Conforme ensina Santo Irineu – grande Bispo, teólogo e mártir do século III – o Filho e o Espírito Santo são as duas mãos pelas quais Deus Pai opera no mundo e realiza nossa salvação.
A missão do Filho e a do Espírito Santo são diferentes, mas complementares, e iguais em dignidade e valor.
A primeira leitura desta Missa se refere à missão sacerdotal do Filho, o Verbo Encarnado, e o Evangelho alude à missão do Espírito Santo, sobretudo a de comunicar os dons do mistério pascal de Cristo, especialmente a remissão dos pecados.
“Eis que venho fazer a vossa vontade”
Iniciemos nossa reflexão pela primeira leitura, um belíssimo texto da Carta aos Hebreus (Hb 9, 15.24-28), que trata de modo profundo, pode-se dizer de modo oficial, do sacerdócio de Cristo.
Segundo o seu autor, o sacerdócio de Cristo é único e original, diferente não só do sacerdócio das diversas religiões da Antiguidade, mas até mesmo do sacerdócio levítico existente no Antigo Testamento.
Essa epístola nos apresenta o sacerdote como representante do povo perante Deus, que oferece preces, dons e sacrifícios pelos pecados do povo.
Mas aqui é necessário prestar atenção, pois, embora represente o povo perante Deus, o sacerdote não é escolhido pela comunidade. Ninguém tem o direito de ser sacerdote, é Deus quem escolhe, quem chama.
Ainda de acordo com a Carta aos Hebreus, o sacerdote é o mediador entre Deus e a humanidade, uma espécie de pontífice que liga a humanidade ao Criador. O Filho tornou-Se sacerdote in æternum na Encarnação, ao assumir a natureza humana.
Podemos, pois, dizer que a catedral onde Ele foi ungido sacerdote para sempre é o seio puríssimo de Maria Virgem. E o primeiro sacrifício por Ele oferecido a Deus Pai é a sua obediência, aceitando nossa natureza, nossa condição humana.
Todos nós conhecemos as belíssimas palavras do décimo capítulo da Epístola aos Hebreus: “Ó Deus não quisestes sacrifícios nem oblações, mas Me formastes um corpo. Eis que venho para fazer a vossa vontade” (cf. Hb 10, 5-9).
Cristo, Sumo Sacerdote, exerceu em plenitude o seu sacerdócio na sua morte na Cruz.
Mas, segundo a Carta aos Hebreus, toda a sua existência terrestre, a começar pela pregação, foi uma existência sacerdotal. Como sacerdote Ele anunciou o Evangelho, realizou seus milagres, morreu e ressuscitou pela nossa salvação.
E pela Ressurreição – continua São Paulo em sua carta – Ele, como Sumo Sacerdote, penetra no santuário celeste, para apresentar ao Pai o seu sacrifício.
E é justamente essa apresentação eterna que Cristo faz ao Pai, do seu sacrifício na Cruz, que é a fonte de salvação para toda a humanidade.
Sumo Sacerdote, digno de fé e misericordioso
A Epístola aos Hebreus apresenta-nos três características do sacerdócio de Cristo: Sumo Sacerdote, digno de fé e misericordioso.
Foi Sumo Sacerdote, isto é, sacerdote perfeito. Os outros, como sacerdotes imperfeitos, procuravam reconciliar a humanidade com Deus, mas não conseguiram. Somente Cristo conseguiu. Sumo Sacerdote significa também sacerdote uno, original.
Os outros sacerdotes oferecem preces, dons, sacrifícios. Cristo, porém, não oferece a Deus sacrifício de animal nem de coisa alguma: oferece Se a Si mesmo.
Ele é ao mesmo tempo sacerdote e vítima. Sendo o sacerdote perfeito, também o seu sacrifício é um sacrifício perfeito, aboliu todos os outros sacrifícios.
Ele é um sacerdote digno de fé. Portanto, tem autoridade para ser sacerdote, porque Ele é ao mesmo tempo Deus e Homem. Então, Ele e só Ele podia unir a humanidade a Deus.
Finalmente, Ele é um sacerdote misericordioso, solidário com todos os seres humanos, sobretudo com os pecadores. Solidário com os pecadores, mas não com o pecado, porque no pecado não existe solidariedade, mas sim cumplicidade.
Cristo, solidário com os pecadores, lutou até a morte contra o pecado. E essa solidariedade com os seres humanos, a Carta aos Hebreus a expressa num título que coloca Cristo, Sumo Sacerdote, acima até mesmo dos Anjos: Filho de Deus e nosso Pai.
Os Anjos não são filhos de Deus, são seus servidores. Por isso mesmo a Sagrada Escritura os apresenta sempre de pé diante do trono de Deus, em atitude de serviço. Só Cristo, Sumo Sacerdote, é Filho de Deus e nosso Pai.
E para o autor da Carta aos Hebreus, esse fato deve nos encher de consolação, pois temos junto de Deus não apenas um intercessor, não apenas um advogado: temos um irmão, Aquele que passou pela nossa existência humana, que foi em tudo igual a nós, exceto no pecado.
Portanto, Aquele que tem a capacidade de nos compreender não só com seu Coração divino, mas também com um coração humano.

Missão cristocêntrica do Espírito Santo
Voltemos agora nossa reflexão brevemente para o Evangelho que acabamos de ouvir (Mc 3, 22-30). Podemos dizer que a missão do Espírito Santo é cristocêntrica, toda voltada para Cristo. Ele tem por missão levar todas as pessoas a se tornarem discípulos e discípulas do Divino Mestre.
Por isso mesmo o Espírito Santo não diz novas palavras, mas torna sempre nova a palavra dita por Cristo, leva a Igreja a compreender em profundidade a palavra de Jesus, mantém na Igreja a plenitude da verdade.
Sua missão é fazer com que acolhamos e interiorizemos a palavra de Cristo, e vivamos de acordo com ela; é fazer de nós evangelizadores, administradores da mensagem de Nosso Senhor; mas é também comunicar os dons do mistério salvífico do Redentor.
Na Última Ceia, quando prometeu o dom do Espírito Santo, disse Jesus: “Convém a vós que Eu vá! Porque, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se Eu for, vo-lo enviarei. E, quando Ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado” (Jo 16, 7-8).
Ou seja, convencerá o mundo do pecado em vista da conversão e da salvação. E, segundo o quarto Evangelho, a primeira coisa que o Ressuscitado fez, na tarde do domingo da Páscoa, foi aparecer aos discípulos e soprar sobre eles o Espírito Santo (cf. Jo 20, 19-22).
É interessante observar que Cristo não invoca o Espírito Santo para que este desça dos Céus sobre os discípulos. Cristo sopra o Espírito. Só Ele tem o poder de doar o Espírito Santo.
Doa o Paráclito aos seus discípulos e lhes diz: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23).
A partir deste fato, podemos compreender a dramática expressão usada por Jesus no Evangelho de hoje: “Quem blasfemar contra o Espírito Santo jamais terá perdão” (Mc 3, 29).
O pecado contra o Espírito Santo
Em que consiste a blasfêmia contra o Espírito Santo?
Em Cristo, Deus Pai oferece o dom da salvação a todas as pessoas. Aquelas que, movidas pelo Espírito Santo, se convertem, acolhem o dom da salvação.
Mas as que não se convertem, que querem continuar escravas do pecado e resistem ao seu impulso, estas estão renunciando ao dom da salvação.
Então, a blasfêmia contra o Espírito Santo consiste antes de tudo em não querer se converter, em optar por continuar escravo do pecado. Enquanto a alma estiver nessa situação, não poderá obter o perdão dos pecados.
Mas blasfemar contra o Espírito Santo significa também procurar desculpas para não se converter, como fizeram os judeus: atribuíram os milagres de Jesus, não ao poder do Espírito Santo, mas ao de Belzebu, príncipe dos demônios. Cometeram uma blasfêmia.
Geralmente as pessoas, quando não querem abandonar as vias do pecado, alegam falsas razões para não se converterem, chamam o bem de mal e o mal de bem. Ora, isso também é blasfemar contra o Espírito Santo.
Então, é necessário tomarmos consciência de que a salvação é um dom de Deus, que Cristo nos oferece. Ele quer de tal modo a nossa salvação que enviou o Espírito Santo para nos convencer do pecado, isto é, para nos mover ao arrependimento, a acolher o dom da salvação.
Quer de nós, portanto, que colaboremos para não podermos jamais cometer este pecado tão grave, que é blasfemar contra o Espírito Santo.
Participamos do sacerdócio de Cristo
Gostaria agora de apresentar aos sacerdotes aqui presentes algumas conclusões a respeito da primeira leitura desta Missa.
Tive a graça de, como sucessor dos Apóstolos, impor as mãos sobre dezenas de Arautos do Evangelho, para que eles fossem ungidos pelo Espírito Santo e se tornassem ministros de Deus.
E todos nós, sacerdotes, devemos tomar consciência de que existe um único sacerdócio: o de Cristo, do qual apenas participamos.
Em segundo lugar, devemos exercer com muita humildade nosso ministério sacerdotal. Não tivemos direito de ser sacerdotes, foi um dom gratuito de Deus. A história da nossa vocação iniciou-se não nesta Terra, aqui embaixo.
Iniciou-se no alto, na eternidade. Antes mesmo de nascermos, Deus nos escolheu para sermos sacerdotes, como está escrito no livro do profeta Jeremias: “Antes que no seio fosses formado, Eu já te conhecia; antes de teu nascimento, Eu já te havia consagrado” (Jr 1, 5).
Portanto, devemos viver o nosso sacerdócio, exercer o nosso ministério cada dia, com um coração agradecido a Deus. E essa gratidão deve se estender por toda a eternidade, porque somos sacerdotes eternamente.
O sacerdote, como mostra São Paulo na Carta aos Hebreus, tem uma missão muito especial: manifestar aos pecadores a misericórdia de Deus. Então, ele deve cuidar de todas as ovelhas do rebanho, mas, sobretudo, das ovelhas enfermas, os pecadores.
Sair à procura dos pecadores, abrir as portas da misericórdia divina, no Sacramento da Confissão, para reconciliá-los com Deus.
Assim, que esta primeira leitura fique bem gravada em nossos corações, para podermos viver em profundidade, cada dia, o nosso sacerdócio, lutando com alegria, com a alma cheia de gratidão a Deus.
do Rosário, 19/3/2012
São Tomás de Aquino, diretor espiritual
Neste dia em que se inicia o ano letivo nas escolas de Filosofia e Teologia dos Arautos do Evangelho, a Liturgia comemora São Tomás de Aquino, que foi ao mesmo tempo teólogo, místico e homem espiritual. Pode-se chamá-lo de diretor espiritual.
Como teólogo, ele procurou uma compreensão firme, metódica, organizada, racional da Fé Cristã. Como místico, toda a sua teologia está voltada para o amor de Deus.
O místico é aquele que desenvolve uma união amorosa com Deus, e, na medida em que vai se aprofundando, esta união torna-se uma experiência direta d’Ele. Podemos dizer que o místico já antecipa neste mundo aquilo que será nossa condição definitiva: a união amorosa, a experiência direta de Deus.
A teologia de São Tomás de Aquino expressa essa procura da união mística com Deus. E é também uma teologia espiritual. O Doutor Angélico não tem uma espiritualidade própria, porque toda a sua teologia é uma teologia espiritual, que nos conduz à santidade.
Há pouco ainda eu falava do Espírito Santo, e São Tomás nos dá uma compreensão muito importante da Pessoa e da missão do Espírito Santo.
Seguindo a tradição de Santo Agostinho – do qual ele é quase um discípulo –, Tomás também coloca a seguinte questão: qual é o nome da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade? E responde: nós a chamamos de Espírito Santo.
Mas espírito o Pai também é, o Filho também é; Santo é igualmente o Pai, é igualmente o Filho.
Então qual é o nome próprio da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade? Responde ele: é Dom. Dom, com maiúscula, porque é aquele elo de amor pessoal, que une o Pai e o Filho.
Ele procede do Pai e do Filho. Portanto, é Dom. O Espírito Santo é a graça incriada, é Deus que vem até nós como presente, como Dom.
Mas São Tomás continua: o Espírito Santo produz em nós todos os dons, a graça santificante, os seus carismas, os seus frutos.
Então, vejam que bela noção ele nos dá: o Espírito Santo é Deus que vem até nós, procedendo do Pai e do Filho, portanto, como Dom, como graça e presente.
Santa Maria Novella, Florença (Itália)
A Cruz nos ensina a viver a nossa vida cristã
Mas na comemoração litúrgica de São Tomás de Aquino, o Ofício das Leituras, que recitamos na Liturgia das Horas, traz uma página muito bonita de sua autoria, o trecho de uma conferência, na qual ele coloca a seguinte pergunta: Por que precisou Cristo sofrer na Cruz por nós?
E responde: para nos dar o remédio contra o pecado; mas também para nos ensinar como viver, como segui-Lo. E o grande teólogo afirma que a Cruz é um verdadeiro livro.
Precisamos ler este livro! Contemplando a Cruz, aprendemos todas as lições necessárias para nossa vida cristã. Contemplando a Cruz, aprendemos o que é de fato o amor. Contemplando a Cruz, aprendemos a humildade.
Contemplando a Cruz, aprendemos a paciência. Contemplando a Cruz, aprendemos o desprendimento dos bens materiais, dos títulos, das honras, e assim por diante.
Então, conclui o Doutor Angélico, não existe uma lição de vida cristã que nós não tiremos da contemplação da Cruz.
Creio que a Igreja teve até hoje três grandes teólogos, e os três estão muito ligados entre si.
O primeiro é o Apóstolo São Paulo; não houve um ponto da teologia que ele, pelo menos implicitamente, não quisesse tocar. O segundo é Santo Agostinho. E terceiro, o insuperável São Tomás de Aquino.
Portanto, prezados irmãos, como já disse no ano passado, repito: façamos de São Tomás de Aquino não só nosso mestre, mas também aquele modelo do seguimento de Jesus carregando a Cruz.
Pois ele mostra de fato que a Cruz é um livro, é a Cruz que nos ensina como viver de acordo com o Evangelho, como viver no seguimento de Jesus.