Há alguns anos, quem conseguisse ultrapassar os limites da clausura do convento dominicano de la Virgen de Atocha, em Madri, deparar-se-ia com uma cena de iluminura: um teólogo de renome internacional desempenhando a função de sineiro.

Era o Frei Antonio Royo Marín que, de tempos em tempos, interrompia seus estudos para lembrar a seus irmãos de hábito o cumprimento do horário da comunidade.

Homem de um passado penetrado de luzes e de carismas de seu fundador, soube com genialidade sintetizar e divulgar verdades explicitadas pela Igreja ao longo dos séculos, fato que lhe fez receber de S. S. João Paulo II a prestigiosa condecoração papal Pro Ecclesia et Pontifice.

Ouçamos o próprio Frei Antonio Royo Marín narrar alguns importantes aspectos de sua vida.

AE: Frei Royo, que lembranças o senhor tem de sua infância em sua cidade natal, Morella?

Frei Royo Marín: Uma das maiores graças que o Senhor me concedeu – depois daquela de ter-me escolhido para existir, dentre o infinito número de seres que poderiam vir à existência – é a de ter-me feito nascer num ambiente autêntica e calorosamente cristão.

Meu pai, minha mãe, meus irmãos, todos, graças a Deus, sempre foram cristãos fervorosos. Tenho de agradecer isto a Deus Nosso Senhor, pois não sei o que teria sido de mim se tivesse nascido num ambiente diferente.

AE: Que recordação o senhor tem de sua Primeira Comunhão e de seus primeiros passos na fé?

Frei Royo Marín: Eu tinha oito anos de idade quando se deu meu primeiro encontro com Cristo Nosso Senhor. Foi algo normal.

Continuei comungando diariamente durante toda a minha juventude; fazia-me falta, tinha necessidade de encontrar-me com Nosso Senhor no fundo de meu coração. E o encontrava na Eucaristia.

AE: Como surgiu sua vocação sacerdotal?

Frei Royo Marín: Eu pensava numa profissão no mundo, e gostava da Medicina. Matriculei-me na Faculdade de Medicina de Valência.

Porém, quando um dia estava estudando uma das matérias do primeiro ano, sem saber por que, surgiu de repente em meu espírito a seguinte pergunta: por que, em vez de ser médico de corpos, não posso ser médico de almas?

Esse pensamento me causou uma tal impressão que, imediatamente, fechei o livro e decidi: “Sacerdote, acima de tudo!”

Que mistério de Deus! Minha vocação foi um relâmpago. Em geral, as vocações surgem lentamente.

Fazem-se retiros, consulta-se um diretor espiritual. No meu caso foi um relâmpago inspirado pelo Espírito Santo. Não tenho a menor dúvida: minha vocação brotou diretamente do Espírito Santo!

AE: E por que dominicano e não sacerdote secular?

Frei Royo Marín: Poucos dias depois desse acontecimento-relâmpago, que acabo de descrever, minha família mudou-se para Madri, para uma casa perto da Basílica de Atocha, administrada pelos frades de São Domingos.

O prior naquela época era Frei Tomás Sánchez Perancho, que todos consideramos como Santo canonizável.

Quando vi como ele pregava, como as palavras saíam de sua alma, com aquele dom de Deus de convencer os outros, sem impor, sem forçar nada, eu pensei: “Tenho de ser dominicano”.

Depois ocorreu uma série de coisas, que seria longo contar. Adoeci, começou a guerra civil, na qual os “vermelhos” estiveram a ponto de fuzilar-me duas vezes.

Deus não o quis. Por fim, chegou o momento em que pude ingressar no Convento Dominicano de Santo Estêvão, em Salamanca.

AE: Que lembrança o senhor tem dos professores que conheceu em Salamanca e depois no Angelicum, de Roma?

Frei Royo Marín: Tive professores dominicanos magníficos, tanto de Teologia Dogmática como de Teologia Moral.

Sobretudo Frei Santiago Ramírez. Em nossa Ordem ele é considerado um segundo São Tomás. Tive a graça de tê-lo como professor e regente de estudos, de acompanhar seus ensinamentos magistrais.

Nunca ouvi alguém falar sobre Teologia Dogmática e Moral como ele. Conhecia São Tomás inteiramente.

AE: Como lhe enviaram a Roma para terminar seus estudos?

Frei Royo Marín: Em Salamanca fiz o curso normal de Filosofia, de Teologia e demais matérias necessárias para ser sacerdote.

Já ordenado, o padre provincial me enviou por três ou quatro anos a Roma para completar os estudos no Angelicum. Como havia falta de professores em Salamanca, mandaram-me obter o doutorado em Filosofia.

Eu tinha que obedecer, mas a Filosofia não me atraía tanto. A Teologia trata de Deus, e o que é de Deus é que me atrai.

Enfim, fui a Roma para estudar Filosofia. Mas oito dias depois de me ter matriculado em Filosofia, foi mudado o provincial na Espanha, sendo eleito prior o Pe. Sánchez Perancho, que me conhecia perfeitamente.

Ele pediu a Frei Santiago Ramírez – que estava de partida para Roma – dar-me o seguinte recado: “Diga a Frei Royo que, se ele preferir o doutorado em Teologia, passe para Teologia; e, se não gostar de Teologia, volte para a Espanha”.

Frei Santiago Ramírez me disse: “Eu lhe aconselho Teologia. Voltar à Espanha sem doutorado, não. O doutorado lhe servirá muito, mas em Teologia”.

AE: Como foram suas experiências como pregador por toda a Espanha, antes de ser nomeado professor em Salamanca?

Frei Royo Marín: Os primeiros cinco anos de sacerdócio, dediquei-os à pregação e percorri a Espanha inteira.

Pensava em entregar toda a minha vida à pregação, mas um dia Frei Aniceto, outro santo varão que depois chegou a ser provincial da Espanha, me disse: “O senhor está fazendo um trabalho enorme como pregador e estamos encantados com isto, mas acontece que Frei Teófilo Urdanoz, professor de Teologia em Salamanca, adoeceu”.

Perguntei a Frei Santiago Ramírez quem poderia substituí-lo e ele me respondeu: “Frei Royo. Não há outra opção para o senhor senão ir para Salamanca! Sei que estou interrompendo sua brilhante vida de pregador, mas não tem escolha”.

Fui para Salamanca. O melhor é nos deixarmos levar pela obediência, pois assim sempre acertamos.

AE: Foi a partir de então que o senhor começou seu paciente trabalho de sistematização da Teologia, a escrever livros e a formar pregadores. Que pode nos contar a esse respeito?

Frei Royo Marín: Como professor na Faculdade de Santo Estêvão, em Salamanca, eu ensinava parte da Teologia Dogmática, parte da Teologia Moral e Oratória Sacra. Formei mais de quinhentos jovens e ensinei-lhes a pregar. São os que agora estão pregando por toda parte e utilizando meus esquemas.

Mas eu mesmo não podia mais sair para pregar, pois tinha de dar aulas. Então comecei também a escrever. Foi providencial! Se eu tivesse continuado a pregar, teria percorrido toda a Espanha, mas não teria escrito um só livro.

Aí estão as minhas obras. Alegra-me muito ver a Providência Divina ter-me retirado da pregação e me colocado para escrever, pois a pregação passa e não volta, mas o que está escrito permanece para sempre.

A obra Teologia da Perfeição Cristã já tem nove edições em espanhol e mais de cem mil exemplares. Seria impossível pregar cem mil sermões…

AE: Que conselho o senhor daria aos Arautos do Evangelho?

Frei Royo Marín: Outra das grandes manifestações da Providência de Deus na minha vida é eu ter tido a honra de conhecer de perto os Arautos do Evangelho. Especialmente sou íntimo amigo do presidente geral, João Clá.

Pode ser que eu tenha feito algum bem aos Arautos, mas eles também me têm feito muito bem, razão pela qual os estimo profundamente e os admiro com toda a força e com todo o carinho.

De modo que sou também Arauto do Evangelho de coração e com toda a minha alma.

Meu conselho: aspirem à santidade, queiram ser santos. No dia em que renunciarem a ser santos, façam o favor de sair da associação e devolvam suas insígnias, pois já não serão mais arautos.

Para ser verdadeiramente arauto do Evangelho, é preciso ter fome e sede de santidade, e assim contribuir com todas as suas forças para a santificação dos outros.