Ao longo de séculos, Deus preparou a humanidade das mais diversas formas para receber seu Filho Unigênito, que haveria de lhe trazer a salvação. Uma nova e eterna aliança estava por chegar.

Era preciso que os homens compreendessem a importância desse acontecimento, centro e pináculo da História, e procurassem orientar em função dele todos os aspectos de sua existência.

Deus escolhe um povo como depositário da promessa

Os primeiros episódios dessa preparação remontam aos primórdios da criação, quando da queda de Adão e Eva com o pecado original.

Já nos capítulos iniciais do Gênesis deparamo-nos com a célebre passagem do protoevangelho (cf. Gn 3, 15), que a Igreja aplica à Virgem Maria e sua descendência, e considera como germe do anúncio messiânico.

Não muito depois, o mesmo livro sagrado descreve como, após o dilúvio universal, Deus renovou por meio de Noé sua aliança com todos os seres criados (cf. Gn 9, 16). Mesmo tendo os homens novamente prevaricado, Ele não os abandonou nem revogou sua palavra.

A fim de congregar a humanidade decaída, o Altíssimo elegeu Abraão para ser pai de uma multidão de nações: “Todas as famílias da terra serão benditas em ti” (Gn 12, 3). Da descendência do santo patriarca constituiu o seu povo, Israel, tornando-o depositário da aliança estabelecida com o gênero humano.

No meio desse povo surgiram os profetas, homens e mulheres escolhidos para formá-lo na expectativa da vinda do Redentor: “Eis o que o Senhor proclama até os confins da terra: Dizei a Sião: eis, aí vem teu Salvador; eis com ele o preço de sua vitória” (Is 62, 11).

“Dias hão de vir – oráculo do Senhor – em que firmarei nova aliança com as casas de ­Israel e de Judá” (Jr 31, 31); “Concluirei com eles uma aliança de paz, um tratado eterno” (Ez 37, 26).

Deus os incitava assim a confiar, pois para eles era mister ter fé e ­esperar nas promessas feitas aos patriarcas. Sua vocação consistia em receber a Boa-nova e proclamá-la a todas as gentes.

“As Escrituras dão testemunho de Mim”

Segundo antigos escritos rabínicos, existem cerca de 456 referências explícitas ao Messias no Antigo Testamento.

Elas aparecem no Pentateuco, nos Livros Históricos, Proféticos e também nos Sapienciais, e correspondem a anúncios feitos ao longo de onze séculos, em lugares e circunstâncias muito diversas.1

Não é de se estranhar, portanto, que Nosso Senhor Jesus Cristo tenha afirmado aos fariseus: “Vós perscrutais as Escrituras, julgando encontrar nelas a vida eterna. Pois bem! São elas mesmas que dão testemunho de Mim” (Jo 5, 39).

Se o Divino Mestre foi rejeitado pelos líderes religiosos da época e por boa parte de seu povo, não foi por desconhecimento, mas por maldade. Daí se entende que o doce Jesus, que “a todos curava” (Mt 4, 24), os qualificasse de “sepulcros caiados” (Mt 23, 27) ou “raça de víboras” (Mt 23, 33).

Não façamos como eles. Consideremos os mais significativos episódios do Antigo Testamento prenunciadores do advento do Salvador e das circunstâncias em que ele se daria, para assim conhecer e amar mais o Menino cujo nascimento em breve celebraremos.

Local e circunstâncias do nascimento de Cristo

A ascendência davídica de ­Jesus, tão claramente testemunhada pelos Evangelistas (cf. Mt 1, 1-14; Lc 1, 27), foi já anunciada por Isaías numa referência a Jessé, pai do rei-profeta:

Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de sabedoria e de entendimento, Espírito de prudência e de coragem, Espírito de ciência e de temor do Senhor” (11, 1-2).

O mesmo Isaías, profeta messiânico por excelência, predisse a miraculosa concepção do Salvador, Filho de Maria Santíssima e do Espírito Santo: “O próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus conosco’” (7, 14).

Até o local em que haveria de nascer o Homem-Deus foi indicado com precisão por Miqueias:

Mas tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel. Suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias do longínquo passado (5, 1).

E a tradição católica viu em outro oráculo de Isaías um prognóstico do rechaço dos habitantes de Belém a seu Senhor: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento” (1, 3).

Por terem se fechado a Maria e José as portas de todas as casas da cidade, Jesus nasceu numa gruta e foi deitado numa manjedoura (cf. Lc 2, 7).

Profeta Miqueias - Igreja da Companhia de Jesus, Quito

Adoração dos Magos e fuga para o Egito

No Livro do Salmos, por sua vez, encontramos uma previsão sobre a adoração dos Reis Magos e suas oferendas ao Divino Infante: “Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão presentes, os reis da Arábia e de Sabá lhe oferecerão seus dons” (71, 10).

E ela se harmoniza com outra célebre profecia de Isaías: “Serás invadida por uma multidão de camelos, pelos dromedários de Madiã e de Efá; virão todos de Sabá, trazendo ouro e incenso, e publicando os louvores do Senhor” (60, 6).

Também a fuga para o Egito e permanência do Menino Jesus na terra dos faraós estão presentes nesses vaticínios: “Do Egito chamei meu filho” (Os 11, 1).

E nem mesmo a matança dos Santos Inocentes foi omitida: “Ouve-se em Ramá uma voz, lamentos e amargos soluços. É Raquel que chora os filhos, recusando ser consolada, porque já não existem” (Jr 31, 15).

Neste versículo Raquel, esposa do patriarca Jacó sepultada próximo a Belém, representa a nação israelita.2

Há inúmeras outras profecias sobre o advento do Messias, seu ministério público e morte. Em todas elas impressiona constatar a riqueza de detalhes e como cada um se cumpriu inteiramente na Pessoa de Nosso Senhor.

Muitos se recusavam a crer…

Mas, ó grande mistério! Esperado ao longo de milênios, o Messias veio para os seus, e estes não O quiseram reconhecer (cf. Jo 1, 11).

Por ocasião da chegada dos Magos a Jerusalém, os príncipes dos sacerdotes e escribas, reputados como autoridades no conhecimento e interpretação das Escrituras, “podem dizer imediatamente onde nasce o Messias: em Belém! Mas não se sentem convidados a ir”.3

Já nos albores da existência terrena do Redentor verificou-se um triste contraste:

Reis pagãos acreditaram na mensagem que lhes fora transmitida por Deus através de uma estrela, e os judeus, com a Revelação e todas as profecias, não quiseram abrir a alma para o seu Rei, o Messias.4

Os Evangelhos nos mostram que também o povo estava muito familiarizado com as principais profecias a respeito do Salvador.

A tal ponto que, quando surgiu a austera figura do Batista, todos indagavam se João não era o Messias (cf. Lc 3, 15).

E, com mais razão, ao constatar os sinais realizados por Nosso Senhor perguntavam-se: “Quando vier o Cristo, fará mais milagres do que este faz?” (Jo 7, 31). Entretanto, muitos se recusavam a crer…

“Armemos ciladas ao justo”

Em Nazaré, depois de ter lido uma passagem do Livro do profeta Isaías que prevê a vinda e missão do Messias, o próprio Jesus anunciou a seus conterrâneos que naquele dia se cumpria o oráculo que acabavam de ouvir.

Após um primeiro movimento de admiração, os nazarenos

encheram-se todos de cólera na sinagoga.

Levantaram-se e lançaram-No fora da cidade; e conduziram-no até o alto do monte sobre o qual estava construída a sua cidade, e queriam precipitá-lo dali abaixo” (Lc 4,  8-29).

Em outra ocasião, Jesus revelou na sinagoga de Cafarnaum o Sacramento da Eucaristia, prefigurado no maná que alimentara os judeus no deserto:

“Eu Sou o Pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o Pão, que Eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6, 51).

Resultado: grande parte de seus discípulos O abandonou e Ele já não podia permanecer na Judeia, pois “os judeus procuravam tirar-Lhe a vida” (Jo 7, 1).

Quanto aos fariseus, a quem ­Jesus repreendia abertamente, desde o início maquinavam planos para livrarem-se d’Ele, tal como foi descrito no Livro da Sabedoria:

Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. […]

Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovemos o que vai acontecer com ele. Se, de fato, o justo é “filho de Deus”, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos (2, 12.17-18).

Tal infidelidade causa espanto e confusão. Como puderam rejeitar Aquele que tão claramente lhes fora predito?

Visão errada a respeito do Messias

A resposta nos é dada por Mons. João:

A errônea interpretação das profecias levava os judeus a imaginar o Salvador como um herói nacional que os libertaria do jugo romano – considerado o grande mal do qual decorriam todos os outros infortúnios de Israel – e dar-lhes-ia uma insuperável projeção política, social e financeira, bem como a supremacia em relação a todos os outros povos da terra.5

No princípio da vida pública de Nosso Senhor, as multidões procuravam-No com avidez, maravilhadas com suas palavras e com os inúmeros milagres que Ele realizava. Buscavam a cura de seus males e desejavam ouvi-Lo falar a respeito do Reino.

Entretanto, boa parte daqueles que O proclamavam como Messias partilhavam da visualização mundana acima descrita e começaram a sentir-se incomodados com as censuras e exigências morais que lhes fazia o Homem-Deus…

“Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos Céus!” (Mt 21, 9), aclamaram a Nosso Senhor Jesus Cristo por ocasião de sua entrada em Jerusalém.

Essas palavras, tiradas do Salmo 117, eram tidas pelo povo como uma referência ao Messias prometido. Todavia, tais louvores mostraram-se vazios quando alguns dias depois foram substituídos pelo infame “Crucifica-O!” (Jo 19, 15).

Ora, também sobre isso escreveu Isaías: “O Senhor disse: ‘Esse povo vem a Mim apenas com palavras e Me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de Mim’” (29, 13).

E mais tarde São Paulo declararia que os habitantes de Jerusalém e seus chefes não reconheceram o Salvador e, ao condená-Lo, cumpriram as profecias que se liam todos os sábados (cf. At 13, 27-28).

Profeta Isaías - Monumento à Imaculada, Roma

Cegueira espiritual e dureza de coração

Muito elucidativa a esse respeito é a narração da cura do cego de nascença feita por São João em seu Evangelho.

Negando-se a admitir que aquele homem houvesse sido miraculado, os fariseus interrogaram seus pais a fim de verificar a autenticidade da cegueira.

Estes tentaram esquivar-se das indagações, remetendo-as ao filho, pois “os judeus tinham ameaçado expulsar da sinagoga todo aquele que reconhecesse Jesus como o Cristo” (Jo 9, 22).

O ex-cego, por sua vez, quando perguntado sobre o que pensava d’Aquele que o curara, havia respondido: “É um profeta” (Jo 9, 17). Pouco depois, abraçou a fé em Nosso Senhor e deu testemunho de sua divindade.

A propósito desse fato, afirmou Jesus: “Vim a este mundo para fazer uma discriminação: os que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos” (Jo 9, 39). Que cegueira é esta, senão a cegueira para as realidades sobrenaturais?

Por abraçarem uma visão materialista da vida e da própria salvação, aqueles homens tornaram-se incapazes de elevar os olhos para os horizontes da Fé e contemplar o Filho de Deus presente no meio deles.

Certo é que Nosso Senhor concedia graças superabundantes a todos com os quais tratava, a fim de O reconhecerem e seguirem.

Contudo, com muitos se passou o que descreve o profeta: “Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que não veja nada com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito” (Is 6, 10).

A dureza de seus corações tornou-os cegos e surdos para Deus.

A voz da Igreja e da Santíssima Virgem

Corre-se o risco de julgar erroneamente que nada disso tem relação com o mundo atual. A realidade, porém, nos mostra o contrário: mais uma vez, a humanidade fez-se insensível à voz do Senhor.

Ele, que tanto deseja derramar sobre nós seu amor infinito e dar-Se inteiramente a cada um de seus filhos e filhas, é rejeitado, desprezado e odiado.

Ao povo eleito foram enviados os patriarcas e profetas para lhe indicar a verdade e preparar o advento do Redentor. E a recusa a tão grande dádiva culminou no maior crime da História, o deicídio, como atestam os autores sagrados.

Quanto a nós, temos a graça de ouvir a voz da Santa Igreja, que há dois mil anos fala à humanidade através de seus Santos e de varões providenciais.

Também nos foi dada como Mãe a Santíssima Virgem, que no último século fez insistentes e amorosos apelos à conversão na Rue du Bac, em Lourdes, em La Salette, em Fátima e tantos outros lugares…

Se soubermos abrir os nossos corações a essa voz, seremos capazes de contemplar as maravilhas reservadas por Deus aos seus eleitos.

Imagem do Menino Jesus - Casa Thabor, Caieiras (SP)

1 Cf. EDERSHEIM, Alfred. The Life and Times of Jesus the Messiah. Grand Rapids (MI): Eerdmans, 1953, v. I, p. 710; LABURU, SJ, José Antonio de. Jesus Cristo é Deus? São Paulo: Loyola, 1966, p. 29.
2 Cf. LEAL, SJ, Juan; DEL PÁRAMO, SJ, Severiano; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Texto y comentario por los profesores de la Compañía de Jesús. Nuevo Testamento. Madrid: BAC, 1961, v. I, p. 32.
3 BENTO XVI. Homilia na Santa Missa com os membros da Comissão Teológica Internacional, 1/12/2009.
4 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A docilidade ao Espírito Santo ensinada por pagãos. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2014, v. III, p. 144.
5 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A verdadeira procura da felicidade. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v. V, p. 42.