Semelhante a uma altaneira proa de navio, ergue-se sobre um penhasco na cidade de Vila Velha-ES o Convento da Penha, palco de históricos combates e multitudinárias manifestações de piedade popular.
Ali a reportagem de Arautos do Evangelho entrevistou o Bispo Auxiliar de Vitória, Dom Mário Marquez, cujo cargo como capelão castrense o levou a harmonizar ao longo de muitos anos duas situações aparentemente contraditórias: a de frade capuchinho e a de oficial das Forças Armadas.
“Quero ser como eles!”
Nascido em 1952, numa comunidade rural de Luzerna (SC), o jovem Mário ingressou no seminário dos Capuchinhos aos 14 anos de idade.
Assim explica ele o motivo de sua opção por esse ramo da Família Franciscana: “Identifiquei-me com os Capuchinhos porque eles faziam missões populares na minha região. Chamaram-me especialmente a atenção pelo seu carisma, a simplicidade, o serviço ao próximo e a convivência fraterna. De onde nasceu em mim o desejo: ‘Quero ser como eles!’”.
Concretizou seu sonho, fazendo os votos perpétuos em 1979. Após receber, no ano seguinte, a ordenação sacerdotal, exerceu atividades evangelizadoras em diversas cidades do Paraná, como vigário paroquial, como pároco e como membro do Conselho Presbiteral da Diocese de Cornélio Procópio.
“Não podemos deixar sem assistência religiosa essa porção do povo de Deus”
Inesperadamente, a obediência o convocou para uma nova missão. O Arcebispo de Curitiba, na época Dom Pedro Fedalto, solicitou ao Provincial dos Capuchinhos um sacerdote para o cargo de capelão militar da Aeronáutica, nessa cidade. E o Provincial perguntou a Frei Mário se ele aceitaria a função. “Claro que aceito – respondi-lhe –, pois não podemos deixar sem assistência religiosa essa porção do povo de Deus”.
Tratando-se de ingressar nas Forças Armadas como oficial, precisou submeter-se a um concurso público.
Fui aprovado no concurso e fiz o estágio regulamentar, englobando a formação militar e o aprendizado pastoral específico de capelão, e saí com a graduação de 2° tenente.
Depois, ao longo de 20 anos de serviço, fui sucessivamente promovido até chegar ao posto de tenente-coronel no Sexto Comando Aéreo Regional, de Brasília.
Embora exercendo função religiosa, o capelão não estava isento do treinamento militar integral. Dom Mário recorda hoje, não sem uma ponta de saudades, de uma das numerosas aventuras pelas quais passou.
Quando ainda tenente, ele e vários outros oficiais foram conduzidos de helicóptero até uma clareira na selva, sem víveres, para um exercício de subsistência de cinco dias na mata.
Ninguém podia levar alimento algum. Somente eu pude levar um pouco de vinho e de hóstias, para celebrar a Missa.
Nada mais do que isso. Nessas circunstâncias, minha experiência de “menino da roça” foi de grande valia: fome, não passamos…
E como havia entre nós um bom cozinheiro, pudemos saborear algumas sopas bem deliciosas!
O carisma capuchinho no quartel
Mas é sério e de grande responsabilidade o ministério de capelão militar.
Eu representava no quartel a presença da Igreja – esclarece Dom Mário –, mas com o carisma dos Capuchinhos.
Cumpria-me ali seguir o exemplo de São Paulo, que diz na sua Primeira Epístola aos Coríntios: “Fiz-me judeu para os judeus, a fim de ganhar os judeus. Fiz-me tudo para todos, a fim de salvar a todos” (I Cor 9, 20.22).
Na Constituição Apostólica Spirituali Militum Curæ, acentua o saudoso Papa João Paulo II: “Aqueles que prestam o serviço militar devem considerar-se como ministros da segurança e da liberdade dos povos, pois, se cumprem com o seu dever retamente, concorrem também eles verdadeiramente para a estabilidade da paz”.
Assim, no meu ofício de capelão, eu procurava motivar os militares a se compenetrarem de que as Forças Armadas devem ser o Anjo da Guarda da nação, devem prestar esse serviço à pátria, e à população, onde houver situações de miséria e precariedade.
Necessidade da vigilância
Da mesma forma como o Apóstolo fez-se judeu para salvar os judeus, o oficial da Força Aérea Frei Mário empregava a linguagem militar para melhor evangelizar os militares.
Nos sermões, em palestras e mesmo nas rodas de conversa, eu frisava que todo homem tem um inimigo interno, ou seja, precisa estar sempre em luta contra suas tendências para o mal, suas paixões desordenadas.
Neste ponto, eu batia na tecla da necessidade da vigilância. Vejam – dizia-lhes – mesmo em tempo de paz, o quartel precisa manter sentinelas.
Assim também é cada homem, individualmente considerado: é preciso que o seu interior esteja constantemente guarnecido e vigiado.
Como nada acontece por acaso – pergunta o entrevistador –, qual foi o contributo dessa experiência pastoral à sua missão episcopal na diocese de Vitória? Dom Mário responde sem hesitação:
O exercício da função de capelão da Aeronáutica durante duas décadas acrescentou muito à experiência que eu tinha adquirido no ministério sacerdotal nas paróquias, deu-me uma forte bagagem e uma ampla visão no trabalho pastoral.
Aprendi muita coisa na sua forma de organização, de respeito hierárquico, dignidade e valores humanos.
Hoje, como Bispo, vejo a necessidade de fortalecer a importância da missão de cada um na própria comunidade.
Atualmente, fala-se mais dos direitos do que dos deveres. Eu costumo lembrar que devemos estar a serviço de Jesus, da Igreja e da comunidade, mas que com frequência o mundo de hoje procura levar-nos a servirmos egoisticamente a nós mesmos, e precisamos reagir contra isso.
Assim como o militar deve estar a serviço da pátria, todos nós, cristãos, devemos estar a serviço do bem.
Isso vale tanto para o Bispo e o padre quanto para os leigos. Vale para todos. Vale para quem está a serviço do Reino. Acredito que este seja o grande enfoque.
Boa convivência e muitas amizades
Em 31 de maio de 2006, o Papa Bento XVI chamou o tenente-coronel Frei Mário Marquez para uma função mais elevada e de maior responsabilidade: Bispo Auxiliar de Vitória. Foi o primeiro capelão das Forças Armadas a receber a ordenação episcopal quando estava ainda na ativa.
Essa nomeação causou muita alegria também nos meios militares, por verem um homem de suas fileiras ser designado para um alto cargo na hierarquia da Igreja.
Deixei com saudades a Aeronáutica, onde tive uma convivência muito boa e fiz grandes amizades com todos, desde o soldado até o brigadeiro.
O repórter fez-lhe, por fim, uma pergunta indiscreta: quando estava fardado, Vossa Excelência sentia-se mais como tenente-coronel ou mais como frade?
“Como frade! Sentia-me internamente como um frade, mesmo trajando a farda azul que tanto amei e servi durante mais de vinte anos. E, por sua vez, os meus companheiros de farda me identificavam mais como sacerdote”.