Após a celebração do tempo do Natal, estamos no período litúrgico chamado Tempo Comum. Durante este período, a Liturgia coloca diante de nós a figura de Jesus, Messias e missionário do Pai.
Ele evangeliza não só com sua palavra e seus atos, mas também com sua simples presença. A isso se refere justamente o Evangelho que acaba de ser proclamado (Mc 4, 35-41).
A Fé é o ato fundamental da Religião
A chave para entender o ensinamento deste Evangelho encontra-se nas duas perguntas feitas por Jesus aos discípulos. “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes Fé?”.
A Fé, prezados irmãos e irmãs, é o ato fundamental da Religião, do nosso relacionamento com Deus. O autor da Carta aos Hebreus nos ensina, logo no início do capítulo 11, que sem a Fé não é possível agradar a Deus, não se pode chegar à salvação.
Mas a Fé tem diversas dimensões, é uma realidade complexa. Ter Fé é obedecer à palavra de Deus. Ter Fé é acolher o Messias como Filho de Deus e nosso Salvador. Ter Fé é confiar em Deus.
Esta terceira dimensão da Fé, a confiança, é justamente a que está em jogo no Evangelho que acabamos de ouvir. Jesus encontra-Se com seus discípulos numa barca, no mar agitado por altas ondas. Mas Ele dorme.
E os discípulos interpretam o dormir de seu Mestre como uma ausência, como se Cristo não Se interessasse por eles, não Se incomodasse com a sua sorte.
Ter Fé é ter confiança em Deus
Esta dúvida na Fé pode acontecer na vida do cristão. Quantas vezes também nós interpretamos o silêncio de Deus como uma ausência, como se Ele tivesse Se esquecido de nós, não Se importasse conosco! Ora, isso não é verdade.
Por esse motivo Jesus pergunta aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes Fé?”.
Esta pergunta – “ainda não tendes Fé?” – recorda a afirmação do profeta Isaías: “Se não crerdes não permanecereis” (Is 7, 9), isto é, se não tiverdes Fé não podereis manter-vos de pé.
Uma pessoa sem Fé assemelha-se a alguém que, caminhando à beira do rio, começa de repente a afundar-se num atoleiro e se agarra nos próprios cabelos, numa vã tentativa de salvar-se.
Nada conseguirá com isso, talvez até se afunde mais depressa… Quem começa a afundar-se num pântano só pode escapar segurando uma mão que lhe é estendida.
E isso é a Fé, é ter confiança em Deus. Confiar não em nós mesmos, nem nos outros, mas em Deus. Prender-se na mão de Deus quando nos sentirmos afundando, quando o barco da nossa vida estiver naufragando nas ondas do mar.
O pecado é um ato de ateísmo prático
O Evangelho desta Missa nos apresenta o medo e a dúvida dos discípulos de Jesus, enquanto a primeira leitura (II Sm 12, 1-7a.10-17) nos mostra a negação da Fé: o pecado do rei Davi.
De fato, o pecado é um ato de ateísmo prático. No momento de pecar, a pessoa se esquece de Deus, age como se Ele não existisse. Decide levar a vida por conta própria, determinando ela mesma o que é bom e o que é mau para si.
Foi justamente o que fez Davi: esqueceu-se de Deus, decidiu levar a vida por sua própria conta.
Após cometer adultério com a esposa de Urias – um soldado fiel que combatia no exército do rei –, Davi recorreu em vão a diversos estratagemas mentirosos, para salvar as aparências.
Por fim, enviou ao general ordens para colocar Urias, o soldado fiel, no ponto mais perigoso da batalha, de modo que ele morresse. E assim aconteceu. Então, em todo esse processo de pecado após pecado, Davi não se lembrava mais de Deus. Tornou-se um ateu prático.
O mais belo Salmo da Sagrada Escritura
Mas o Senhor, conforme vimos na primeira leitura, enviou-lhe o profeta Natã para chamá-lo à conversão.
E o profeta contou essa parábola simples e bela, que nos enche de emoção: um homem rico tinha um grande rebanho de ovelhas, enquanto seu vizinho pobre possuía apenas uma ovelhinha que ele criara dentro de sua casa como se fosse sua filha; e o rico apossou-se dessa ovelhinha, para dar de comer a um visitante.
“O homem que fez isso merece a morte!” – exclamou Davi, quando o profeta acabou de contar a parábola. E Natã replicou: “Este homem és tu, ó rei!”.
Davi se arrependeu e, para expressar seu arrependimento, compôs o Salmo 50, que foi a nossa resposta orante à primeira leitura. Talvez seja este o mais belo Salmo da Sagrada Escritura.
Ele expressa o processo do pecador que se arrepende, confessa sua falta e recebe o perdão de Deus – o Sacramento da Reconciliação, poderíamos dizer.
O pecador perdoado tem uma grande missão
Neste Salmo existem verbos no passado, no presente e no futuro.
O verbo no passado manifesta o exame de consciência e o arrependimento: “Foi contra Vós, só contra Vós eu pequei; fiz o mal diante dos vossos olhos”.
Eu creio, irmãos e irmãs, que se no momento da tentação nos recordássemos que estamos diante de Deus, para o qual nada é oculto, não cometeríamos o pecado.
O pecado aliena o pecador não só com relação ao próximo, mas também com relação a Deus. Ele é ofensa a Deus.
O verbo no presente expressa a confissão e o pedido de perdão: “Tende piedade de mim, ó Deus, na vossa imensa misericórdia. Perdoai o meu pecado, apagai as minhas transgressões”.
E o verbo no futuro expressa a penitência e a missão do homem perdoado por Deus: “Ensinarei aos maus vossos caminhos, e para Vós se voltarão os transviados”.
Irmãos e irmãs, parece-me que seria muito bom meditar neste Salmo, ao se preparar para o Sacramento da Penitência. Aí está todo o processo que nos leva a confessar nossos pecados e pedir perdão.
Quem recebe a absolvição tem uma grande missão a cumprir: anunciar aos pecadores os Mandamentos divinos, a vontade de Deus, para que eles também se voltem para Deus.
Um teólogo apaixonado pela Eucaristia
Hoje a Liturgia celebra a memória de São Tomás de Aquino, que viveu no século XIII, na Idade Média Central.
Além de teólogo, foi um grande Santo. Mas ele não é apenas um teólogo, ele é o Teólogo dos teólogos, o mestre de todos os teólogos da Igreja.
Eu ensinei teologia durante 31 anos e tenho a convicção de que quem não leu a obra de São Tomás, pelo menos a Suma Teológica, não pode denominar-se teólogo. Conhecer a obra de São Tomás é uma condição para ser teólogo católico.
Sempre me emocionou muito sua doutrina sobre a Eucaristia. Ele a considerava o centro da sua vida. Era apaixonado pela Eucaristia.
E é interessante observar que, na Suma Teológica, ele trata dos Sacramentos depois de expor a Cristologia, depois de tratar de Cristo. E isto é significativo.
Explanando os Sacramentos depois da Cristologia, São Tomás quis justamente mostrar que os Sacramentos são os canais da graça, e estes canais estão ligados a uma fonte: Cristo, do qual provém a graça salvífica que recebemos nos Sacramentos.
Jesus é a fonte, os Sacramentos são os canais que trazem a graça até nós.
A Eucaristia: uma continuação da Encarnação
E para o Doutor Angélico a Eucaristia é o Sacramento central. Todos os demais têm referência à Eucaristia. Porque os outros Sacramentos nos comunicam a graça salvífica do Mistério pascal, e na Eucaristia temos a própria presença do Cristo ressuscitado.
Para ele, a Eucaristia é semelhante à Encarnação, é de certo modo uma continuação da Encarnação.
E na humanidade de Jesus Cristo, o Verbo encarnado, nessa humanidade que os olhos humanos podiam ver, estava presente a divindade oculta aos olhos humanos. A divindade presente e agindo na humanidade de Jesus.
Acontece o mesmo na Eucaristia: nas espécies pão e vinho, que nossos olhos veem, está presente o Cristo ressuscitado que nossos olhos não podem ver. É através das espécies eucarísticas que Ele vem até nós, vem ao nosso coração.
E de fato nós podemos dizer que a Eucaristia é uma continuação da Encarnação.
Jamais Jesus poderia ter dito na Última Ceia: “Isto é o meu Corpo, este é o cálice do meu Sangue”, se Ele não tivesse assumido na Encarnação, no ventre de Nossa Senhora, um verdadeiro corpo humano.
Existe um hino à Eucaristia, em latim, em melodia gregoriana, que se inicia com estas palavras: “Ave verum corpus natum de Maria Virgine” (Eu vos saúdo, verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria).
Nós podemos pronunciar estas palavras quando nos aproximamos da Eucaristia para recebê-la, quando contemplamos e adoramos a Eucaristia: “Salve, verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria”.
A Eucaristia antecipa de certo modo a vida eterna
Além de indicar esta semelhança da Eucaristia com a Encarnação, São Tomás de Aquino nos mostra que ela tem várias dimensões: passado, presente e futuro.
A dimensão do passado: a Eucaristia torna presente a imolação de Cristo no Calvário, para nossa salvação. Esta imolação está presente no Sacramento da Eucaristia.
A Eucaristia tem uma dimensão presente: ela é sinal de que Cristo nos acompanha em nossa peregrinação terrena. Nós podemos entrar em contato com a verdade do seu Corpo e do seu Sangue, eles nos alimentam nesta peregrinação.
Mas há na Eucaristia também uma dimensão voltada para o futuro: ela é a antecipação e anúncio da vida eterna. A vida eterna consiste na comunhão com Deus, e na Eucaristia nós entramos em comunhão com Ele. Portanto, antecipa de certo modo a vida eterna.
Para encerrar esta reflexão, gostaria de recordar as últimas palavras pronunciadas por São Tomás de Aquino quando a Eucaristia, algumas horas antes de sua morte, lhe foi trazida como Viático.
Olhando para a Sagrada Hóstia, ele disse: “Eu Te recebo, alimento; eu Te recebo, preço da redenção da minha alma, Viático da minha peregrinação. Por Ti vivi, trabalhei e estudei”. Amém.