A voz de Bento XVI, suas palavras e sua mensagem chegaram ao povo dos Estados Unidos antes mesmo dele pisar o solo norte-americano, pela primeira vez enquanto Papa, no dia 15 de abril.
“É Deus que nos salva”, declarou o Santo Padre na mensagem preparatória à sua viagem apostólica. “Ele salva o mundo e a História. Ele é o Pastor do seu povo e eu vou, enviado por Jesus Cristo, levar sua Palavra de Vida”.
Mas foi talvez esse “levar”, personificado na presença do Sucessor de Pedro entre os norte-americanos, esse contato diário e pessoal do povo com o Papa, que trouxe uma nova vitalidade à mensagem sempre perene do Salvador.
Durante essa viagem de seis dias, o Papa tratou das realidades enfrentadas pela Igreja nos Estudos Unidos.
No seu sublime e universal papel, como representante de Cristo na terra, Bento XVI soube personificar o Bom Pastor e o Divino Médico – reunindo os elementos mais díspares do seu rebanho, e aplicando-lhes o bálsamo do verdadeiro amor de Cristo e da fidelidade ao Evangelho.
O tema escolhido nesta viagem apostólica foi “Cristo nossa Esperança”. O Pontífice delineou a profundidade dessas “três palavras simples, mas essenciais”, na referida mensagem aos americanos:
De fato, o mundo tem necessidade como nunca de esperança: esperança de paz, de justiça, de liberdade, mas não poderá realizar esta esperança sem obedecer à Lei de Deus, que Cristo levou a cumprimento no mandamento de nos amarmos uns aos outros.
A Igreja nos Estados Unidos responde pela terceira maior população católica do mundo. Com aguda visão e discernimento, Bento XVI soube abarcar todo o panorama norte-americano.
Esteve com representantes oficiais do governo e, da mesma forma, orientou e encorajou bispos, sacerdotes e seminaristas.
Definiu os critérios de um autêntico e frutífero diálogo ecumênico, ministrou os Sacramentos aos fiéis, pregou aos educadores, alcançou a juventude, e estendeu uma mão e um coração paterno àqueles que sofrem no corpo e no espírito.
Liberdade: “Uma chamada à responsabilidade particular”
O Santo Padre desembarcou na base aérea de Andrews, Maryland, no dia 15 de abril, e foi recebido pessoalmente pelo Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, em um gesto sem precedentes da parte do Chefe de Estado desse País.
Os norte-americanos, por sua vez, mostraram-se agradecidos pelo gesto discretamente afetuoso do Pontífice, ao fazer coincidir sua chegada na véspera do seu próprio aniversário.
No dia seguinte, 16 de abril, no qual completava 81 anos, o Papa foi homenageado com uma salva de 21 disparos de canhão, durante a recepção de boas-vindas no jardim da Casa Branca, onde estavam presentes mais de nove mil convidados.
Em resposta às palavras do Presidente, o Papa declarou: “Ao começar esta visita, estou persuadido de que a minha presença será um manancial de renovação e de esperança para a Igreja nos Estados Unidos”.
Sobre a liberdade, tão almejada pelos norte-americanos, e tão enraizada nos documentos de fundação do país, o Papa lembrou:
A liberdade não é somente uma dádiva, mas também um convite à responsabilidade pessoal. Os norte-americanos sabem isto por experiência própria […].
A preservação da liberdade exige o cultivo da virtude, da autodisciplina, o sacrifício pelo bem comum e um senso de responsabilidade em relação aos menos favorecidos.
Uma profunda sede de Deus
Nessa noite, o Papa rezou Vésperas com o Episcopado Norte-Americano reunido na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição, em Washington, sendo cumprimentado em nome de todos pelo Cardeal Francis Eugene George, OMI, Arcebispo de Chicago.
Ao agradecer as palavras do Cardeal e responder as perguntas formuladas pelos Bispos, o Papa elogiou a vitalidade e diversidade dos Estados Unidos.
Alertou, no entanto, contra as peculiares influências do “tipo de secularismo norte-americano”, que “permite a profissão da crença em Deus, e respeita o papel público da religião e das igrejas, mas ao mesmo tempo sutilmente reduz a crença religiosa ao mínimo denominador comum”.
Embora os Estados Unidos se caracterizem por “um espírito genuinamente religioso, contudo, a influência sutil do secularismo pode marcar o modo como as pessoas permitem que a Fé influencie o próprio comportamento”.
Por isso,
qualquer tendência a tratar a religião como uma questão particular deve ser evitada.
Só quando a sua Fé impregna todos os aspectos das respectivas vidas, os cristãos podem tornar-se verdadeiramente abertos ao poder transformador do Evangelho.
Bento XVI concluiu oferecendo um antídoto à influência do materialismo:
Hoje em dia, é preciso recordar às pessoas a finalidade derradeira da própria vida. Elas têm necessidade de reconhecer que existe nelas uma profunda sede de Deus.
É preciso oferecer-lhes a oportunidade de beber das nascentes do seu amor infinito.
É fácil permanecermos fascinados pelas possibilidades quase infinitas que a ciência e a tecnologia nos oferecem.
É fácil cometer o erro de pensar que somente com os nossos próprios esforços podemos alcançar o cumprimento das nossas aspirações mais profundas. Trata-se de uma ilusão. […]
A finalidade de toda a nossa obra pastoral e catequética, o objeto da nossa pregação e o cerne do nosso ministério sacramental deveriam consistir em ajudar as pessoas a estabelecerem e alimentar aquela relação viva com “Jesus Cristo, nossa esperança” (1 Tm 1, 1).
Nossa devoção nos ajuda a falar e atuar “in persona Christi”
Ainda neste encontro com os bispos norte-americanos, o Papa apontou a crise moral que domina o mundo, e as consequências drásticas da mesma sobre as crianças e a família, “unidade básica da Igreja e da sociedade”.
Aproximadamente 350 prelados estavam presentes, escutando com atenção, e em certos momentos até com emoção, as palavras do Papa.
Eles foram lembrados da sublime dignidade do chamado episcopal, e de como a oração e o zelo pastoral, sempre renovados, são meios seguros e eficazes para proteger e sanar o rebanho que lhes foi confiado.
Precisamos redescobrir a alegria de levar uma vida centrada em Cristo, cultivando as virtudes e imergindo-nos na oração.
Quando os fiéis sabem que o seu pastor é um homem que reza e dedica a sua própria vida ao serviço deles, respondem com ternura e carinho, alimentando e sustentando a vida de toda a comunidade. […]
Desse modo, a nossa devoção ajuda-nos a falar e agir “in persona Christi”, a ensinar, governar e santificar os fiéis em nome de Jesus, a anunciar a sua reconciliação, a sua purificação e o seu amor a todos os queridos irmãos e irmãs.

Habitantes de Washington encontram-se com o Papa
Ao percorrer os trajetos entre os vários eventos, o Santo Padre foi aclamado pela população de Washington. Executivos saíam dos seus escritórios para poder ver, ainda que por breves instantes, o Vigário de Cristo.
Durante essa visita, muitos americanos – inclusive não católicos – comentaram frequentemente, tanto entre si como na imprensa, a dignidade, a grandeza e o calor emanados do distinto personagem trajado de branco.
Na Celebração Eucarística, no Nationals Park, em 17 de abril, o povo de Washington encontrou-se com o Papa em grande escala. Os 47.000 católicos, aproximadamente, que encheram o estádio foram apenas uma fração dos 200.000 ingressos solicitados.
Sua homilia durante a Missa Votiva do Espírito Santo mostrou-se repleta de Esperança:
No exercício do meu ministério de sucessor de Pedro, eu venho aos Estados Unidos para vos confirmar, meus irmãos e minhas irmãs, na Fé dos Apóstolos (Lc 22, 32).
Eu venho proclamar novamente, como Pedro proclamou no dia de Pentecostes, que Jesus Cristo é Senhor e Messias, ressuscitado dos mortos, sentado na glória à destra de Deus Pai, e constituído como juiz dos vivos e dos mortos (cf. At 2, 14ss.).
Eu venho para repetir o chamado urgente dos Apóstolos à conversão para o perdão dos pecados e implorar do Senhor um novo derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja neste país.
A “crise da verdade” tem raízes na “crise de Fé”
O magistral professor e teólogo brilhou no ato acadêmico realizado nesse mesmo dia, na Catholic University of America, quando Bento XVI se dirigiu a mais de 400 presidentes de universidades católicas, bem como representantes diocesanos da área de educação.
Falando aos professores e administradores, o Papa recordou-lhes o “dever e privilégio” que têm, de garantir que os estudantes sejam instruídos na doutrina e na prática da Religião.
A “crise de verdade”, assinalou, tem raiz na “crise de Fé”. Uma vez mais enfatizou o verdadeiro sentido da liberdade, desta vez, no contexto da educação:
A liberdade autêntica nunca pode ser atingida voltando as costas para Deus. […]
Quando não se reconhece como definitivo nada que ultrapasse o indivíduo, o critério último para julgar acaba sendo o “eu”, e a satisfação dos próprios desejos imediatos.
A objetividade e a perspectiva, que derivam exclusivamente do reconhecimento da essencial dimensão transcendente da pessoa humana, podem acabar perdendo-se.
Nesse horizonte relativista, os fins da educação terminam inevitavelmente por reduzir-se. Produz-se lentamente uma queda dos níveis.
Hoje notamos certa timidez perante a categoria do bom, e uma busca ansiosa das novidades do momento como realização da liberdade.
Visita à sede das Nações Unidas
Na sexta-feira, dia 18, o Papa chegou ao heliporto da Wall Street, em Manhattan, para dirigir-se à Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ali, o Santo Padre ressaltou a importância dos direitos humanos, enquanto fundados na lei natural e na dignidade dada por Deus a cada pessoa, e lembrou a obrigação de incluir a liberdade religiosa entre esses direitos:
É inconcebível, portanto, que os crentes tenham que suprimir uma parte de si mesmos – sua Fé – para poderem ser cidadãos ativos.
Nunca deveria ser necessário renegar de Deus para poder desfrutar dos próprios direitos.
Os direitos associados à religião precisam de proteção, sobretudo se eles são considerados em conflito com a ideologia secular predominante, ou com as posições de uma maioria religiosa de natureza exclusiva.
Manter-se unidos ao ensinamento seguro
No mesmo dia 18, foi celebrado na igreja de São José, em Nova York, um encontro ecumênico de oração. Em seu discurso, o Santo Padre falou de modo objetivo sobre um tema por vezes toldado pela ambiguidade:
Também no movimento ecumênico, os cristãos se mostram receosos de afirmar o papel da doutrina, por temor de que isto só sirva para exacerbar, mais que curar as feridas da divisão.
Apesar disso, um claro e convincente testemunho da salvação que nos conquistou Jesus Cristo deve estar fundado na noção de um ensinamento apostólico normativo, isto é, um ensinamento que realmente sublinhe as palavras inspiradas por Deus e sustente a vida sacramental dos cristãos hoje.
Somente nos mantendo firmemente unidos a esse ensinamento seguro (2Ts 2, 15) seremos capazes de responder aos desafios que nos assaltam em um mundo em transformação.
Somente dessa maneira daremos um testemunho firme da verdade do Evangelho e de seu ensinamento moral. Essa é a mensagem que o mundo espera ouvir de nós.
Missa na Catedral de St. Patrick
No dia 19, o Santo Padre celebrou o terceiro aniversário de seu pontificado, na companhia de Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, com uma Missa na Catedral de St. Patrick, na Quinta Avenida de Nova York.
O Papa tomou a estrutura gótica desse histórico templo – um dos principais monumentos religiosos do país – como ponto de partida para uma reflexão “sobre nossas vocações particulares dentro da unidade do Corpo Místico”.
Ilustrou o mistério da própria Igreja, utilizando a imagem dos vitrais. Como acontece com estes,
é somente do lado interno, através da vivência da Fé e da vida eclesial, que podemos ver a Igreja tal como ela realmente é: inundada de graça, esplendorosa pela sua beleza, ornada por múltiplos dons do Espírito.
Durante a homilia, o Papa fez um ardoroso convite à renovação espiritual:
Ao mesmo tempo em que rendemos graças pelas preciosas bênçãos do passado, e consideramos os desafios do futuro, imploremos a Deus a graça de um novo Pentecostes para a Igreja na América. […]
Levantemos os nossos olhares! E com grande humildade e confiança, peçamos ao Espírito que cada dia nos torne capazes de crescer na santidade que nos converterá em pedras vivas do templo que Ele próprio levanta agora, em meio a este mundo.
Se devemos ser verdadeiras forças de unidade, sejamos os primeiros na busca da reconciliação interior, através da penitência. Perdoemos as ofensas sofridas, e deixemos de lado todo sentimento de ira e conflito. […]
Sejamos os primeiros em demonstrar humildade e pureza de coração, as quais são necessárias para nos aproximarmos do esplendor da verdade de Deus.
Em fidelidade ao depósito da Fé, confiado aos Apóstolos (1Tm 6, 20), sejamos testemunhas alegres do poder transformador do Evangelho! […]
E, quando sairmos desse grande templo, avancemos como arautos da esperança em meio a esta cidade, e em todos os lugares onde a graça de Deus nos puser!






Encontro paternal com os jovens
Foi no encontro com a juventude, sobretudo, que o coração paternal de Bento XVI se revelou de forma mais completa. Nesse mesmo dia, o Papa se reuniu com cerca de 25.000 jovens, entre os quais centenas de candidatos ao sacerdócio, no Seminário de São José.
Pouco antes, cumprimentou um grupo constituído por jovens deficientes, aos quais incentivou com palavras breves, mas calorosas:
Às vezes é difícil encontrar uma razão para aquilo que parece somente uma dificuldade a superar, ou uma dor a enfrentar.
Não obstante isso, a Fé ajuda-nos a abrir de par em par o horizonte para além de nós mesmos e ver a vida como Deus a vê. […]
Através da sua Cruz, Jesus faz-nos verdadeiramente entrar no seu amor salvífico (cf. Jo 12, 32).
Ao longo de toda esta viagem apostólica, foi visível a alegria do Pontífice ao poder estar com os jovens. Caminhou sem pressa entre eles, em diversas ocasiões.
Aproximou-se, estendeu-lhes a mão, traçou-lhes pequenas cruzes na fronte, ou simplesmente dirigiu-lhes um olhar clemente e compreensivo.
Visita ao Ground Zero
No domingo, dia 20, em um dos momentos mais graves de sua visita, o Papa abençoou o local onde antes se localizavam os edifícios do World Trade Center, destruídos no trágico atentado terrorista de 11 de setembro de 2001.
O Papa rezou ao Deus do “amor, compaixão e da cura” no lugar onde aconteceram “violência e dor inacreditáveis”, e abençoou solenemente a todos os presentes.
Mais tarde, muitas pessoas formavam fila para poder orar, ajoelhadas, no lugar onde Bento XVI acabara de fazê-lo.
Missa no Yankee Stadium: “Venha a nós o Vosso Reino”
A visita pastoral do Papa encerrou-se com uma Missa campal no Yankee Stadium, no dia 20.
Comemorava-se uma data histórica para os católicos americanos: o 200º aniversário da elevação da primeira diocese do país – Baltimore – a Arquidiocese Metropolitana, bem como a criação das dioceses de Nova York, Boston, Louisville e Filadélfia. Cerca de 58.000 pessoas participaram da celebração.
“Cada dia, por estas terras,” – disse o Papa na sua homilia –
vós e tantos de vossos próximos rezais ao Pai, utilizando as próprias palavras do Senhor: “Venha a nós o Vosso Reino”.
Essa oração deve modelar a mente e o coração de todos os cristãos desta nação.
Ela precisa frutificar no modo de orientar as vossas vidas e na forma com que vós construís vossas famílias e comunidades. […]
“Rezar fervorosamente pela vinda do Reino de Deus” – acrescentou o Pontífice – “significa afrontar aos desafios do presente e do futuro, com confiança na vitória de Cristo e com o compromisso de estender o seu Reino”.

Despedida no aeroporto John F. Kennedy
As últimas palavras do Papa ao povo americano, na sua partida no dia 20, foram singelas: “Deixo-vos pedindo que vos lembreis de mim nas vossas orações, enquanto vos asseguro minha afeição e amizade no Senhor. Que Deus abençoe os Estados Unidos da América!”.
Os norte-americanos puderam sentir a profundidade destas palavras de Bento XVI, da mesma forma como sentiram a força de suas mensagens de esperança.
Durante toda a viagem, experimentaram em si mesmos o carinhoso zelo do “Bom Pastor”, que dá a vida pelas suas ovelhas; e foram testemunhas diretas da forte ação de presença desta “Pedra”, sobre a qual a Igreja de Deus foi edificada.
