No Pequeno Ofício da Imaculada Conceição, encontramos inúmeros louvores feitos a Nossa Senhora que podem nos deixar intrigados. Um deles é “Vós sois a Virgem florida”. A que estará se referindo?
Este, como os outros termos em geral, se reportam a diversas passagens do Antigo Testamento. No caso concreto, relaciona-se a um importante episódio relativo a Aarão, irmão de Moisés. Esclareçamos a questão.
Relata-nos a Escritura que, na época do Êxodo do povo judeu, Aarão, irmão de Moisés, exercia a função de Sumo Sacerdote.
Contra essa supremacia, primeiramente rebelaram-se Coré, filho de Levi, e os filhos de Eliab, Datã e Abiron, juntamente com outros duzentos e cinquenta israelitas.
Tal revolta foi prontamente castigada por Deus:
Fendeu-se a terra debaixo de seus pés, e abrindo sua boca, os devorou com toda a sua família, todos os seus bens e todos os homens de Coré. […]
Saiu um fogo de junto do Senhor e devorou os duzentos e cinquenta seguidores que ofereciam incenso naquele momento (Nm 16, 31-35).
No dia seguinte, “toda a comunidade dos israelitas murmurou contra Moisés e Aarão” (Nm 17, 6), culpando-os por essa punição e manifestando o desejo de não mais segui-los.
Disse, então, Deus a Moisés:
Fala aos israelitas. Que eles te deem uma vara por tribo, ou seja, doze varas de todos os príncipes das doze casas patriarcais.
Escreverás o nome de cada um na sua vara; na vara de Levi escreverás o nome de Aarão, porque haverá uma vara por tribo.
Depô-las-ás na tenda de reunião, diante do testemunho, no lugar onde me encontro convosco.
E eis que a vara de meu eleito florescerá, e desse modo farei cessar diante de mim as murmurações dos filhos de Israel contra vós (Nm 17, 17-20).
Moisés executou as ordens de Deus. No dia seguinte, entrando no tabernáculo viu – oh maravilha! – que só a vara de Aarão, que representava a tribo de Levi, havia brotado e florescido, aparecendo também folhas e amêndoas.
Assim, “Moisés levou todas as varas de diante do Senhor aos israelitas. Eles viram o prodígio e receberam cada um a sua vara” (Nm 17, 24).
Por meio desse admirável milagre quis o Senhor declarar que o ofício divino ficaria vinculado a Aarão, a seus descendentes e a toda a tribo de Levi.
E Deus disse ainda a Moisés:
Torna a levar a vara de Aarão para o tabernáculo do testemunho, e seja ali conservada como um sinal para todos aqueles que quiserem revoltar-se, e assim possas pôr termo às murmurações diante de mim (Nm 17, 25).
Estudando tão excelso prodígio, a Igreja faz uma belíssima consideração sobre a vara de Aarão, reportando-a à “Virgem Florida”.
Comenta o Padre Jourdain:
Essa vara que floresceu por um prodígio e deu seu fruto sem ter sido plantada, sem ter raízes nem seiva fecundante, simboliza admiravelmente Maria.
A vara foi colocada no Tabernáculo, e Maria, sendo Ela mesma templo vivo do Espírito Santo, concebeu sem intervenção humana e, sem nenhum socorro terrestre, deu à luz esse bendito fruto que proporciona a todos os homens a salvação eterna. 1
Poderíamos nos perguntar: por que Deus escolheu varas da amendoeira? Henry Le Mulier, baseando-se em considerações dos Padres da Igreja, lembra uma característica dessa árvore, muito conhecida dos povos dos países de clima mais frio.
A amendoeira, diz ele,
anuncia a vinda do sol depois de um longo inverno e testemunha sua presença.
Com efeito, ela é a primeira de todas as árvores que se cobre de flores na primavera e a última que perde sua folhagem.
Assim também, a vinda de Maria foi o anúncio do advento de Nosso Senhor Jesus Cristo, e a existência d’Ela é um seguro penhor da presença de seu Divino Filho. 2
Acrescenta ainda o mesmo autor:
A vara de Aarão deu flores e frutos: assim Maria trouxe à luz Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeira flor de salvação, único fruto de vida […]
A vara de Aarão é toda branca, sem córtice e sem nó para melhor representar a candura e a pureza de Maria, em quem não se encontrou o nó do pecado original, nem o córtice do pecado atual… 3
Conhecendo esses maravilhosos dons de Maria Santíssima, entendemos melhor porque São Bernardo, inspirado por seu imenso e caloroso amor à “Virgem Florida”, exclamou certa vez: “Ó Virgem, vara sublime, a que altura elevas tua sagrada copa! Até Aquele que está sentado no trono, até o Senhor da Majestade!”
1 Pe Z.-C. Jourdain, Somme des Grandeurs de Marie, Hippolyte Walzer, Paris, 1900, t.I, p.485.
2 Henry Le Mulier, De la Très-Sainte Vierge d’après Les Saintes Écritures et les Pères de l’Église, Pilon, Paris, 1854, t.I, pp. 82-83.
3 Ibidem.