Nesta solene hora na qual uma nação cristã oferece ao Senhor uma Missa sob as abóbadas de uma maravilhosa catedral que ressurge para a vida,[1] enquanto celebrais o V Centenário da reabilitação de Santa Joana d’Arc, sentimos uma grande consolação em manifestar a alegria que enche nossa alma em vos felicitar, meus filhos, por esta festa de uma casa de Deus e de uma santa heroína que são legítimas glórias vossas.
Naquele triste dia da primavera de 1431, quem, retornando ao lar após ter presenciado a tragédia da Praça do Velho Mercado, fixasse o olhar na grandiosa fachada de vossa catedral à busca de conforto, teria jamais imaginado que este histórico dia reuniria Joana e essa catedral como se pairasse sobre ambas um destino de vocação divina, de morte aparente e de gloriosa ressurreição? […]
Prédio símbolo de realidades imortais
Necessário seria remontar aos séculos em que a História se confunde com a legenda, para rememorar as vicissitudes pelas quais passou vossa catedral. […]
Foi nela que, como numa bíblia de pedra, vossos avós leram as verdades da Fé, acompanharam com admiração as grandes proezas de seus ancestrais, contemplaram as mais puras belezas postas a serviço do mais elevado ideal, aprenderam a rezar e sentiram-se mais irmãos uns dos outros, sob o amparo de suas grandes arcadas.
Suas arrojadas linhas lhes apontavam o caminho do Céu, e a leveza de suas estruturas lhes ensinava o desapego do mundo.
Passariam pelo luminoso céu da Normandia centelhas de incêndio, nuvens da guerra carregadas de terror e desolação, e até as trevas criadas pelo abandono dos homens e os sacrílegos excessos da Revolução.
Mas a catedral ficará sempre de pé, encontrará sempre a mão e o coração que lhe darão vida nova, porque ela simboliza realidades imortais e seus fundamentos se apoiam sobre o rochedo da Fé, de uma Fé sentida e transformada em substância de vida até formar a mais essencial característica de um povo. […]
Virgem frágil, sólido edifício de virtudes
Que contraste entre essa inalterável estabilidade e as débeis aparências da humilde jovem chamada a desempenhar tão importante papel na história da França!
Entretanto, essa criança de tão frágil aparência se tornava também um sólido edifício; tal qual uma catedral enraizada no solo, ela assentava seus alicerces no amor à pátria, num veemente desejo de paz e numa sede de justiça que haveriam de arrancá-la da sombra na qual ela parecia estar confinada para lançá-la no violento curso da História.
Tendo sido escolhida por Deus, uma inabalável consciência de sua missão, um ardente desejo de santidade, uma vontade de melhor corresponder à sua excelsa vocação, fizeram-na superar os obstáculos, ignorar os perigos, enfrentar os poderosos da terra, envolver-se nos problemas internacionais e transformar-se em comandante revestida de ferro, terrível no assalto.
Mais de um ano de campanha semeada de combates e vitórias – a tomada de Orleans, a sagração do rei em Reims, as intermináveis cavalgadas, os ferimentos e as prisões – parecem páginas magníficas de uma legenda dourada.
Mas, face à simplicidade exemplar, ao perfeito desinteresse e ao ideal imaculado, erguem-se a prudência do mundo, a cupidez, a incompreensão e a corrupção que maquinarão para isolá-la, imobilizá-la e fazê-la perecer como um perigoso inimigo.
Sinistras sombras retornaram ao céu da Normandia, a escuridão tornou a cobrir por um momento a luminosa cidade de Rouen.
E eis que uma vez mais as chamas de uma fogueira reavivam o incêndio numa de suas praças; ressoam no silêncio as palavras de uma mártir fiel à sua vocação, repleta de fé na Igreja, à qual apelava, invocando o dulcíssimo nome de Jesus, sua única consolação. Através da fumaça que sobe, ela fixa a cruz, certa de que um dia obterá justiça. […]
Exemplo de fé, docilidade e força
Vida longa ou breve, triunfo ou aparente derrota: pouco importa quando existe uma verdade imutável, uma fé inabalável, o amor a uma pátria imortal, a expectativa de paz, a sede de uma justiça que prevalecerá forçosamente na hora fixada pela História, na hora da reconstrução, da reabilitação, da ressurreição.
Lei necessária que une sempre o sacrifício ao triunfo, a humilhação à glória, o mistério do Calvário à aurora luminosa da manhã da Ressurreição.
Feliz do povo que recorda, mesmo que seja para enfrentá-lo, se necessário, o julgamento dos homens, como soube fazer Joana com admirável constância e inalterável serenidade; para não recusar o sacrifício, que ela viu chegar sem temor e com maravilhosa energia; para ser sempre fiel à vocação, sobretudo nos momentos mais difíceis.
Joana d’Arc se apresenta assim aos cristãos de nosso tempo como um modelo de fé sólida e atuante, de docilidade a uma altíssima missão, de força nas provações. […]
Por sua vida exemplar, sua consagração a um ideal e seu perfeito sacrifício, ela ensina a todos o caminho seguro neste século de sensualidade, de materialismo, de despreocupação, que gostaria de fazer esquecer o rumo traçado pelos melhores heróis e a via que conduz ao imponente portal das velhas catedrais.
Erguei os olhos e admirai
Não é raro acontecer que nos momentos mais críticos – assim como uma rajada de vento rompe as nuvens e deixa ver a estrela que guiará o navegante ao porto – o Senhor envie a inspiração sobrenatural que deve fazer de uma alma a salvação de seu povo.
Erguei, pois, os olhos, filhos bem amados, dignos representantes de uma nação que se gloria do título de Filha Primogênita da Igreja, e fitai os grandes exemplos que vos precederam.
Erguei os olhos e admirai essas esplêndidas catedrais que perduram entre vós como um símbolo vivo da Igreja Católica no seio da qual crescestes. […]
Se a mentira, a cupidez e a incompreensão tramam o mal, se vos parece até que vós mesmos vos tornareis vítimas, considerai vossos heróis reabilitados, vossas catedrais reconstruídas, e vos convencereis uma vez mais de que a última vitória é sempre a da Fé, da santa Fé indestrutível, da qual a Igreja Católica é a única depositária.