Na primeira Missa Crismal que celebrou após assumir o Ministério Petrino, assim se dirigiu Bento XVI aos presbíteros que com ele concelebravam na Basílica de São Pedro:
O mistério do sacerdócio da Igreja encontra-se no fato de que nós, pobres seres humanos, em virtude do Sacramento, podemos falar com o seu “Eu”: “in persona Christi”. Ele quer exercer o seu sacerdócio através de nós.1
A identidade do sacerdote é a de Cristo
Um só é o Sacerdote do Novo Testamento, Jesus Cristo Nosso Senhor, como salienta a Epístola aos Hebreus (cf. 7, 11-28). Nós somos Seus instrumentos, em virtude do Sacramento da Ordem que nos identifica com Ele.
É o que se manifesta claramente nos gestos e palavras do Bispo, durante o rito da ordenação.
Quando, em silêncio, ele impõe suas mãos sobre a cabeça do candidato, invocando o Espírito com a oração consagratória, é Jesus mesmo – Sumo e Eterno Sacerdote – que toma posse de cada um. A ordenação sacerdotal produz uma mudança real em quem a recebe, visível somente aos olhos da fé.
São Josemaría acentuava isso quando, falando da identidade do presbítero – que causava incertezas em alguns, nos primeiros anos do pós-concílio – não hesitava em afirmar com decisão: “Qual é a identidade do sacerdote? A de Cristo.
Todos os cristãos podem e devem ser, não apenas alter Christus, mas sim ipse Christus: o próprio Cristo! No sacerdote, porém, isto acontece imediatamente, de forma sacramental”.2 […]
Algo de análogo ocorre com o fiel comum, ungido pelo caráter batismal: sua vida inteira fica conformada com Cristo. Não se pode ser cristão, filho de Deus e partícipe do sacerdócio de Jesus Cristo, apenas esporadicamente, quando se reza ou assiste a uma cerimônia litúrgica.
O ser cristão impregna – deve impregnar – as 24 horas do dia; todos os batizados devem aspirar a isso. O mesmo deve dar-se conosco que recebemos o Sacramento da Ordem: precisamos ser “sacerdotes a cem por cento”, em todos os momentos e circunstâncias, como gostava de repetir São Josemaría.
Levamos o tesouro divino em vasos de barro
“Ser sacerdote – recordarei com palavras de Bento XVI –
significa tornar-se amigo de Jesus Cristo, e isto cada vez mais com toda a nossa existência.
O mundo tem necessidade de Deus. Não de um deus qualquer, mas do Deus de Jesus Cristo, do Deus que Se fez carne e sangue, que nos amou a ponto de morrer por nós, que ressuscitou e criou em Si mesmo um espaço para o homem.
Este Deus deve viver em nós, e nós n’Ele. Esta é nossa vocação sacerdotal: só assim nosso ministério sacerdotal pode dar fruto.3
Estamos convencidos de que as palavras do Papa refletem a mais clara realidade. Mas sabemos também que – como escreveu São Paulo – levamos o tesouro divino em vasos de barro (cf. II Cor 4, 7). Talvez tenhamos revivido em alguma ocasião a experiência de Simão Pedro depois da pesca milagrosa.
Por vezes vemos em toda a sua amplitude a desproporção entre a grandeza da tarefa a nós imposta – tornar Cristo presente entre os homens – e nossas limitações pessoais.
Não obstante, a lembrança de que Jesus nos chamou “amigos” (cf. Jo 15, 15) e nos sustenta com Sua graça, nos fortalecerá e ajudará a superar esses momentos, quando se apresentam. “A fé em Jesus, Filho do Deus vivo, é o instrumento pelo qual sempre de novo tomamos a mão de Jesus, e mediante o qual Ele toma as nossas mãos e nos orienta”.4
Identidade com Cristo no exercício do ministério
Se toda a nossa existência estiver marcada pelo caráter sacerdotal, com maior razão isso sucederá quando exercitarmos os atos próprios de nosso ministério; e é sobretudo aí onde devemos procurar nossa própria santificação.
Soube expor isso com agudeza o Servo de Deus Mons. Álvaro del Portillo, um dos peritos que mais trabalharam para salientar, no Concílio Vaticano II, a vocação dos presbíteros para a santidade, precisamente no exercício de seu ministério.
Permiti-me ler algumas de suas palavras, as quais são como um resumo do que gostaria de transmitir neste curto tempo de convívio fraterno.
Impõe-se conseguir que os sacerdotes adquiram em seus anos de preparação, e na ulterior formação permanente, uma clara consciência da identidade que existe entre a realização de sua vocação pessoal – ser sacerdote na Igreja – e o exercício do ministério “in persona Christi Capitis”.
Seu serviço à Igreja consiste essencialmente (outros modos de servir podem ser legítimos, mas são secundários) em personificar ativa e humildemente, entre seus irmãos, Cristo sacerdote que vivifica e purifica a Igreja, Cristo Bom Pastor que a conduz em unidade para o Pai, e Cristo Mestre que a fortifica e estimula com Sua palavra e o exemplo de Sua vida.
Essa formação do sacerdote é algo que dura toda a vida, porque, em seus diversos aspectos, tende – deve tender – a formar Cristo nele (cf. Gl 4, 19), realizando essa identificação como tarefa, em resposta ao que ela já tem como dom sacramental recebido.
Uma tarefa que postula – mais do que uma incessante atividade pastoral, e como condição da eficácia desta – uma intensa vida de oração e penitência, uma sincera direção espiritual da própria alma, um recurso ao Sacramento da Penitência vivido com periodicidade e extrema delicadeza, e toda essa existência enraizada, centralizada e unificada no Sacrifício Eucarístico.5 […]
Santa inquietação de fomentar vocações sacerdotais
Termino com outras palavras de São Josemaría, na esperança de que avivem mais ainda em todos os presbíteros a santa inquietação de fomentar vocações sacerdotais.
Durante uma viagem pela América do Sul, quase no fim de sua vida terrena, dirigiu-se a um grupo de sacerdotes diocesanos, impulsionando-os a preocupar-se com a formação daqueles que dão esperanças de receber a vocação ao sacerdócio.
Procurai ajuda econômica e enviai ao seminário essas almas que estais preparando desde que são meninos.
Dai-lhes vida interior, ensinai-os a amar a Deus, a encontrá-Lo dentro de sua alma, a ter uma filial devoção a Maria Santíssima, a considerar que a mais importante coisa do mundo é ser “outro Cristo”e “o próprio Cristo.6 […]
A Virgem Maria, Mãe do Sumo Sacerdote e Mãe nossa, nos alcançará de seu Filho – com nosso esforço concreto – o dom da santidade no exercício de nosso trabalho sacerdotal, para sermos instrumentos eficazes na santificação das almas, que Deus quer realizar por nosso intermédio.