Arautos do Evangelho: Como surgiu esta inspiração de realizar uma pastoral para os moradores dos apartamentos?
Frei Juvenal Sansão: Três frades tinham tentado fazer este trabalho, mas depois de uns dez apartamentos e um edifício feito, eles desistiram. Por quê?
Acontece que este trabalho, se realizado em locais da classe média para baixo, encontra pessoas numa atitude de quem está para receber alguma coisa. Enquanto que, da classe média para cima, acham sempre que o padre vem só para pedir dinheiro ou alguma coisa.
Por isso nunca aceitamos nenhum tostão. Se querem dar mesmo, eu lhes digo: “Então, o senhor e a senhora entregarão na igreja, quando forem à Missa”. Foi o Cardeal Paulo Evaristo Arns que lançou, numa reunião para o clero de São Paulo, essa ideia.
Ele observava que a Igreja estava perdendo muito terreno, da classe média para cima, sendo fundamental uma retomada do apostolado das visitas, em especial aos apartamentos onde se instala esta faixa da população.
AE: Cada apartamento é uma incógnita, um inesperado?
FJS: Sim, porque em cada apartamento que vamos não sabemos qual será a reação. Mas eu entro com fé. Nas atuais circunstâncias – sobretudo em São Paulo – fica-se numa certa tensão, com receio.
É difícil superar isto. Mas eu venho avançando desde setembro, com persistência. Dizem que os cabelos ruivos indicam cabeça dura. Combina comigo, porque eu era bem ruivinho quando criança…
AE: Essa busca, essa missão sempre foi uma constante na história da Igreja, embora hoje o desânimo…
FJS: Essa busca se denomina visita às famílias, e temos realmente que buscá-las, apesar dos obstáculos. As famílias normais, isto é, de católicos praticantes, são uma visita fácil, causam alegria, aceitam muito bem.
Depois que bati na porta de mil duzentos e trinta e sete apartamentos de católicos, constatei uma situação triste: trezentos apartamentos de católicos nem quiseram me receber.
AE: Muito revelador…
FJS: Revela a situação de falta de prática da religião: “Eu não preciso disso. Eu não preciso de padre. Já faço a minha oração”. Uma senhora disse: “Eu não quero ver padre aqui, tá?”
AE: Isto é uma tristeza, pois não é uma recusa da sua pessoa, mas da Igreja que o senhor está representando…
FJS: É verdade. E coisas assim humilham, sabe? Mas eu persisto.
Agora, sente-se que é um campo de máxima importância. Por isso eu luto, procuro chegar a essas famílias que ainda abrem a porta para um padre.
AE: Sua experiência é valiosa. Como é feita uma visita?
FJS: O modo de fazer, pareceu-me que não é questão de conversa, é questão de bênçãos.
Porque todo o povo católico tem fé e gosta muito das bênçãos (na Alemanha, também, onde realizei esse trabalho, durante seis anos). Isto está muito dentro da nossa mentalidade. Até aqui, num dos prédios, um senhor perguntou:
— Mas o senhor vem aqui para conversar ou para rezar?
— Eu venho para rezar.
— Então seja bem-vindo, porque para conversar eu não tenho tempo…
AE: Na verdade o senhor está chamando para conversar com Deus.
FJS: Exatamente.
AE: Quanto ao trabalho do senhor na Alemanha…
FJS: Eu estava numa paróquia situada numa antiga aldeia do Reno, com famílias católicas em sua absoluta maioria. Porém, apenas trinta por cento ia à igreja, embora sempre houvesse Missa. Eu notava lá esse decréscimo de prática religiosa.
Eles me aceitaram em casa e tudo o mais. Propus um outro horário de Missa, que lhes facilitasse o comparecimento. Cheguei mesmo a marcar um horário que diziam ser melhor, mas não iam. Então, há realmente esse relaxamento na prática da fé.
AE: Eu acho que o fato de o senhor ir com o hábito franciscano lembra muito São Francisco, a sacralidade da Igreja, e isso parece que toca as pessoas, não é?
FJS: Eu tenho chamado a atenção para isso e digo: “O padre que for realizar o apostolado das visitas, que coloque o hábito porque ele ainda é respeitado, é acreditado”.
Se vai à paisana, meu caro, um número maior de portas vai se fechar. Sempre vou de hábito e acho que o efeito realmente corresponde a isso que você disse, de que os moradores dos apartamentos não vêem a pessoa, mas a instituição. Isso abre muitas portas.
AE: Nessas visitas o senhor tem também ministrado os sacramentos?
FJS: Sim. Há pessoas que não vão mais à igreja, por causa da insegurança das cidades grandes. Além disso, há pessoas idosas que quase não podem ir à igreja. Então, depois de terminar a bênção da casa e as demais bênçãos, eu pergunto:
— O senhor ou a senhora gostariam de receber os sacramentos?
— Que sacramentos?
— O sacramento da Confissão, da Unção dos Enfermos e da Santa Comunhão.
Ninguém responde que não. Realmente querem. Para não ser algo muito longo para eles, coitados, para não se cansarem, eu digo:
— Eu venho amanhã de manhã. A que horas querem?
Conforme a hora que marcam, volto lá. Daí em diante, um ministro da Eucaristia vai levar a cada semana a Santa Hóstia para eles.
AE: O senhor vê relação entre a diminuição da presença dos símbolos da fé católica, a pouca frequência às igrejas e a expansão de outros cultos?
FJS: Eu creio que sim. Porque nós, o clero, somos em número reduzido; um pároco sozinho, numa paróquia de tantas mil pessoas, não pode se dar a esse trabalho com o afinco com que estou me dando. Ele não consegue, não tem tempo.
Evidentemente, as outras confissões religiosas começam a buscar e a fazer proselitismo. Fazem visitas, e as pessoas que não praticam a religião católica já estão a meio caminho, uma vez que não cultivar a fé, não ir à Missa, já é uma situação de pecado mortal.
Alguém vai conversar com eles e os convence. E acabam por arrastá-los para lá. Chegando lá, com as idéias mirabolantes deles, o sujeito ou a sujeita se sentem tocados. Parece até que ficam mais realistas do que o rei, acham que têm que ser, digamos, não apenas praticantes fervorosos, mas até fanáticos…
AE: Ficamos com pena deles, mas é mesmo como o senhor diz.
FJS: O que precisamos, nós padres, o quanto for possível, é IRMOS! É a expressão de Cristo Jesus: “Ide! Ide para o bem do povo!” É preciso fazer isso. E se nós não o fizermos, a nossa população católica continuará a se desviar, a esfriar, a não praticar… e fica aberta a porta para o que já sabemos.