Domingo da Ressurreição. Bem cedo, antes de raiar o dia, três mulheres envoltas em amplos mantos, portando jarros e tecidos, avançavam a passos ligeiros pelo caminho que conduz de Jerusalém ao horto do Santo Sepulcro.

Entrementes, uma perplexidade as incomodava: “Quem nos removerá a pedra da entrada?” (Mc 16, 3). 

Paixão e Morte do Divino Mestre

Enquanto caminhavam, os acontecimentos vividos nos dias anteriores não lhes saiam da memória.

Na quinta-feira, haviam participado da Sagrada Ceia, durante a qual Jesus distribuiu a seus discípulos o Pão e o Vinho transubstanciados, dizendo: “Isto é o meu corpo. Este é o cálice do meu sangue” (cf. Lc 22, 19-20).

Pouco depois receberam a inesperada notícia de sua prisão e, na manhã seguinte, assistiram no Pretório à sua condenação.

Aquelas três mulheres que acompanharam o Divino Mestre em suas viagens e pregações e assistiram a muitos dos seus milagres, ficaram horrorizadas e desoladas quando o governador romano O apresentou ao povo, dizendo: “Eis o homem!” (Jo 19, 5).

Desfigurado, coroado de espinhos, coberto com um manto de derrisão, estava o Messias irreconhecível. Cena tão dolorosa, ao invés de despertar a piedade, pelo contrário, levou a turba enraivecida a gritar: “Crucifica-O! Seja crucificado!”.

Para obter de Pilatos a morte do Inocente, preferiram libertar Barrabás, um revoltoso, salteador e assassino!

Em seguida, Cristo iniciou o caminho para o Gólgota, vertendo sangue a cada passo. Três vezes caiu sob o peso do patibulum, até que os legionários romanos, receosos de que não chegasse vivo ao lugar do suplício, obrigaram Simão de Cirene a carregar o pesado madeiro.

Durante o percurso, ninguém se atrevia a prestar-Lhe sequer alguma pequena ajuda. Somente uma mulher ousou aproximar-se e limpar o rosto do Mestre com o largo véu que a cobria, recebendo como recompensa, a divina Face estampada naquele tecido.1

No alto do Calvário, para culminar todos os atrozes sofrimentos, a crucifixão. O som das marteladas penetrava terrivelmente nos ouvidos daquelas mulheres.

Pregado na cruz, Jesus estava tão exausto pelos padecimentos que em pouco tempo Lhe sobreveio a morte: eram três horas da tarde quando clamou “Consumatum est!” e, “inclinando a cabeça , entregou o espírito” (Jo 19, 30).

José de Arimateia, que a tudo assistira de longe, foi pedir ao governador romano o corpo do Mestre. Pilatos quis primeiro certificar-se de tão rápido falecimento.

Um legionário chegou junto à Cruz e cravou com força a lança no flanco direito do Crucificado. Jesus não reagiu: o corpo estava inânime. Da ferida jorrou sangue e água. 

Junto com José de Arimateia, viera Nicodemos, acompanhado de vários criados que carregavam duas talhas cheias de unguento de mirra e aloé, para embalsamar o Corpo.

Colocaram escadas e, após retirar a coroa de espinhos, cobriram com um sudário2 o rosto de Jesus – conforme era costume fazerem os judeus com as vítimas de morte violenta –, enquanto O desciam e preparavam para a sepultura.

Maria, a Mãe do Senhor, mesmo transida de dor, a tudo assistia de pé, com uma firmeza que impressionava as Santas Mulheres e lhes dava forças.

Sentiam-se seguras ao lado d’Ela. Presente na cena estava também João, o único Apóstolo que acompanhou Jesus durante a Paixão e foi testemunha direta dos seus tormentos, morte e sepultura.

José de Arimateia havia trazido faixas e um rolo de mais de quatro metros de tecido do melhor linho, para sepultá-Lo. Era o Santo Lençol, Santa Síndone,3 ou – como se costuma dizer em português – o Santo Sudário.4 

O Sol descia no horizonte e logo reluziriam as estrelas que anunciavam o início do sábado de Páscoa. Era preciso atuar com presteza para não violar o dia sagrado.

Muito estritos no cumprimento da Lei, José e Nicodemos não permitiram sequer que o Corpo fosse lavado, para evitar tocar no sangue.

Puseram duas moedas nos seus olhos e deitaram-no sobre o tecido de linho. Dobrando-o pela metade à altura da cabeça, cobriram Jesus totalmente com ele.

Sendo ainda de dia, José, Nicodemos e o Apóstolo João conduziram o Corpo para um sepulcro virgem escavado na rocha próximo do local. Ali o depositaram, envolto na Síndone, e sobre ele derramaram os trinta litros de unguento.

Deixaram ao lado as faixas, com vistas a utilizá-las depois do sábado, pois se esgotara o tempo. Os criados começaram então a rolar a pedra circular que servia de porta para o sepulcro.

O manto da noite cobriu a cidade de Jerusalém e o sábado de Páscoa transcorreu entre tristeza, temor e rancores.

Tristeza dos discípulos de Jesus, que se perguntavam se não estaria tudo acabado; temor de terem o mesmo trágico destino do Mestre; e rancor da parte dos sinedritas que, apesar de haverem matado o Messias, sentiam seu ódio insatisfeito.

As mulheres encontram o sepulcro vazio

Quando, na madrugada do domingo, Madalena, Maria de Cléofas e Salomé, chegaram ao sepulcro, sua reação foi de espanto e perturbação: a pedra da entrada havia sido removida, os guardas jaziam por terra, desmaiados. E, sobretudo, o corpo do Senhor não estava mais lá!

Maria Madalena voltou correndo ao Cenáculo, onde se encontravam reunidos a portas trancadas os Apóstolos, com a Mãe de Jesus e outros discípulos.

Ainda ofegante, comunicou a Pedro: “Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!” (Jo 20, 2). Pedro não perdeu tempo: disse uma palavra rápida a João e saíram correndo.

João, mais jovem, chegou primeiro ao sepulcro, inclinou-se e viu os panos no chão, mas, por respeito, aguardou a chegada de Pedro.

Ao entrar, junto com ele, viu também o sudário colocado num lugar à parte. “Viu e creu” (Jo 20, 8), narra o Evangelho, pois até aquele momento os Apóstolos “não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual, Jesus devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 9).

Milagrosa imagem de um Varão crucificado

Durante aquela noite, Cristo havia vencido a morte, ressuscitando por seu próprio poder. Ao retomar a vida, seu Corpo glorioso ficara miraculosamente marcado na Santa Síndone, onde já havia sinais anteriores do Preciosíssimo Sangue emanado das chagas de sua Paixão.

Com efeito, na parte interna desse sagrado tecido, que estava em contato com o Corpo, podemos ver hoje, impressa de forma inexplicável e com incrível nitidez, a figura de um homem morto por crucifixão.

Não há sinais de pigmentos corantes nem de marcas de pincel. Pelo contrário, as fibras de linho encontram-se parcialmente desidratadas em minúscula profundidade, adquirindo deste modo diferentes tonalidades.5

E a milagrosa imagem assim estampada reflete a dolorosíssima Paixão de um Varão que, na força da idade, suportou padecimentos que desafiam a capacidade humana de sofrer.6

De adequadas proporções, com um metro e oitenta e três centímetros de altura, ampla fronte, cabelos abundantes caindo ordenadamente até os ombros, uma nobre barba dividida em duas partes, espessas sobrancelhas, bigode cerrado – possuía todas as características de um homem bem constituído.

Ressalta logo em seu rosto a marca de um violento golpe que Lhe quebrou o septo nasal e causou grande inflamação em toda a face direita.7

Notam-se também as marcas do terrível tormento da flagelação, aplicada por dois algozes romanos, usando o pior dos açoites – o flagrum –, composto por três tiras de couro com bolas de metal nas pontas.

Para aplicar-Lhe esse suplício, ataram o Réu a uma coluna de pouca altura, expondo suas costas aos golpes de látego.

Há sinais de mais de 120 vergastadas na parte posterior do corpo, além de 70 outras nos braços, na parte dianteira das pernas e no peito. 

Sobre sua cabeça foi colocado um entrançado de ramos espinhosos, com pontas de quatro a seis centímetros. Uma delas atravessou a sobrancelha esquerda, a ponto de quase impedir a abertura da pálpebra.

As grosseiras cordas com que O ataram deixaram marcas nos seus pulsos e povoaram sua cintura com coágulos de Sangue, especialmente na parte das costas.

Os ombros se apresentam escoriados, por haver suportado, durante um longo percurso, o peso de um áspero madeiro. Nos joelhos, nos peitos dos pés e no nariz há sinais de violentas batidas na terra, que abriram novas feridas.

Nota-se em uma de suas mãos a marca das feridas provocadas pelos cravos, das quais jorrou sangue em abundância, correndo pelos braços até os cotovelos.

E os pés, pregados um sobre o outro, mostram-se quase totalmente banhados em sangue, inclusive na parte das plantas.

Longo percurso de Jerusalém a Turim

Como chegou até nós essa Sagrada Síndone? A história é longa e não isenta de lacunas e mistérios.

Guardada por José de Arimateia ou por Nicodemos, ela deve ter sido retirada de Jerusalém no ano 66, quando o Apóstolo Tiago, o Menor, foi martirizado e muitos cristãos fugiram da cidade, condenada à destruição.

É possível que o milagroso tecido tenha ficado um tempo em Pella, perto do Jordão, de onde passou para Edesa, no norte da Síria.

Em 544 estaria depositado num nicho incrustado na muralha, e os habitantes dessa cidade atribuíram à sua presença a vitoriosa defesa contra o invasor persa, Cosroés.

No século VII, Edesa caiu sob o domínio muçulmano, mas em 944 as tropas cristãs do Imperador Romano I conseguiram recuperá-la.

E um dos preços exigidos ao sultão foi a entrega do denominado mandilyon akeiropita, “o tecido pintado não por mão de homem”, que podemos identificar com a Santa Síndone. Este era guardado num relicário, deixando à vista somente a imagem do divino Rosto. 

A chegada de tão insigne relíquia a Constantinopla foi comemorada com festas especiais. Os cristãos abriram o tecido em toda a sua extensão e o veneraram como o pano sagrado que envolveu o Corpo de nosso Redentor.

Naqueles remotos tempos, os constantinopolitanos não dispunham das inequívocas provas científicas de nossos dias. Mas a mesma fé pela qual São João “viu e creu” (Jo 20, 8) levou-os a acreditar na veracidade desta Relíquia.

Por determinação do imperador, coube à igreja de Santa Maria de Blanquerna a conservação da preciosa Síndone. Segundo relatos de peregrinos da época, lá ela era exposta à veneração dos fiéis às sextas-feiras, inteiramente desdobrada. Nessa igreja permaneceu até o saque de 1204.

Os historiadores não estão de acordo a respeito da trajetória do mandilyon akeiropita ao longo dos 150 anos seguintes. Estava em mãos dos templários – afirmam uns.

Foi guardado por um cavaleiro chamado Othon de la Roche, o qual o entregou em 1208 a um santuário por ele mandado construir em Besançon, França – opinam outros.

A partir de 1353, o percurso da Santa Síndone não apresenta dúvidas do ponto de vista histórico. Nesse ano, ela aparece em mãos de Geoffroi de Charny, que a depositou na igreja colegial de Lirey, noroeste da França, onde permaneceu até 1410 ou 1418.

Os descendentes de Charny decidiram tirá-la de Lirey, devido aos constantes saques ocorridos na região, e a cederam à Casa de Saboia em 1453.

O Duque de Saboia mandou conservá-la, exposta à veneração dos fiéis, na Catedral de Chambéry, cidade francesa situada aos pés dos Alpes, nas proximidades da Suíça e da Itália. 

Durante um terrível incêndio nessa Catedral, em 1532, fundiu-se um dos cantos do relicário de prata, danificando irreparavelmente a Síndone, que ali se conservava dobrada.

São restos desse incêndio as marcas chamuscadas das dobras e os furos triangulares perfeitamente visíveis em qualquer fotografia, os quais pacientes mãos de religiosas clarissas remendaram com amor, segundo as melhores técnicas da época.

O Arcebispo de Milão, São Carlos Borromeo – o grande Cardeal reformador do clero e da vida religiosa – foi a causa do novo e último translado da Santa Síndone.

Tendo feito voto de ir em peregrinação a Chambéry para venerar essa relíquia, partiu em 1578. O Duque de Saboia, porém, quis poupar ao Arcebispo já ancião as incomodidades de uma viagem de 350 quilômetros por terreno montanhoso, muito penosa em razão das precárias condições daqueles tempos.

Enviou então a sagrada relíquia para Turim, distante apenas 140 quilômetros de Milão. E lá ficou até hoje.

O Rei Humberto II da Itália, descendente dos Duques da Saboia, faleceu em 1983, deixando em herança a Síndone à Santa Sé. E o Papa João Paulo II confiou sua guarda ao Arcebispado de Turim.

Venerada e adorada pelos Papas

“Este tecido de linho no qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi envolto [...] vós o deveis venerar e adorar” – disse o Papa Júlio II (1503-1513), ao aprovar a Missa e o Ofício pelos quais, com sua autorizada palavra de Vigário de Cristo na terra, oficializou o culto público à Santa Síndone.

Desde então, numerosos foram os santos e pontífices que peregrinaram a Turim para rezar perante a sagrada relíquia. Entre eles, constam Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. 

“Venerar e adorar”, recomendara Júlio II.

E com muita razão, não apenas porque a Santa Síndone tem misteriosamente estampada a imagem do corpo do Redentor, como também por estar ela impregnada do Sangue de Jesus, o Filho de Maria, Deus feito homem, que nos ama com amor infinito e morreu na Cruz para nos salvar.

A mostra ocorrida em abril e maio deste ano constituiu, em  palavras de Bento XVI,

uma ocasião mais propícia do que nunca para contemplar aquela Face misteriosa que, silenciosamente, fala ao coração dos homens, convidando-os a reconhecer n’Ela o Rosto de Deus, que “amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único para que todo o que n’Ele acreditar não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).8

Peregrino em Turim, ajoelhado ele próprio ante a Santa Síndone, o Santo Padre deste modo expressou seus sentimentos:

Exatamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição.

E eis que, parece-me, olhando para este Santo Lençol com os olhos da Fé se perceba algo desta luz.

Com efeito, o Sudário foi imerso naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é luminoso; e eu penso que se milhões e milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem contar quantos o contemplam através das imagens – é porque nele veem não só a escuridão, mas também a luz.9 

A Santa Síndone é, verdadeiramente, testemunha muda da sepultura e da Ressurreição de Jesus! 


1 Por ter sido dobrado duas vezes, foram quatro as imagens do rosto de Nosso Senhor que ficaram estampadas nesse tecido. A mais famosa delas é venerada no Santuário do Volto Santo de Manopello (Itália), visitado por Bento XVI em 1º de setembro de 2006.
2 Ele se conserva atualmente na Câmara Santa da Catedral de Oviedo, Espanha (Cf. Revista Arautos do Evangelho, nº 77, maio 2008).
3 Os evangelistas utilizam a palavra síndone (σινδόνι) para denominar o tecido em que José de Arimateia envolveu o corpo de Nosso Senhor, e o termo sudário (σουδάριον) para designar o véu que cobriu sua cabeça e foi encontrado dobrado à parte no sepulcro (cf. Mt 27, 59; Mc 15, 46; Lc 23, 53 e Jo 20, 7). Portanto, para se referir à Sagrada Relíquia venerada em Turim é mais preciso utilizar a expressão Santa Síndone, ou Santo Lençol, reservando o termo Santo Sudário, para o tecido que cobriu a cabeça de Noso Senhor antes de ser depositado no Sepulcro. É esse o critério que seguimos no presente artigo.
4 Este tecido foi provavelmente confeccionado na Síria, com linho fiado a mão, formando uma peça que media 20 ou 30 metros, dos quais José de Arimateia comprou tão somente os quatro metros e meio de que necessitava.
5 Aqueles que defendem ser a Santa Síndone uma falsificação medieval, não conseguiram, até a presente data, reproduzir a suposta “falsificação”, condição necessária para tornar verossímil sua tese. Também não lhes foi possível explicar, de forma satisfatória, qual teria sido a técnica utilizada para estampar a imagem do Redentor no Sagrado Tecido.
6 Há numerosos estudos científicos sobre a Santa Síndone ao alcance de qualquer pessoa, entre os quais o livro de BARBERIS, Bruno y BOCCALETTI, Massimo. Sindone – imagine su un crocifisso, editado este ano em Milão pela San Paolo (Paulinas), no qual estão baseadas algumas das afirmações feitas neste artigo. Pode-se também consultar o site do STURP (www.shroudstory.com), um grupo de cientistas que, desde 1978, analisa o milagroso tecido sob diversas perspectivas.
7 Estando Ele na casa de Caifás, “um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: ‘É assim que respondes ao sumo sacerdote?’” (Jo 18, 22). Para alguns exegetas, o termo grego (ῥάπισμα) mais que uma bofetada queria indicar um golpe com um bastão ou uma vara, capaz de romper o tabique nasal.
8 Discurso aos participantes da peregrinação promovida pela Arquidiocese de Turim, 2/6/2008.
9 Veneração do Santo Sudário - Turim, 2/5/2010.