O sacerdócio está intimamente ligado à oferta de toda a Igreja, ao sacrifício eucarístico.
Sua razão de ser é, entre outras, o prolongamento no tempo do mistério da salvação contido nela, o oferecimento da única “Vítima pura, santa e imaculada”, e, com Ela, a alimentação do povo santo de Deus.
E a grandeza dessa tarefa supõe em cada um de nós, sacerdotes de Cristo, precisamente aquela “imitação do que comemoramos” e a “conformação da própria vida com o mistério da cruz do Senhor” que celebramos.
É por isso que nossa vida deve estar orientada a reproduzir o modelo supremo, que é Jesus Cristo. O sacerdote já não vive em função de si mesmo, nem foi consagrado para realizar sua própria vontade.
Está em função desse Outro que o chamou, e se faz totalmente disponível para Aquele que o consagrou, e que nos diz à maneira de testamento e programa de vida: “Meu alimento é fazer a vontade do que Me enviou e levar a cabo sua obra” (Jo 4, 34).
Sacerdote: homem de disponibilidade e obediência
Queridos irmãos sacerdotes, nestas palavras aparece clara uma primeira nota característica de nossa vida: a da obediência. Se atendermos por um momento às palavras do rito de ordenação, não deixará de nos chamar a atenção o fato de que, com efeito, o sacerdote está chamado a ser um homem de disponibilidade e obediência. […]
E a verdade é que só assim – fazendo nossa a disposição de obediência de Jesus, mediante a “renúncia a si mesmo, e reafirmando a promessa de cumprir os sagrados deveres que por amor a Cristo aceitamos gozosos no dia de nossa ordenação para servir à Igreja”1 – seremos autenticamente livres, nosso ministério verdadeiramente fecundo para a Igreja e o Reino, e nossa vida inteiramente feliz e plena. […]
Obediência não é sinônimo de opressão
Não surpreende que o mundo de hoje, submetido ao secularismo e ao que se chamou a civilização da acedia,2 não só não seja capaz de assumir essa lógica amorosa e oblativa da obediência, mas se revolte francamente contra ela e veja na obediência um sinônimo de opressão.
Lamentavelmente, o influxo dessa perspectiva mundana e falaz se deixa sentir não poucas vezes dentro do corpo eclesiástico quando em certos âmbitos do mesmo ocorrem o espírito de contestação, a aberta dissensão com relação ao Magistério.
Quando ocorre a formação de grupos e mecanismos de pressão que buscam encurralar os bispos, as ações ou organizações à margem dos legítimos pastores, a busca de “consensos débeis” que imprimem um espírito de mediocridade na vida eclesiástica.
Ou ainda nos projetos pastorais ou eclesiásticos que tentam erigir novas ideologias ou formas mentis totalmente alheias ao Evangelho e ao sentir da Igreja, como ídolos aos quais render culto. Tudo isso para escândalo e confusão dos fiéis.
É verdade que, de um lado, tais procedimentos revelam naqueles que os propugnam uma assimilação totalmente imatura do Espírito de Cristo e da Igreja.
Por outro lado, são todas essas realidades que parecem manifestar uma vez mais a ação tenebrosa do Maligno, e reeditam o mistério da Paixão do Senhor, agora como paixão da Igreja, que completa em seu corpo as dores e sofrimentos de quem é sua Cabeça.3 […]
A vida espiritual é fundamental no sacerdote
Quero referir-me a uma segunda nota característica de nossa vida e nosso ministério sacerdotal. Para nós, sacerdotes, o encontro diário com o Senhor Jesus na oração, na meditação assídua da Palavra de Deus e na celebração e adoração eucarística, não é algo opcional.
É ali, na oração sincera e profunda, que se dá a assimilação do autêntico estilo de vida do Senhor Jesus, o amadurecimento do significado de ser sacerdote e o nosso crescimento na amizade com Aquele que nos amou até o extremo. […]
Em síntese, a vida espiritual é fundamental no sacerdote, para sua própria salvação e no que diz respeito a seu ministério e testemunho.
E sua ausência traz gravíssimas consequências, como o vemos muitíssimas vezes. Só ela assegura ao sacerdote um amor fiel e generoso, um coração não dividido, uma entrega total à Igreja.
Um imenso dom para a Igreja
E abordo aqui muito brevemente uma terceira e última característica: a do celibato.
O celibato – bem o sabemos – é um imenso dom para a Igreja. Verdadeiramente, ele torna o sacerdote livre para um serviço universal, abre seu coração às necessidades de todos os fiéis, capacita-o para uma entrega sem cálculos nem medidas.
Mas a vivência do mesmo – convém relembrar isso – supõe também aplicar com responsabilidade os meios que nos permitam amadurecê-lo, e integrar positivamente em nossa vida a renúncia que supõe, assim como desenvolver os bens espirituais e pastorais que traz consigo.
Face ao que temos visto com muita pena e dor nos últimos anos, a Igreja não pode permitir entre seus filhos sacerdotes uma vida dupla que prejudica gravemente o corpo eclesial e tira a credibilidade a seus ministros.
Por isso o Santo Padre nos pediu recentemente que contribuamos para reparar os gravíssimos danos causados nessa matéria, orando pelos sacerdotes que caíram em faltas graves, assim como por suas vítimas. E isto obriga também cada um de nós a nos reexaminarmos seriamente.
Por isso, caros irmãos, esforcemo-nos realmente para ser reconhecidos como verdadeiros sacerdotes, pela integridade de nossos costumes, pelo zelo de nossa caridade pastoral, pelo desejo de amar segundo o coração de Jesus, Bom Pastor, e para deixar transparecer isso em nosso exterior.
E insisto aqui, como fiz saber em minha recente Carta Pastoral: nós, sacerdotes, por nosso próprio estado de vida, estamos obrigados a usar o distintivo externo que nos corresponde, quer dizer, o traje clerical. […]
Para terminar, caros irmãos, em retribuição pelo imerecido dom do chamado ao sacerdócio ministerial, não nos pode caber senão uma comovida ação de graças a Deus Amor por este imenso dom que recebemos: ser “outros Cristos”, fazer as vezes de Cristo Cabeça e representá-Lo no meio da comunidade a nós encomendada.