O Brasil e a África se conhecem há mais de quatro séculos. Os primeiros tempos foram de um relacionamento tumultuado e trágico, que aos poucos se transformou, talvez devido aos ares adocicados da nova terra.

E os africanos deram sua importante contribuição para formar o Brasil, inclusive no tocante à Fé Católica de nosso povo, a qual abraçaram com fervor. Nada mais justo, então, do que o Brasil de hoje ajudar a África, o continente mais pobre e mais sofrido da Terra.

Os Arautos do Evangelho, logo após sua fundação, quiseram estender a esse continente sua atividade apostólica. Ali, seu centro mais florescente fica em Moçambique, país ao qual nos une também a língua portuguesa.

É difícil para qualquer brasileiro, mesmo os moradores das regiões menos favorecidas, imaginar a pobreza e o caos social de Moçambique. Mais difícil ainda é fazer ideia do entusiasmo e do maravilhamento dos moçambicanos pelas belezas da religião Católica.

Em entrevista a “Arautos do Evangelho”, José Eduardo Pinheiro, responsável por nossa missão em Moçambique, dá aos nossos leitores uma descrição viva da realidade naquele país.

Arautos do Evangelho: Como surgiu a ideia de fundar um núcleo dos Arautos em Moçambique?

José Eduardo Pinheiro: Nosso Presidente Geral, Sr. João Clá Dias, ficou entusiasmado quando ouviu o Papa afirmar que as grandes esperanças para o século XXI estavam na América do Sul e na África. Logo depois, resolveu abrir lá uma missão, e pediu que se apresentassem voluntários para dar início a esse empreendimento.

AE: E qual foi a realidade que os senhores lá encontraram?

JEP: Moçambique situa-se no sudeste africano, em frente à lendária ilha de Madagascar. Como é banhado pelo Oceano Índico, tem costumes e influências asiáticas, especialmente indianas.

Desestruturado completamente por quase vinte anos de guerra, esse país vai se recuperando pouco a pouco, em dez anos de paz. Porém, resta muito a fazer para alcançar as condições materiais de outrora.

A antiga cidade de Maputo era considerada a “Pérola do Oceano Índico” e hoje, pelo contrário, é uma cidade em reconstrução. Moçambique ocupa o quarto lugar na lista dos países mais pobres do mundo.

Com a ajuda de nações ricas, acrescida do intenso trabalho missionário e do esforço hercúleo de muitos moçambicanos, a fisionomia local está mudando.

AE: Dentro desse quadro, os senhores tiveram muitas dificuldades para conseguir se instalar no país?

JEP: Sim. Nossa chegada, em 2000, coincidiu com uma das calamidades mais graves pelas quais já passou Moçambique. Todo o país foi assolado por uma enchente catastrófica e por furacões arrasadores.

Foi uma dificuldade imediata não pequena. Mas logo nos atiramos ao trabalho. As autoridades, tanto eclesiásticas quanto civis, acolheram nossa ajuda com gratidão. As estradas ficaram intransitáveis, a água levou tudo… Muitas vezes ficamos ilhados.

Éramos três, alojados em lugares separados e não conseguimos nos aproximar uns dos outros, em razão dos rios intransponíveis que se formaram temporariamente.

Com muita dificuldade, conseguimos levar a imagem do Imaculado Coração de Maria a várias paróquias, dando muito encorajamento ao povo, que via nisto uma manifestação da bondosa Mãe de Deus para esses seus sofridos filhos.

Um pároco, o Pe. Anastácio Jorge, comentou numa dessas visitas:

Ficamos emocionados de ver que a Providência não nos abandonou. Temos recebido ajudas materiais de todos os lados, graças a Deus, mas a Providência agora nos manda a própria Rainha do Céu para nos confortar.

Esta foi a primeira dificuldade. A segunda foi que tínhamos muito poucos conhecidos lá e foi preciso partir quase do nada: fazer amizades, estabelecer contatos, etc.

O terceiro obstáculo é a extrema pobreza. O próprio Cardeal de Maputo, D. Alexandre José Maria dos Santos, nos recomendou vivamente que não contássemos com ajuda financeira dentro de Moçambique, porque, disse ele, “eu mesmo tenho experiência própria nisso”.

Ora, como missionários não temos outra fonte de recursos que não as esmolas e doações…

AE: E como foi se desenvolvendo o trabalho?

JEP: A primeira pessoa visitada por nós em Maputo foi o Cardeal. Depois começamos uma atuação conjunta com os párocos, que dura até hoje. Participamos ativamente das reuniões e atuamos no âmbito da pastoral arquidiocesana.

Por exemplo, na missa e na procissão de Corpus Christi, em 2002, fomos um dos grupos mais atuantes. Logo depois, houve outra missa pelas vítimas de um desastre terrível, um descarrilamento de trem com trezentos mortos, e o Cardeal nos convidou para animar a liturgia. 

AE: Entrando no âmbito da evangelização, quais são os fatores que mais têm favorecido os senhores para encaminhar as almas a Deus?

JEP: Desde os primeiros contatos, especialmente com os jovens, ficamos surpresos ao notar sua propensão para uma profunda religiosidade.

Eles são facilmente catequizados por terem essa facilidade em crer e agir em consequência da Fé.

Outro fator que auxilia é seu espírito comunicativo. Alegram-se, cantam e dançam em conjunto, para manifestar seu contentamento. São também muito dóceis, ao mesmo tempo que excelentes observadores.

AE: Há alguma afinidade entre o temperamento africano e o carisma dos Arautos?

JEP: Muitas! É sobretudo pelo belo, e só secundariamente pelo raciocínio, que o africano percebe a presença de Deus. Também o mistério e o simbolismo da liturgia os atraem enormemente.

Ora, o carisma dos Arautos é mostrar Deus através da beleza… Abre-se, portanto, para nós uma grande perspectiva de missão, não só em Moçambique, mas em todo o mundo africano negro. Veja, por exemplo, este pequeno mas significativo fato.

O país é muito pobre, e por isso é comum – bem mais do que no Brasil – encontrarmos pedintes de esmola, que de uma maneira muito pitoresca dizem: “Estou a pedir, estou a pedir”.

E quando não temos condições de dar algo naquele momento, eles com muita desinibição, e sobretudo admiração, olham para os nossos emblemas e dizem: “Você não pode me dar essa coisa bonita?”

Assim, o número de pessoas que pedem nosso medalhão é espantoso. Aqueles que já o possuem, andam pelas ruas exibindo-o com alegria.

AE: Quais suas principais atividades apostólicas?

JEP: Atuamos em vários campos. Um deles é a colaboração com as autoridades tanto eclesiásticas quanto civis, com participações em eventos, animação litúrgica, etc.

Está a nosso cargo um programa diário sobre Nossa Senhora e a animação de um terço, também diário, em Rádio Maria, por meio dos quais levamos uma mensagem de fé e esperança a todas as camadas da população.

O apostolado do Oratório do Imaculado Coração de Maria vai se difundindo de forma muito promissora, pois atinge profundamente o senso do maravilhoso característico do povo africano. 

Essas atividades nos aproximam muito do povo, criam um clima de confiança, dando-nos oportunidade, então, de realizar um trabalho de evangelização mais em profundidade.

Mas fomos especialmente favorecidos pela graça de Deus na atuação com a juventude. Os frutos têm sido excelentes! Trabalhamos com mais de trezentos jovens em três paróquias distintas.

Muitos pedem para serem arautos, outros demonstram vocação sacerdotal, sendo encaminhados para os seminários.

Todos os que frequentam nossos cursos aprendem a doutrina católica, recebem apoio moral e social, e podem atuar como fermento dentro da sociedade.

Formamos também inúmeros grupos de crianças para o Batismo, Primeira Comunhão e Crisma. No ano passado fomos chamados para dar retiros para vocacionados, professores de catequese e jovens em geral.

AE: Então, já temos Arautos africanos?

JEP: Claro! Em nossas casas não há mais nenhuma vaga. Nelas residem trinta rapazes com o desejo de serem Arautos do Evangelho.

Em breve estes, e outros mais, serão admitidos numa solene cerimônia na qual receberão o belo hábito da Associação.

Para essa grande oportunidade, contamos com a visita de nosso Presidente Geral, o Sr. João Clá Dias, o qual deseja muito conhecer de perto as perspectivas de apostolado no país.

AE: Com essas promissoras perspectivas, há algo que ainda impeça um maior desenvolvimento do apostolado?

JEP: Sim. Tivemos e temos uma dificuldade muito grande com a falta de recursos financeiros, mas graças a Deus recebemos um grande apoio de algumas instituições religiosas, que faço questão de mencionar: Missionários da Consolata, Salesianos, Dehonianos e Vicentinos.

Os Arautos do Evangelho da África do Sul tiveram um papel relevante nesta sustentação. Mas, apesar deste apoio, dado o grande crescimento das atividades e a falta de recursos do país, realmente, para nós o maior embaraço atualmente é a insuficiência de meios.

Se tivéssemos mais recursos, seríamos mais numerosos, poderíamos atender mais jovens, atuar em muitas outras paróquias e mais beleza da ríamos às apresentações próprias ao nosso carisma. Mas vamos continuar caminhando, aproveitando como pudermos o pouco que temos.

A este propósito, conto um fato pitoresco, ocorrido no Natal de 2001. Estávamos reduzidos, pela falta de recursos, a comer durante meses uma espécie de polenta, sem tempero, feita de milho branco, chamada “chima”, que é um prato comum lá.

Chegado o Natal, na nossa casa só tínhamos para a ceia ovos cozidos…

Mas de tal maneira isso fugia à rotina da “chima”, que os rapazes cantaram e dançaram longamente em torno da mesa para agradecer a Deus o ter esta iguaria: ovos cozidos!

Sem falar que durante muitos dias o café da manhã foi mandioca cozida, colhida pelos rapazes no quintal de suas casas.

AE: Faltam meios, mas não falta graça para converter os corações…

JEP: Precisamente. Faltam meios, mas não falta a graça divina. Nossa preocupação imediata é poder ajudar na evangelização de Moçambique inteiro.

É um país enorme, com muitas outras cidades também necessitadas da nossa atuação e nas quais já fomos convidados a trabalhar. Atingimos até aqui duas cidades, mas é preciso crescermos muito ainda. E “Dominus providebit!” (o Senhor nos sustentará), como dizia São João Bosco.

AE: E existem esperanças nos países vizinhos?

JEP: Nossa intenção é estender as atividades aos paí­ses vizinhos, todos de língua inglesa. Já temos importantes contatos com católicos da Tanzânia, do Quênia, do Malawi, países situados ao norte de Moçambique.

Um queniano, atualmente residente em Moçambique, prepara-se para ser Arauto do Evangelho e poderá começar as atividades na sua terra oportunamente.

Temos também convite de um Bispo de um pequeno país, a Suazilândia, ao sul de Moçambique, cuja capital fica apenas a 150 quilômetros de Maputo. As possibilidades são muito grandes.

AE: E para concluir, quais são os projetos e metas, esperanças, enfim, que os senhores depositam num futuro próximo?

JEP: É necessário ressaltar algo notável: a ajuda da Providência Divina no nosso desenvolvimento na África. Moçambique é um país predominantemente pagão, que está se recuperando de uma catástrofe, a guerra, e assolado por outros problemas; creio que, por isso mesmo, Deus quis nos ajudar de modo especial.

Ora, nós desejamos retribuir esse benefício recebido. Como? Com nosso entusiasmo, nossas orações e nossos trabalhos, para apressar a realização da promessa feita por Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, meu Imaculado Coração Triunfará!”

A Divina Providência nos dará os meios para podermos nos expandir dentro de Moçambique e nos países vizinhos.

E, se Deus quiser, um primeiro passo pelo qual estamos rezando é trazer ao Brasil os jovens postulantes, para conhecerem a atuação dos católicos em nossa Pátria, como também nossa Casa-Mãe e o apostolado aqui desenvolvido pelos Arautos.

Isto os ajudará muito a ampliar os horizontes a respeito da grandeza da Igreja Católica. Para a pronta concretização desta esperança contamos com as orações de todos.