Atravessar os escarpados Pirineus em direção à França, especialmente durante os meses de outono, é uma experiência verdadeiramente inesquecível.
O colorido da vegetação varia numa miríade de tons amarelos, dourados, vermelhos, marrons, verdes.
A vista da atraente configuração das montanhas aí colocadas por Deus, dos verdadeiros tapetes de grama que bordejam as íngremes encostas, dos altos picos com recortes que desenham mil figuras ajuda a alma a distanciar-se de seus problemas corriqueiros e elevar-se.
Na verdade, esses belos panoramas favorecem o voo da alma, convidando-a a se tornar mais contemplativa.
Não foi, entretanto, para admirar a beleza dos Pirineus que o grupo de peregrinos no qual eu estava incorporada empreendeu essa viagem. Tínhamos um objetivo bem superior: íamos em busca de belezas sobrenaturais, íamos a Lourdes.
Quanto mais nos aproximávamos da cidade-santuário, mais se afirmava em nós a certeza de que a Santíssima Virgem nos esperava.
Era o fim de uma longa espera, que se iniciou em 1858, quando Ela apareceu, e na luz divina contemplou os milhões de almas que viriam visitá-la. Chegara finalmente a nossa vez.
Depois de nos desvencilharmos das bagagens, saímos para o Santuário. O local amplo, bem-arranjado e limpo convida a andar rápido, para apressar o momento do encontro.
Mas aos poucos e sem perceber, fomos diminuindo os nossos passos. Chamava nossa atenção o silêncio profundo do local.
À direita e à esquerda, grandes cartazes em diversas línguas começavam a fazer ouvir na alma as palavras de Maria: “Rezai e fazei penitência pelos pecadores” — “Ide beber na fonte, lavai vossa face e Deus purificará vosso coração” — “Se alguém tiver sede, venha até Mim e beba” — “A água que Eu lhes darei se tornará fonte de vida eterna”.
Lentamente fomos nos aproximando da gruta onde Santa Bernadete recebe a visita da Mãe de Deus. Que espetáculo imponente, inesperado!
A gruta está encravada em um alto rochedo e tem um nicho natural em cuja base pousaram os pés da Santíssima Virgem. As grandes rochas de que é formada são de um tom cinza escuro, muito brilhante.
O artístico espírito francês soube dispor com bom gosto cada coisa dentro da gruta. Um altar para a celebração da Santa Missa no centro.
À esquerda, atrás de um cordão de isolamento, a grossa vertente da água milagrosa tão límpida e sonora, coberta por um cristal transparente que deixa ver as borbulhas vívidas do precioso líquido. Não é um fiozinho insignificante que corre, mas é um jorro, imagem imperfeita da magnanimidade de Maria.
E à direita, finalmente, a grande rocha com o nicho, onde está a expressiva imagem da Virgem de Lourdes.
Vestida com simplicidade, Ela tem a nobreza e distinção da Rainha do Céu, seus olhos se dirigem para cima, como a nos recordar mais uma vez que é para as alturas que devemos olhar.
Saindo da gruta, à esquerda, há o velário, o local onde se queimam velas de todos os tamanhos. Mais adiante estão as famosas piscinas. Acima, a Via Crucis, e bem na frente o belo Rio Gave…
Desde 11 de fevereiro de 1858, a Santíssima Virgem vem derramando abundantíssimas graças nesse local. Como é sabido, essa boa Mãe apareceu a Santa Bernadete Soubirous, que então tinha apenas 14 anos.
A família dessa jovem era dona de um moinho, mas acontecimentos adversos levaram-na a perder todos os seus bens e cair na mais extrema pobreza. Viu-se forçada a viver na antiga prisão de Lourdes, lugar úmido, escuro e inóspito.
Eventualmente seu pai conseguia algum trabalho, cujo pagamento mal dava para alimentar a numerosa família. Por estar aos pés dos Pirineus, o inverno nesta região é muito rigoroso e Bernadete contraíra uma enfermidade pulmonar que a fazia sofrer muito.
Um acontecimento extraordinário mudou repentinamente sua vida. Saiu ela uma tarde para apanhar lenha, acompanhada de uma de suas irmãs e de uma prima. Tinham de cruzar o rio, pois do outro lado havia um pequeno bosque.
Com a alegria e agilidade próprias da idade, suas companheiras descalçaram-se e, saltando sobre as pedras, chegaram rapidamente ao outro lado. Bernadete atrasou-se, indecisa sobre se deveria ou não meter-se na água fria.
Foi neste momento que, levantando os olhos, viu uma senhora muito jovem que a chamava. Uma profunda paz a invadiu e, durante o tempo em que a Senhora ali esteve falando com ela, manteve-se de joelhos.
Quando suas companheiras retornaram, ela lentamente foi se dando conta do que se passara. Sua irmã e prima não tinham visto nada; a linda Senhora tinha aparecido apenas para ela.
Foi essa a primeira de uma série de 18 aparições nas quais a Santíssima Virgem não apenas transmitiu a essa jovem inocente uma mensagem pedindo oração e penitência pela conversão dos pecadores, mas inaugurou um verdadeiro manancial de graças e milagres.
Depois da aparição de 11 de fevereiro, a Rainha do Céu voltou à gruta no dia 14 do mesmo mês, no dia 18 e a partir daí diariamente, com exceção dos dias 22 e 26, até 4 de março.
Em 25 de março a Mãe de Deus fez sua 16ª visita a Bernadete, e por fim apareceu-lhe a 7 de abril e a 16 de julho. Suas palavras não foram muitas, mas têm tão profundo significado que vale a pena conhecê-las e meditá-las.
A Santíssima Virgem disse à jovem no dia 18 de fevereiro: “Você quer me fazer o favor de vir aqui durante 15 dias?”
Na formulação de tão amável do pedido, quantas lições se podem tirar: não é Ela uma Rainha que pode dar ordens? Por que quis exprimir-se com tanta suavidade e fineza? O convite da graça é assim, suave, atraente, irresistível.
Não é de admirar o comentário feito por várias pessoas, de que as aparições enobreceram a pobre camponesa. Houve quem lhe perguntasse durante o processo eclesiástico como havia aprendido maneiras tão finas, ao que ela respondeu candidamente: “Foi com a Senhora.”
“Eu não prometo fazê-la feliz neste mundo, mas no outro.” Apesar do tom suave e profundamente maternal, a Santíssima Virgem não lhe escondeu as pesadas cruzes que Bernadete teria de carregar nesta vida. Mas prometeu-lhe o Céu.
“Eu quero que venha aqui muita gente.” Aí está a confirmação do convite individual que cada um recebe para aproximar-se d’Ela. O “vir aqui” é não só ir a Lourdes, mas, antes de tudo, ir até Ela. É um convite para toda a humanidade; ir até Maria para se santificar.
Durante o tempo das quinze aparições, Nossa Senhora disse a Santa Bernardete: “Você rezará pelos pecadores: você beijará a terra pelos pecadores.[…] Penitência, penitência, penitência!” Beijar a terra significa humilhar-se.
“Vá e diga aos padres que construam aqui uma capela. […] Quero que todos venham em procissão.” Este pedido da Mãe de Deus foi belamente atendido, já que foi aí construído o grandioso santuário que continuamente está cheio de fiéis de todas as nações.
Nas suas diversas naves e capelas são celebradas diariamente, em média, cinquenta e duas Missas, em mais de seis línguas.
Assim também, desde o início de março até o fim de novembro, há duas procissões diárias. Uma à tarde, com o Santíssimo Sacramento, dignamente levado sob um lindo pálio.
Ao passar pelos numerosos enfermos colocados em macas e atendidos por voluntários, o sacerdote se detém e lhes dá a bênção eucarística. À noite, reúnem-se todos os peregrinos e se realiza a procissão das velas.
Desta tomam parte também os enfermos. Em macas ou cadeiras de roda vão constituindo um impressionante batalhão de sofredores, que abre a procissão.
Todos os peregrinos levam uma vela acesa envolta em bem-feitas “capelinhas” de papel. Seguindo a Imagem de Nossa Senhora de Lourdes, os fiéis percorrem a grande esplanada do Santuário.
O Rosário é puxado pelos sacerdotes e cada dezena é rezada em um idioma diferente: português, inglês, italiano, japonês, chinês, ucraniano, malayalam, etc…
O Glória-ao-Pai é rezado em latim e canta-se a famosa “Ave, Ave, Ave Maria…” enquanto todos levantam para o alto as velas acesas. Durante o dia os peregrinos que queiram podem inscrever-se para tomar parte na recitação do Rosário na sua própria língua.
A Santíssima Virgem manifestou-se a Santa Bernadete no dia 25 de março declarando: “Eu sou a Imaculada Conceição!” Dizendo isto, dizia tudo. Foi como uma assinatura da Virgem às suas aparições em Lourdes.
Os milagres realizados aí sempre foram tão numerosos e extraordinários que as autoridades eclesiásticas constituíram um Bureau franqueado a médicos das mais diversas religiões, e até ateus, no qual são examinados os doentes que, ao chegar ou sair, o solicitarem.
Os critérios adotados nos exames são muito rigorosos. Continuamente há casos para os quais a ciência não encontra explicação.
Mas, para que uma cura seja reconhecida como milagrosa, a autoridade eclesiástica costuma aguardar anos, a fim de comprovar que o resultado foi duradouro.
A basílica superior tem suas altas e longas paredes recobertas de placas de mármore com inscrições agradecendo graças e favores.
Há também tantos corações de ouro ofertados à Virgem Maria como reconhecimento, que alguém teve a feliz idéia de formar com eles as palavras pronunciadas por Maria nas aparições. Nota-se um intenso clima de piedade nessa igreja.
É interessante observar que essas aparições da Virgem fazem parte de um ciclo de manifestações proféticas que visavam fazer com que a humanidade se voltasse para Maria, como meio de abandonar as vias da impureza e do orgulho pelas quais havia infelizmente entrado, e assim voltar-se a Jesus.
Apareceu essa incomparável Mãe também a Santa Catarina Labouré em 1830, na Rue du Bac, em Paris, onde pediu que se cunhasse a Medalha Milagrosa. Em 1858 manifesta-se em Lourdes. Em 1917 apareceu aos três pastorzinhos em Fátima.
São três aparições que contêm como elemento central um chamado à conversão e a promessa de graças excepcionais para a humanidade, abrindo uma era de misericórdia mariana nunca manifestada antes.
A consideração desse panorama cheio de promessas e de esperança deve fortalecer os laços que nos unem à Mãe de Deus e nos levar a esperar o futuro com entusiasmada confiança.