No dia 7 de janeiro, o padre Salvador Aguilera López, sacerdote da Arquidiocese de Toledo, presidiu na Casa dos Arautos localizada em Camarenilla (Espanha) uma Celebração Eucarística muito peculiar.
Ela não seguiu o habitual Rito Latino, mas sim um dos mais antigos e hoje menos conhecidos: o Hispano-Mozárabe.
Para melhor apreciarmos esta relíquia viva das origens da Igreja hispana, rica em simbolismo e história, entramos em contato com o próprio padre Aguilera que nos envia de Roma, onde se encontra atualmente completando seus estudos no Pontifício Instituto Oriental, as respostas reproduzidas a seguir.
Qual a origem do Rito Hispano-Mozárabe?
Desde a época apostólica, quiseram as igrejas locais levar a cabo o mandato de Jesus na Última Ceia: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19).
Por isso, embora todas as liturgias sejam iguais na parte essencial, diferem em alguns elementos secundários, que são fruto da cultura, da história e da idiossincrasia de cada Igreja particular.
Podemos dizer que foi lenta a formação de nossa Liturgia, e ressaltar que nela muito se destacaram três sedes metropolitanas: Toledo, Tarragona e Sevilha.
Se fosse necessário indicar um momento histórico concreto, assinalaríamos o ano de 589, no qual se realizou o III Concílio de Toledo, ano da conversão oficial do reino dos visigodos à Fé Católica.
Seguiu-se uma época de esplendor, cujo ápice foi o século VII, na qual essa Liturgia era celebrada também na Gália narbonense e nos Pirineus orientais.
Quando os árabes, no ano 711, invadiram a Península, os cristãos viram-se obrigados a fugir para preservar suas vidas.
Outros, porém, lá permaneceram, celebrando ocultamente sua Fé. Destes deriva o termo “mozárabe”: eles viviam “entre os árabes”, tendo muitos deles recebido a palma do martírio.
Os que emigraram, levaram consigo os livros litúrgicos e as relíquias. Assim, por exemplo, os restos mortais de Santo Isidoro de Sevilha está em Leão e os de Santo Ildefonso de Toledo, em Zamora.
Anos mais tarde, porém, por ordem do rei Afonso o Casto, se restauraria nas Astúrias, baluarte da resistência a essa ocupação, a liturgia palatina tal como era celebrada em Toledo.
Ocorreu no século XI outro fato marcante da história desse Rito. O Papa São Gregório VII obteve do rei Afonso VI a convocação de um concílio em Burgos (1080), o qual decretou a abolição do Rito nos reinos de Castela e Leão, e implantou o Rito Romano.
Os cristãos mozárabes, que haviam ajudado o rei Afonso VI na reconquista da cidade de Toledo (1085), receberam, em reconhecimento de seus méritos, autorização para continuar celebrando sua própria Liturgia, e assim o fizeram nas seis paróquias mozárabes da cidade.
Como sobreviveu ele até nossos dias?
Na história da sobrevivência do Rito Mozárabe deve-se assinalar o nome de três Arcebispos de Toledo, Cardeais da Santa Igreja: Cisneros, Lorenzana e González.
O Cardeal Cisneros instituiu a Capela Mozárabe na Catedral Primaz, para assim assegurar a celebração da Santa Missa e do Ofício segundo esta antiquíssima Liturgia; ordenou também a edição impressa do Missal (1500) e do Breviário (1502).
O Cardeal Lorenzana encarregou-se da reedição desses livros litúrgicos, o Breviário em 1775 e o Missal em 1804. E o Cardeal Marcelo González Martín levou a cabo a reforma do Rito segundo as diretrizes da Constituição Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II.
Quem quiser participar de uma Celebração Eucarística nesse venerável Rito, pode fazê-lo na capela mozárabe de Corpus Christi, da Catedral de Toledo.
No altar-mor dessa catedral, o Arcebispo celebra segundo esse Rito em três ocasiões especiais: em 18 de dezembro; na Solenidade de Santo Ildefonso, 28 de janeiro; e na Solenidade de Corpus Christi.
Poderia destacar algumas das suas características mais salientes?
Para ser conciso, eu destacaria três elementos que pertencem ao Rito de Comunhão:
A proclamação do Credo e o Pai-Nosso. O Rito de Comunhão começa com a recitação do Credo, cuja formulação pertence ao I Concílio de Constantinopla. O Rito Hispano será o primeiro rito ocidental a introduzir na Celebração Eucarística o Símbolo da Fé.
Faz-se isso desde que assim foi ordenado pelo Cânon no 2 do III Concílio de Toledo (589), com a finalidade de que receba Cristo só quem confessou a Fé Católica.
O Pai-Nosso tem uma estrutura particular; começa com uma invocação à qual se seguem sete petições, e a cada uma delas o povo responde “amém”.
A “Fração do Pão”. Na Última Ceia, Jesus tomou o pão e o partiu, tal como nos atestam os Evangelhos, sendo assim um dos elementos essenciais da Eucaristia.
Nessa venerável Liturgia, a Fração se converte num momento epifânico no qual, ao ir fracionando o Corpo de Cristo e colocando-O na patena em forma de cruz, vamos evocando os mistérios de sua obra salvífica tal como os encontramos no Credo: Encarnação, Nascimento, Circuncisão, Aparição, Paixão, Morte, Ressurreição, Glória e Reino.
Inicialmente eram sete, como os sete selos dos quais nos fala o Apocalipse. Mais tarde, porém, acrescentaram-se dois outros, ao aumentar as festas do Ano Litúrgico: Circuncisão e Aparição.
A “Bênção” antes de comungar. Poderíamos dizer que não há maior bênção do que receber o Corpo e o Sangue de Cristo. Por este motivo dá-se a bênção antes da Comunhão, como manda o IV Concílio de Toledo (633). Ela não tem, portanto, o caráter de despedida que tem no Rito Romano.
