Resulta interessante – é, de fato, providencialmente desafiador – que as duas celebrações litúrgicas desta posse coincidam com as festas de dois mártires.

Ontem à tarde, na oração das Vésperas, comemoramos o martírio de Edith Stein, Santa Teresa Benedita da Cruz. […] Hoje celebramos o Diácono romano Lourenço, do século III, martirizado durante a perseguição de Valeriano. […]

Para produzir frutos, a semente deve morrer na terra

Um mártir é, afinal, no sentido mais estrito, uma testemunha.

Ou seja, alguém cujo discipulado é tão autêntico, tão profundo, tão intransigente, tão confiável que, com a graça de Deus, está disposto e desejoso de tudo entregar por Cristo e pela verdade que Ele revelou, e a fazê-lo enfrentando o medo, os prejuízos, o desprezo, a rejeição, o sofrimento e inclusive a morte.

Trata-se de uma doação total de si mesmo em resposta ao amor de Cristo derramado por nós na Cruz.

Para alguns, como São Lourenço, esse testemunho conduz a um dramático clímax: a morte sobre uma grelha.

Porém, para a maioria de nós, o testemunho se traduz num compromisso perseverante com Cristo e com o Evangelho, isto é, num morrer para si mesmo cotidianamente, repetidamente, nas coisas grandes e nas pequenas.

E isso só poderá ser obtido de um modo benéfico, saudável e vivificante tendo uma profunda esperança e até mesmo, paradoxalmente, uma autêntica alegria.

Não está aí o cerne do Mistério Pascal, que faz emanar da morte vida nova e abundante?

Não é claramente esse o sentido das palavras de Jesus aos seus discípulos: “Em verdade, em verdade vos digo, se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica só; mas, se morrer, dá muito fruto?” (Jo 12, 24).

Lembrem-se do contexto dessa passagem do Evangelho: o início da semana da Paixão. A hora de Jesus tinha chegado, e Ele estava abrindo os olhos de seus amigos mais próximos para o mistério de sua iminente morte redentora.

Mestre dos mestres que Ele é, Jesus lançou mão de uma realidade evidente na natureza: a semente deve morrer na terra para produzir fruto; do contrário ela ficará infrutífera, improdutiva, verdadeiramente morta.

Resistir em face de uma sociedade crescentemente relativista

Esse surpreendente e fundamental ensinamento de Jesus resulta relevante não apenas para nosso próprio crescimento pessoal em santidade, mas tem também profundo significado para nossa missão neste mundo que poderia ser perfeitamente resumida numa palavra: “Evangelização”.

E ela consiste, nas palavras do Papa Paulo VI, em “levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade”.[1]

A evangelização, tarefa de todo batizado, anseia por transformar os indivíduos em Cristo, e a nossa cultura crescentemente secularizada em uma civilização de amor e uma cultura de vida

Cultura que seja respeitosa da existência humana desde a concepção até a morte natural, e a cada momento; do Matrimônio como união entre um homem e uma mulher, abertos à nova vida; protetora da liberdade religiosa e de consciência; compassiva com os pobres e com os imigrantes, e muito mais.

Nós precisamos da convicção, coragem, tenacidade e desprendimento dos mártires – e de sua esperança – para resistir, em nossa sociedade crescentemente relativista, em defesa dessas verdades e valores hoje tão ameaçados.

Nossa primeira prioridade: Evangelização

O Beato João Paulo II e o Papa Bento XVI convocaram-nos para uma nova Evangelização.

Não se trata de transmitir uma nova mensagem, mas sim de renovar nosso ímpeto, zelo, urgência e métodos, pondo um especial empenho em chegar aos católicos não praticantes, conforme a promessa feita pelo Senhor em Ezequiel: “Buscarei as ovelhas perdidas” (Ez 34, 16).

Desde que a Boa Nova chegou pela primeira vez aqui, ao oeste do Estado de Nova York, no início do século XVII, a Evangelização tem sido contínua.

Ora, os últimos Papas têm chamado a nossa atenção para um novo engajamento, que deve começar pela renovação espiritual pessoal e estender-se a todas as instituições e comunidades católicas, e ainda além, alcançando paróquias, escolas, faculdades e universidades, hospitais, serviços sociais, mídia, etc.

Quando li as Propostas de Planejamento para nossa diocese fiquei encantado ao encontrar consignada como primeira prioridade a Evangelização. Isto é,

desenvolver o entusiasmo pela própria fé; convidar outros a ouvir a mensagem de salvação em Jesus Cristo e estimular os valores do Evangelho em nossa sociedade, vivendo a fé na justiça, verdade e caridade.

O que deve morrer em mim para crescer em santidade?

Vamos direto ao assunto. Voltando aos mártires, ao grão que deve cair na terra e morrer a fim de dar testemunho confiável de Cristo, da verdade, chegamos a uma questão difícil para cada um de nós: o que deve morrer em mim, em você, para crescermos em santidade, e para que o trabalho da nova evangelização produza bons frutos?

Será um vão temor ou certa falta de esperança? Ou talvez o ceticismo, a autocontemplação, a apatia ou a mediocridade? Haverá, quiçá dúvidas, desconfianças ou amarguras, quem sabe se culposas? Não estamos acomodados demais em nossas zonas de conforto?

O que devemos fazer para que o nosso discipulado, testemunho e missão como Igreja seja verdadeiramente eficaz e conduza as pessoas para Cristo – ou de volta a Ele, e contribua a criar uma comunidade de Fé e orientar a bússola de nossa cultura para uma rota mais voltada ao divino?

Nesta jornada, neste projeto, nunca estamos sozinhos. Como afirma São Paulo, Deus é poderoso para nos cumular com toda espécie de benefícios e aumentar os frutos da nossa justiça (cf. II Cor 9, 8. 10).

Para termos uma safra abundante, basta sermos doadores gozosos e semear copiosamente.

 

Excertos da homilia durante a Missa de tomada de posse 10/8/2012. Texto integral em www.buffalodiocese.org

Nota
[1] Evangelii nuntiandi, n.18.