Há alguns meses, o Arcebispo de Bruxelas e Primaz da Bélgica, Cardeal Godfried Danneels, esteve em Roma, a convite do senador Giulio Andreotti, Diretor-Presidente da conhecida revista 30 Dias, para participar do lançamento de um livro de memórias sobre o escritor francês Charles Péguy.
Na Sala do Cenáculo da Câmara dos Deputados, Sua Eminência proferiu um discurso de extrema importância, tanto pelo tema em si, como por sua palpitante atualidade.
De tal maneira os argumentos expostos vêm ao encontro do nosso carisma, que pareceu-nos ser do agrado de nossos leitores reproduzir aqui os principais trechos da alocução do Cardeal.
Falou ele sobre o papel da beleza enquanto valor a ser descoberto em Deus, e como instrumento de evangelização, particularmente no trabalho com os jovens.
Os subtítulos são de nossa redação.
Três “portas” para chegar a Deus
Há três portas para chegar a Deus. Deus tem três nomes: Verum, Bonum, Pulchrum, as três universalia da filosofia medieval.
Portanto, há uma porta de entrada para chegar a Deus pelo caminho da verdade (por exemplo, sublinhando que Deus é a Verdade primeira); há outra porta que passa pelo bonum (que sublinha que Deus é o bem último, a suprema santidade) e também uma porta que passa pela beleza, porque Ele é supremamente belo.
O verum e o bonum, inacessíveis hoje
Na Igreja, e sobretudo na Igreja Católica, tomam-se sempre as duas primeiras portas. Mas quando digo a jovens estudantes que Deus é a suma Verdade, todos se sentem como pequenos Pilatos. Perguntam: “Que é a verdade? E como se pode provar que o senhor conhece a verdade? Talvez não exista uma verdade suprema”.
Portanto, essa porta que a princípio seria acessível, pois Deus é verdadeiro, tornou-se, em nosso tempo (e isso é culpa nossa, da nossa cultura) praticamente inacessível.
Todos os jovens não apenas são contrários ao dogmatismo, mas simplesmente contrários aos dogmas. E, assim, não podem, no momento, entrar por essa porta.
Quando alguém os exorta a aproximarem-se de Deus por meio da porta do Bonum, da virtude moral, ou dos ideais de santidade, respondem: “Eu posso admirar tudo isso, mas não é para mim. Sou muito frágil. Admiro a santidade de Deus, mas é um ideal alto demais para mim”. Portanto, não têm acesso por essa porta.
A porta da beleza permanece aberta
Mas se, durante a Quaresma, esses mesmos jovens forem convidados a ouvir a Paixão segundo São Mateus, de Johann Sebastian Bach, quando saírem não se ouvirá nenhuma objeção. A porta da beleza está completamente aberta.
No entanto, ainda que o texto da Paixão segundo São Mateus de Bach seja um texto evangélico, suas árias cantadas pertencem ao puro pietismo do século XVII, um pouco indigesto para nós.
Mesmo assim, eles dizem: “Isto me impressionou”.
Penso que na Igreja, hoje, o caminho da cultura, da arte, da música, da arquitetura é um caminho que se pode percorrer muito bem, pois diante dele caem as objeções. Não digo que sempre será assim. Não sei como será nos séculos XXI ou XXII. Mas, no momento, é assim.
A beleza de que estou falando não é um estetismo, não é uma beleza da forma. Platão já dizia: “Pulchrum est splendor veri”.
Portanto, se a verdade é o sol, o pulchrum é o halo em volta do sol, onde o sol é mais quente e mais luminoso. A beleza é o esplendor, a brillance da verdade, como dizem os franceses. Já os gregos haviam feito das palavras belo (kalós) e bom (agathós) um único substantivo. Pois tudo o que é bom é belo e tudo o que é belo é bom. (...)
Penso que neste momento, para falar de Deus aos jovens, pode-se também apresentar todo este imenso tesouro cultural, no sentido total da palavra.
Ainda que aproximar-se do cristianismo por meio da cultura comporte um perigo: reduzir Deus e a fé católica ao dado cultural. Mesmo que a cultura possa servir como porta de acesso e possa oferecer a oportunidade para aproximar-se de Deus, continua a ser apenas uma oportunidade.