Resíduo pré-conciliar e mera lei eclesiástica. São estas, em síntese, as principais e mais perniciosas objeções que surgem no periódico reacender-se do debate sobre o celibato sacerdotal.
No entanto, nada disso tem fundamento real, tanto se considerarmos os documentos do Concílio Vaticano II, quanto se nos ativermos ao Magistério pontifício: o celibato é um dom do Senhor que o sacerdote é chamado a acolher livremente e a viver em plenitude.
Radical continuidade no Magistério pré e pós conciliar
De fato, examinando os textos, nota-se, acima de tudo, a radical continuidade entre o Magistério anterior e o posterior ao Concílio.
Mesmo com acentos por vezes sensivelmente diferentes, o ensinamento papal das últimas décadas, de Pio XI a Bento XVI, é unânime em fundar o celibato sobre a realidade teológica do sacerdócio ministerial, sobre a configuração ontológica e sacramental ao Senhor, sobre a participação no seu único sacerdócio e sobre a imitatio Christi que isso implica.
Somente, portanto, uma incorreta hermenêutica dos textos do Vaticano II – começando pela Presbyterorum ordinis – poderia levar a ver no celibato um resíduo do passado do qual liberar-se.
E essa posição, além de histórica, teológica e doutrinariamente errada, é nociva inclusive do ponto de vista espiritual, pastoral, missionário e vocacional.
Exigência intrínseca da configuração a Cristo
À luz do Magistério pontifício, é preciso também superar a redução, muito difundida em certos ambientes, do celibato a uma mera lei eclesiástica.
De fato, é uma lei somente por ser uma exigência intrínseca do sacerdócio e da configuração a Cristo, que o Sacramento da Ordem determina.
Nesse sentido, a formação para o celibato, além de qualquer outro aspecto humano e espiritual, deve incluir uma sólida dimensão doutrinária, porque não se pode viver aquilo cuja razão não se compreende.
Enriquecimento positivo do sacerdócio
Em todo caso, o debate sobre o celibato, que se reacende periodicamente ao longo dos séculos, certamente não favorece a serenidade das jovens gerações no compreender um elemento tão determinante da vida sacerdotal.
João Paulo II, na Pastores dabo vobis (n.29), reportando-se ao voto da assembleia sinodal, afirma:
O Sínodo não quer deixar dúvidas na mente de ninguém sobre a firme vontade da Igreja de manter a lei que exige o celibato livremente escolhido e perpétuo para os candidatos à ordenação sacerdotal no rito latino.
O Sínodo solicita que o celibato seja apresentado e explicado na sua plena riqueza bíblica, teológica e espiritual, como dom precioso de Deus à sua Igreja e como sinal do Reino que não é deste mundo, sinal também do amor de Deus a este mundo e ainda do amor indiviso do sacerdote a Deus e ao seu povo, de modo que o celibato seja visto como enriquecimento positivo do sacerdócio.
Não podemos baixar o nível da proposta da fé
O celibato é questão de radicalidade evangélica. Pobreza, castidade e obediência não são conselhos reservados de modo exclusivo aos religiosos. São virtudes para serem vividas com intensa paixão missionária.
Não podemos baixar o nível da formação e, sobretudo, da proposta de fé. Não podemos frustrar o povo santo de Deus, que espera pastores santos como o Cura d’Ars. Devemos ser radicais na sequela Christi, sem temer a diminuição do número de clérigos.
De fato, tal número decresce quando baixa a temperatura da fé, porque as vocações são “trabalho” divino e não humano. Elas seguem a lógica divina, a qual é insensatez aos olhos humanos.
Umas das mais eficazes vias para superar a secularização
Dou-me conta, obviamente, de que num mundo secularizado é cada vez mais difícil compreender as razões do celibato.
Mas, como Igreja, devemos ter a coragem de nos perguntar se tencionamos nos resignar a esta situação, aceitando como inevitável a progressiva secularização das sociedades e das culturas, ou se estamos preparados para uma obra de nova evangelização profunda e real, a serviço do Evangelho, e por isso, da verdade sobre o homem.
Acho, neste sentido, que o fundamentado apoio ao celibato e sua adequada valorização na Igreja e no mundo possam representar algumas das vias mais eficazes para superar a secularização.
Centralidade da dimensão ontológica e sacramental
A raiz teológica do celibato pode, pois, ser encontrada na nova identidade dada àquele que é honrado com o Sacramento da Ordem.
A centralidade da dimensão ontológica e sacramental, e a consequente estrutural dimensão eucarística do sacerdócio, representam os âmbitos de compreensão, desenvolvimento e fidelidade existencial ao celibato.
A questão, portanto, diz respeito à qualidade da fé. Uma comunidade que não tenha em grande estima o celibato, qual expectativa do Reino ou qual tensão eucarística poderá viver?
Não devemos, pois, nos deixar condicionar ou intimidar por quem não compreende o celibato e quereria modificar a disciplina eclesiástica, ao menos abrindo fissuras.
Pelo contrário, devemos recuperar a fundamentada consciência de que nosso celibato desafia a mentalidade do mundo, colocando em crise seu secularismo e seu agnosticismo e bradando, nos séculos, que Deus existe e está presente.