Numa cerimônia militar de grande pompa, o herói da 77ª Divisão de Infantaria do exército norte-americano recebe a Croix de Guerre pelo valoroso serviço prestado em solo francês durante a Primeira Guerra Mundial.

Os soldados sobreviventes da mesma divisão prorrompem em aplausos. Ao longo do ato, o protagonista mantém um ar despreocupado.

Tendo agido sem pensar em prestígio, é indiferente às honras. Tal modéstia lhe convém, pois, ainda que se estique, sua altura máxima não passa de poucos centímetros.

Este singular condecorado é Cher Ami, o pombo-correio que salvou o “Batalhão Perdido” da famosa Batalha da Floresta Argonne. Será que a sua mensagem tem alguma relevância para nós?

A desventura do “Batalhão Perdido”

Após quatro anos de ferrenho conflito, os franceses, os ingleses e outros Aliados estão num impasse com as Potências Centrais.

Um fator importante, porém, pesa em seu favor: o espírito de luta do inimigo já está quebrado. Eles aproveitam esta hora crítica para desencadear a Ofensiva dos Cem Dias ao longo da Frente Ocidental.

Seu desfecho vitorioso, no dia 11 de novembro de 1918, assinala o fim da guerra.

Neste grande embate, destaca-se o empreendimento de nove companhias americanas da 77ª Divisão de Infantaria: trata-se de 554 soldados, que, sob as ordens do alto-comando, haviam feito um rápido avanço no interior da perigosa Floresta Argonne, na França.

As unidades dos flancos, porém, não conseguiram acompanhar esta manobra. Como resultado, a 77ª Divisão ficou isolada, presa numa ravina, e circundada por forças alemãs.

Por seis dias os soldados resistiram, lidando com a escassez de comida, água e munição, bem como com os repetidos ataques inimigos.

“Cher Ami” ao resgate!

Naqueles idos tempos, existiam poucos meios para enviar um pedido de socorro numa situação como aquela. O Major Charles W. Whittlesey despachou mensageiros, mas estes soldados ou se perderam ou foram capturados pelo inimigo. 

Recorreu então a seu pequeno estoque de pombos-correios. Devido ao forte senso de direção dessas aves, poderia confiar que elas retornariam ao quartel da divisão, carregando uma mensagem vital.

Enviou duas delas, mas foram atingidas por balas alemãs.

A situação chegou ao limite quando o batalhão começou a ser bombardeado pelas suas próprias forças, que ignoravam sua posição.

Em tal apuro, Whittlesey rabiscou um terceiro bilhete: “Estamos junto à estrada do paralelo 276,4. Nossa artilharia está derrubando uma barragem que está bem em cima de nós. Pelo amor de Deus, parem!”. 1

Restava apenas uma ave: Cher Ami, que significa Querido Amigo em francês. Ela já havia sido usada na região de Verdun para levar 11 importantes mensagens. A de 4 de outubro de 1918 seria a derradeira.

O bilhete foi enrolado, inserido num pequeno tubo e fixado no pé da pomba. Ao levantar voo por entre a folhagem, houve uma rajada de artilharia. Tombaram cinco homens. Caiu também a ave. Mas, com um furioso bater de asas, conseguiu retomar o caminho…

Vinte e cinco minutos depois, 40 km atrás da linha de frente, o soldado de plantão no Signal Pigeon Corps ouviu o tilintar de uma sineta indicando que uma das aves havia retornado ao pombal.

Era Cher Ami: prostrado, sangrento, com o peito perfurado por uma bala, cego de um olho, com uma pata estraçalhada. Mas de sua pata ferida pendia uma mensagem… 

Devido à ação daquela ave, o bombardeio parou de imediato, e o socorro se pôs a caminho para auxiliar os 194 soldados restantes da 77ª Divisão.

Para os eufóricos sobreviventes, Cher Ami tornou-se uma mascote: cumulavam-no de cuidados, e quando sucumbiu aos ferimentos, um ano mais tarde, o empalharam e arrumaram-lhe um lugar de destaque na seção militar do Smithsonian Institution, em Washington.

Emblema do despretensioso cumprimento do dever

Qual foi, afinal, o verdadeiro valor da figura desta humilde ave para aqueles soldados acrisolados pelo drama da guerra?

No fundo, sabiam que Cher Ami havia atuado por instinto, sem razão e, a fortiori, sem mérito.

Mas a glória deve exprimir-se por símbolos e, justamente por ter cumprido sua missão de forma tão simples e direta, Cher Ami simbolizava uma forma de glória que um monumento mais vistoso poderia não transmitir: a glória nascida da dor.

É a glória de quem assume o risco, que avança em favor do bem comum, esquecido de si mesmo.

É a glória do soldado anônimo, cuja identidade está inteiramente imbricada na luta na qual está engajado: “Não quer ele representar para si ou para os outros um grande papel. Quer a vitória de uma grande causa”.2

Este soldado está convicto de que, por maior que seja a capacidade de um recipiente, pode bastar apenas uma gota para fazê-lo transbordar.

Assim, numa hora crítica, a atitude de apenas um indivíduo pode mudar o curso da História.

E, de fato, a tenacidade com a qual aqueles homens mantinham a posição na Floresta Argonne causou uma distração suficiente para permitir que as outras unidades aliadas rompessem a linha inimiga, forçando um recuo.

O aparente fracasso havia sido, na realidade, um fator em prol da vitória definitiva. 

A batalha de cada alma batizada

Com frequência, os filhos da Igreja militante enfrentam dificuldades não muito diferentes das da 77ª Divisão, quando, na batalha contra o mundo, a carne e o diabo, resistem a ataques de fora e até ao bombardeio do “fogo amigo”.

Geralmente, os maiores sacrifícios nesta luta são aqueles feitos nas mil circunstâncias da vida cotidiana, como um sacerdote dominicano aponta com acerto:

É fácil dizer a Deus que O amamos com todo o nosso coração, que desejamos ser santos, e depois falhar na observância de algum preceito. A autenticidade do nosso amor a Deus é muito menos suspeita quando conduz ao cumprimento dos deveres do nosso estado de vida, apesar dos obstáculos e das tentações.3

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, ensina que este é o combate no qual a verdadeira glória – a glória de Deus – está em jogo:

As desilusões e dificuldades humanas, imprevistas ao longo da vida, são permitidas pela Providência Divina para marcar em nós o momento culminante no qual Deus ou o demônio se torna vencedor no campo de batalha interior da alma.4

E após ter chegado ao fim da corrida – quiçá ofegante, gasto e ferido – um lutador fiel a esses princípios passa incólume pelo último e maior dos perigos: o sucesso. 

Pois, tendo confiado o desenlace da batalha às mãos de Deus, a sua alegria consiste em vê-Lo reinar em sua alma e na alma do próximo.

E, sem deter-se em reflexões meramente humanas, de seu coração brota uma única prece, prece que comove os Anjos, que a transformam em cântico: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória” (Sl 115, 1)!


1 LAPLANDER, Robert J. Finding the Lost Battalion. 2. ed. Waterford: Lulu, 2007, p. 357.
2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A verdadeira glória só nasce da dor. In: Catolicismo. Campos dos Goytacazes. Ano VII. N. 78 (jun., 1957); p. 7.
3 AUMANN, OP, Jordan. Spiritual Theology. London: Continuum, 2006, p. 109.
4 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Como enfrentar as desilusões? In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v. VI, p. 400.