Durante várias semanas, nos meses de outubro e novembro passados, D. Giovanni D’Ercole, assistente espiritual internacional dos Arautos do Evangelho, esteve visitando e conhecendo por todo o continente americano, desde os Estados Unidos até a Argentina, as obras desenvolvidas por esta Associação. Paternalmente, soube D. Giovanni orientar, estimular e tonificar com muita maestria as atividades apostólicas promovidas pelos Arautos.

Após tão agradável e fraternal convívio, chegando de volta a Roma, D. Giovanni recebeu uma missiva do Presidente Geral da Associação, João Scognamiglio Clá Dias, agradecendo-lhe por tantos benefícios espirituais dispensados naqueles dias.

D. Giovanni assim respondeu:

Roma, 27 de novembro de 2001.

Caríssimo Sr. João:

Fico-lhe muito grato pela carta de 15 de novembro passado, que teve o dom de trazer-me até aqui a já saudosa atmosfera, densa de espiritualidade, na qual tive a alegria de viver durante os dias que passei em São Paulo, junto aos meus queridos Arautos do Evangelho.

Igualmente, agradeço-lhe comovido a renovação das provas de amizade e os elogios que o senhor teceu a meu respeito.

Os dons que o senhor quis ver em minha pessoa, devo, em justiça, atribuí-los às graças que Jesus e Maria, por meio do meu Fundador, Dom Orione, têm a misericórdia de me conceder. E peço a eles que lhe retribuam ao cêntuplo por sua fraternal – e filial – bondade.

Agora, com um pouco mais de calma, após o regresso a Roma, escrevo-lhe estas linhas para lhe confiar mais alguns comentários sobre minha visita às casas dos Arautos do Evangelho nas três Américas.

A perspectiva trazida pelo transcorrer dos dias vem me dando a chance de melhor avaliar alguns pontos, que tenho procurado aprofundar.

Era um dos objetivos de minha viagem analisar bem de perto as diversas realidades dos Arautos do Evangelho, a fim de que, se necessário fosse, dar-lhes conselhos e orientações.

Por isso, apliquei minha atenção em tudo com particular empenho, apesar da enfermidade que me acompanhou durante todo o trajeto, inclusive em São Paulo, onde o senhor teve a caridade de levar-me a um médico ortomolecular tão hábil que ele acertou em cheio o meu problema.

Aproveito a referência para lhe agradecer, pois desde então tenho me sentido muito melhor.

Já tive oportunidade de lhe dizer em São Paulo que fiz diversas observações e procurei aconselhar a respeito de alguns assuntos, deixando uns poucos pontos para estudar melhor no futuro. Conversamos sobre tudo isto, especialmente durante o jantar do meu último dia no Brasil.

Quero deixar também registrado que encontrei no senhor – e, em geral, em todos os encarregados com os quais conversei, aí e nos outros países – uma ótima disposição para aceitar minhas ponderações. Além disso, pude comprovar a vitalidade e força de expansão dessa obra, a qual, em tão pouco tempo, vai se estendendo célere pelo mundo inteiro.

Queira Deus que ela continue a trilhar esse caminho, e se multiplique a ponto de atingir todos os rincões do globo, a fim de levar por toda a parte seu admirável testemunho de fé, de fidelidade ao Papa, de piedade eucarística e mariana, de amor pelas infinitas perfeições divinas refletidas no pulchrum do universo, numa palavra, de seu carisma.

Verifiquei também o quanto, nesta obra, a parte humana colabora docilmente com a graça divina. Em todas as comunidades dos Arautos do Evangelho que visitei, pude testemunhar o grau virtuoso de abnegação e dedicação que move seus membros nas tarefas da nova evangelização.

Quero ressaltar sua presteza em atender ao chamado dos Bispos, párocos e sacerdotes em geral, sua solicitude por todo o povo, sem nenhuma acepção de classe social, nem de cor ou nacionalidade, seu carinho todo especial pelos desamparados, doentes e sofredores, enfim, seu espírito apostólico incansável, benevolente e caridoso.

Não posso deixar de mencionar meu agrado pelo trabalho realizado pelos Êremos Itinerantes, essa instituição tão singular que consegue transportar consigo uma atmosfera rica de aspectos monacais em meio a uma vida de viagens ininterruptas e de intensa atividade no meio do povo.

Há outro aspecto de valor que desejo deixar assinalado nesta carta. Não é preciso muito convívio com os Arautos do Evangelho para perceber o quanto seu carisma norteia seu dia a dia. Dele advém um esforço contínuo para se manter em todas as ações e atitudes um tônus elevado, digno e belo.

Ao lado disso, fiquei admirado ao verificar o desapego deles aos bens materiais. Pensam em utilizá-los apenas na expansão do Reino de Cristo.

É importante salientar o quanto, neste caso, as aparências enganam: as solenidades animadas com tanta pompa pelos Arautos do Evangelho poderiam causar uma ideia errônea sobre a autêntica vida de pobreza – e às vezes de grande necessidade – que eles levam.

E eles confessam com toda simplicidade que preferem empregar os donativos que recebem no embelezamento de suas cerimônias públicas, de modo a poderem levar a todos os homens aquele “pulchrum que salva”, do qual falava o Papa João Paulo II na sua “Carta aos Artistas”, de 1999.

Cumpre, por fim, consignar uma constatação de certa importância que não lhe pude transmitir no Brasil. Aproveito, portanto, este ensejo para fazê-lo.

Notei, não sem me impressionar, que nos catorze países visitados durante esse longo mês, todos me diziam que sobre tal assunto haviam consultado o senhor, e que sobre tal outro, também, ou que “o Sr. João” nos disse que fizéssemos isto, ou nos aconselhou a fazer aquilo, etc.

Estes dizeres me deixavam com um ponto de interrogação. Eu via que esta obra é um sopro do Espírito Santo. Mas teria em sua raiz a mão de alguém? E… com que disposição esse “alguém” tomaria essa realidade, essa dependência moral e institucional de tantos subordinados? Obtive a resposta em São Paulo.

Agradou-me observar, durante os dias em que estivemos juntos, a modéstia com a qual o senhor age em tudo, nunca procurando chamar a atenção sobre si.

E isto me fez concluir que esta é uma das fontes das quais nascem as orientações prudentes e sapienciais para os Arautos do Evangelho no mundo inteiro.

Tal circunstância me faz reportar a Maria: o modelo que por excelência nos leva a Jesus Cristo.

Ela não quis aparecer. Somente séculos depois de sua vida nesta terra, ficou-se conhecendo seu papel incomparável.

Sendo Ela quem era, permaneceu oculta, procurando discretamente as posições mais simples.

Possuindo este espírito de despretensão (fruto, sem dúvida alguma, da vida de piedade, eucarística e mariana), essa obra crescerá, será abençoada pelo Senhor, será abençoada por sua Santíssima Mãe. Continuará sendo esta a causa de seu crescimento no mundo inteiro, de sua “exemplaridade” para todos.

Gostei sobretudo da explicação dada pelo senhor aos jovens, durante a preleção que fez para eles no Êremo do Præsto Sum, naquela noite em que, por razão de saúde, não pude proferir minha conferência.

Dizia-lhes que, em virtude da visita de seu “Conselheiro Espiritual”, havia recebido a graça de compreender melhor como a Igreja de fato é Mãe.

Ela, percebendo como o Senhor suscita uma vocação em algum lugar da Terra, vai até ali, e, por meio de um ministro, de um enviado, vai conhecer esse carisma, procura entendê-lo, ajuda-o a explicar-se, a apresentar-se ante a Igreja Universal, etc.

Isto mostra, com efeito, como na Religião Católica existe uma fecundidade realmente divina, porque é guiada pelo próprio Deus. Neste seu comentário, transparece a sensibilidade e capacidade de compreender nossa Santa Mãe, a Igreja.

E ver também essa multidão de jovens alegres, piedosos, de espírito apostólico, foi que me levou àquela exclamação no aeroporto, pouco após nos despedirmos e eu estar prestes a passar pela alfândega: “Vê-se que é gente bem formada!”

Eu expressava uma convicção que me ficou vincada no espírito.

Dou graças a Deus, por intermédio de Maria Santíssima, por nosso providencial encontro há dois anos, que me permitiu conhecer – e agora apoiar tão diretamente – este novo carisma suscitado pelo Espírito Santo na Igreja Católica, conforme tive ocasião de referir em minha homilia de 1° de novembro último.

Rogo ao Senhor que o faça desenvolver do modo mais profundo e extenso possível.

E que, por sua fidelidade, apoiando o Papa em sua pastoral, preocupação por “todas as igrejas”, como leigos, possam ajudar com grande eficácia na implantação do Reino de Deus, que não é outra coisa senão o “triunfo” do Imaculado Coração de Maria, anunciado por Ela mesma em Fátima.

Queira receber minhas felicitações por seu trabalho à frente dos Arautos do Evangelho no mundo inteiro, e, mais uma vez, meu agradecimento por sua cristã acolhida e pela que me dispensaram as outras comunidades visitadas, de jovens dos setores masculino e feminino.

Com minha bênção sacerdotal pelas intenções e desejos expressos nesta ocasião e nas anteriores, subscrevo-me seu sincero amigo e irmão.

Em Jesus e Maria,

Giovanni D’Ercole, Conselheiro Espiritual