. Se o Senhor está presente, se Ele nos ama, se Ele nos guia e guarda, por que ter medo? Deixemo-nos conduzir por Ele. Disse Zélia:
Quando considero tudo quanto Deus – em quem pus toda a minha confiança e em cujas mãos depositei o cuidado de meus empreendimentos – fez por mim e meu marido, não posso duvidar de que sua Divina Providência cuide de modo particular dos seus filhos.
E quanto a nós? Vivemos nessa acolhida da presença de Deus em nós? Moramos em Deus como Ele em nós? Deixamos o Senhor estabelecer-nos na confiança e na paz?
Em tudo, fazer a vontade de Deus
Luís e Zélia empenham-se em descobrir o desígnio de Deus a respeito deles, e fazer Sua vontade. Essa procura é o que guia suas decisões ou suas ações cotidianas, tanto nas grandes quanto nas pequenas coisas.
E no centro da educação dada às suas filhas está o convite a fazer a vontade de Deus. Eles procuram interpretar, através dos acontecimentos de sua vida, o que Deus quer fazê-los compreender, para poderem dizer “sim”, como a Virgem Maria ao Anjo da Anunciação.
Esforçam-se para fazer a vontade de Deus em sua vida de casal, na educação das filhas, no trabalho profissional, nas atividades eclesiais. Não estabelecem uma divisão entre a esfera religiosa e a esfera profana de sua existência. Sabem que sua vida inteira deve ser santificada, precisa transcorrer sob o olhar de Deus.
E quanto a nós? Nossa vida é toda iluminada pelo Evangelho? Tem ela suas zonas de sombra? Suas resistências ao Espírito Santo? Aproveitemos este tempo para nos colocarmos na luz de Deus.
Zélia e Luís procuram, cada qual a seu modo e cada qual nas diferentes etapas de sua existência, discernir a atitude de fé que Deus deles espera.
Perante o perigo de morte que espreita este ou aquele de seus filhos recém-nascidos, diante da aparição do câncer em Zélia, ou da enfermidade cerebral em Luís, eles rogam ao Pai, como Jesus no Horto das Oliveiras, para afastar esse cálice, mas logo, como Ele, acrescentam: “Faça-se, porém, a vossa vontade, e não a minha”.
Zélia diz às suas filhas: “Devemos pôr-nos na disposição de aceitar generosamente a vontade do bom Deus, qualquer que seja, pois ela será sempre o que de melhor pode haver para nós”.
Não se veja nessas expressões alguma manifestação de masoquismo ou de mórbida complacência sacrifical. Luís e Zélia procuram a atitude justa para dar-se a Deus e ao próximo.
Testemunhas da alegria de crer e de viver em Cristo
Em sua última carta, endereçada a seu irmão, alguns dias antes de sua morte, Zélia escreve: “Se a Virgem Santíssima não me cura, é porque chegou a minha hora e o bom Deus deseja fazer-me repousar em algum lugar que não seja a terra”.
Luís, por sua vez, vê suas filhas, uma após outra, partirem para a vida religiosa. Corre o risco de ficar só, mas não quer segurá-las para si. Ele vivencia a situação de Abraão, a quem Deus pede o sacrifício de seu filho.
Quando, por ocasião da entrada de Teresa no Carmelo, alguém lhe diz que ele nada tem a invejar a Abraão, responde vivamente: “Sim, mas confesso que teria erguido lentamente a faca, esperando o Anjo e o carneiro!”.
Verdadeiramente, Luís e Zélia Martin querem seguir o Cristo que toma o caminho do dom total de si mesmo e conhecem, pela fé, a fecundidade de tal dom.
Refletindo sobre sua vida, vemos quanto é na oração, na Eucaristia, numa regular vida eclesial e numa atenção muito realista para com os outros, que eles haurem, no dia-a-dia, a energia para o dom de si. Eles são, assim, testemunhas da alegria, da verdadeira alegria, a de crer e de viver em Cristo.
Irmãos e irmãs, celebramos nesta manhã a Eucaristia do Senhor. Também nós somos chamados a sairmos do centro de nós mesmos, nos voltarmos para os outros e vivermos um verdadeiro dom de si.
Luís e Zélia Martin nos apontam o rumo. Que eles intercedam por nós e nos ajudem a prosseguir, com passo resoluto, nossa caminhada com o Senhor. Amém.