Chegava ao fim o ano de 1943. A Segunda Guerra Mundial ceifava milhões de vidas e reduzia a escombros monumentos e cidades inteiras da gloriosa Europa.

Cumpria-se a previsão feita em Fátima pela Virgem Santíssima, cuja maternal advertência, infelizmente, não foi acolhida pela humanidade: a Primeira Guerra Mundial iria terminar e o mundo teria algum tempo de paz, mas, se os homens não se emendassem, viria outra pior.

Porém, em plena tragédia, uma jovem da histórica cidade de Trento, Itália, reunia em torno de si algumas companheiras e lhes propunha um tema de meditação: “Existirá um ideal que não morra, que nenhuma bomba possa destruir, ao qual possamos dar toda a nossa vida?”

Seu nome é hoje conhecido em todo o mundo: Chiara Lubich.

Obra de Maria, Obra de Deus

Ao longo dos dias e dos anos, um número cada vez maior de moças e rapazes foi se juntando a esse minúsculo núcleo inicial.

E no final de 2003, ao completar seu 60º aniversário, o Movimento por ela fundado atua em 182 países, congregando sete milhões de membros, aderentes e simpatizantes.

Possui também 33 pequenas cidades denominadas Mariápolis (cidade de Maria). “Com suas casas, escolas e empresas, cada Mariápolis procura ser um foco de civilização do amor”, informa Heloísa Pavani, do Conselho de Coordenação dos Focolares em São Paulo.

Entre suas numerosas atividades, destacam-se a atuação junto à juventude e às famílias, bem como a publicação de várias revistas. A mais importante destas, “Cidade Nova”, tem 38 edições em 24 idiomas. Heloísa Pavani acrescenta:

Um novo modelo econômico, inspirado por Chiara Lubich no Brasil, redirecionou centenas de empresas no mundo inteiro, com realizações pioneiras em nosso país. A economia de Comunhão foi tema de numerosas teses em universidades e vários países.

Quais os sentimentos mais íntimos da Fundadora ao considerar o grande desenvolvimento dessa instituição que certamente lhe custou dura luta e penosos sacrifícios? Ela mesma os declara, respondendo a uma pergunta do jornal italiano “Vita Trentina”:

Uma profunda emoção, somente ao considerar diante de que me encontro: um povo nascido do Evangelho, espalhado por toda a terra, uma Obra imensa que nenhuma força humana poderia fazer surgir.

De fato, é uma “Obra de Deus”, para a qual fui eleita primeiramente como instrumento sempre “inútil e infiel”.

E um hino de gratidão a Deus por tudo quanto, com minhas irmãs e irmãos, pude ver, experimentar, construir, levar para essa meta com sua ajuda. Um profundo agradecimento a Deus por cada coisa!

Em 1962 o Movimento dos Focolares, Obra de Maria, recebeu a primeira aprovação.

Os Estatutos Gerais atualizados foram aprovados por decreto do Pontifício Conselho para os Leigos em 29 de junho de 1990, que declara o Movimento “Associação de fiéis privada universal de Direito Pontifício”.

Assim, podem beneficiar-se com plena profusão da promessa infalível do Divino Salvador ao primeiro Papa: “Tudo o que ligares na terra será ligado também nos Céus”.

Uma resposta à sede de espiritualidade

Imagine, leitor, a singela cena. Enquanto no solo, nos ares e mares da Velha Europa a guerra amplia seu devastador raio de ação, meia dúzia de jovens estão reunidas em torno de uma vela acesa “num porão escuro” de Trento (ver quadro), cogitando sobre qual seria sua missão no mundo.

Uma delas, a Fundadora, abre ao acaso o Evangelho e uma frase brilha diante de seus olhos: “Pai, que todos sejam um”.

Todas reconhecem ser este o ideal de suas vidas e logo tratam de pô-lo em prática. À medida em que se desenvolviam as atividades apostólicas, foi-se explicitando sua espiritualidade característica, a qual é assim definida por Heloísa Pavani:

A espiritualidade da unidade anima o Movimento inteiro.

É compartilhada de vários modos, por membros, aderentes e simpatizantes, não somente católicos, mas também cristãos das várias igrejas e comunidades eclesiais, por fiéis de várias religiões e por pessoas de convicções e orientações culturais diferentes.

É o húmus do qual recebem linfa múltiplas concretizações.

É uma espiritualidade com uma relevante dimensão comunitária, que não só é vivida por várias pessoas juntas, mas manifesta em cada irmão e em cada próximo o caminho para chegar a Deus.

Inspira-se nos princípios do Evangelho, mas não se desinteressa – pelo contrário, evidencia – valores paralelos de outros credos e culturas.

Leva a unidade em todos os campos e responde à sede de espiritualidade cada vez mais difundida, imergindo suas raízes nas palavras do Evangelho.

No coração do Movimento – esclarece ainda Heloísa – encontram-se os focolares masculinos e femininos. São pequenas comunidades de um novo estilo, compostas por leigos, inclusive casados, totalmente doados a Deus, segundo o próprio estado de vida.

Mensagem do Papa João Paulo II

Na comemoração do 60º aniversário, o Arcebispo Stanislaw Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, visitou o centro Mariápolis de Castel Gandolfo, levando uma carta de congratulações do Sumo Pontífice.

Nela, o Santo Padre ressalta quanto a Obra de Maria desenvolveu-se “toda orientada para o amor de Deus e o serviço da unidade na Igreja e no mundo”, e afirma que “os focolares tornaram-se apóstolos do diálogo como caminho privilegiado para promover a unidade”.

Considerando as inúmeras mudanças e perturbações ocorridas no mundo, em particular na Europa, ao longo desses 60 anos, João Paulo II insiste na urgência de promover-se uma nova evangelização.

E acrescenta: “Deste ponto de vista, um importante papel é confiado aos movimentos eclesiais, entre os quais tem lugar de relevo o dos Focolares”.

E conclui: “Encorajo todos a seguir fielmente Cristo e com Ele abraçar o mistério da Cruz para cooperar, com o dom de sua própria existência, na obra de salvação do mundo”.

 

 

O nascimento da Obra de Maria, descrito por Chiara Lubich

Eram tempos de guerra e tudo desmoronava. Nós, algumas jovens, com 15 a 25 anos, nos sentíamos atraídas pelos melhores ideais que se podia imaginar. Mas a guerra devastava tudo ao nosso redor e parecia aniquilar todas as nossas aspirações. Parecia que o Senhor queria nos recordar que tudo é vaidade das vaidades.

Ao mesmo tempo, Deus colocava no meu coração, em nome de todas, uma pergunta: “Existirá um ideal que não morra, que nenhuma bomba possa destruir, ao qual possamos dar toda a nossa vida?” E a resposta: “Sim, Deus”.

Decidimos fazer de Deus o ideal de nossa vida. Mas como colocar isso em prática? O Evangelho responde: Nem todo aquele que diz: “Senhor! Senhor!”, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos Céus.

Haverá uma vontade de Deus que lhe agrada de forma especial? Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos.

Com as minhas novas companheiras, encontro-me um dia num porão escuro, com uma vela acesa e o Evangelho nas mãos. Abro o Evangelho, ali está a oração de Jesus antes de morrer: Pai, que eles sejam um. Estas palavras parecem iluminar-se uma a uma e nos colocam no coração a certeza de que nós tínhamos nascido para realizar aquela página do Evangelho (Città Nuova, maio de 2003).